Os resultados da 29ª Conferência do Clima da ONU, finalizada com muita dificuldade na madrugada de sábado para domingo (24), no horário de seu país sede, o Azerbaijão, não só ficou aquém das necessidades para enfrentamento da crise climática, como também deixou uma grande batata quente para o Brasil, que sediará a próxima COP. A rota para Belém será difícil, dizem especialistas, com expectativas altas da comunidade global de que o próximo anfitrião não só consiga escalonar a pífia meta climática adotada em Baku, como também retome a confiança no processo multilateral.
Após duas semanas de intensas negociações, nas quais a condução do Azerbaijão foi repetidamente criticada, a COP29 adotou uma nova meta de financiamento climático de US$ 300 bilhões por ano até 2035. A cifra, muito longe dos US$ 1,3 trilhão reivindicados pelos países em desenvolvimento para fazer frente à crise climática em seus territórios, foi considerada “um insulto” e uma “flagrante violação da justiça climática”.
“Trata-se de um aumento que meramente cobre a inflação dos US$ 100 bilhões anuais prometidos em 2009”, pontuou Karen Silverwood-Cope, diretora de Clima do WRI Brasil, ao lembrar do acordo de financiamento fechado há 15 anos em Copenhague, na Dinamarca.
O problema central na disputa travada em Baku entre países ricos se recusando a abrir a carteira e os em desenvolvimento clamando por mais recursos não foi a falta de dinheiro. Segundo o Fundo Monetário Internacional, somente os subsídios aos combustíveis fósseis chegaram a US$ 7 trilhões em 2023, cifra 23 vezes maior do que o acordado em Baku para fazer frente à crise que tais combustíveis ajudaram a criar.
Além da meta de financiamento a desejar, a decisão final da COP29 não coloca os países desenvolvidos – os maiores emissores históricos – como responsáveis pela destinação dos recursos. O texto diz apenas que as nações mais ricas devem estar “na dianteira” dos esforços.
Também foi alvo de críticas o fato do texto não determinar que esse financiamento deve ser público, de governo para governo, na forma de doações ou empréstimos a juros baixos. Assim, além de diluir as fontes, o acordo abre espaço para que parte do aporte seja feito através de empréstimos a juros de mercado, o que pode representar um risco de endividamento ainda maior dos países em desenvolvimento.
“Em Baku, vimos o futuro do nosso planeta e a dignidade de inúmeras vidas serem diminuídas ao mínimo, uma concessão a governos ricos determinados a fugir às suas responsabilidades morais e financeiras. O que foi apresentado como progresso foi, na realidade, o menor denominador comum. O fracasso deste acordo sublinha uma verdade preocupante: aqueles com maior capacidade de liderança continuam a falhar quando é mais importante”, resumiu Andreas Sieber, líder de políticas da 350.org.
Contexto conturbado
A COP29 já é considerada uma das mais difíceis da história das Conferências. A Cúpula aconteceu no final de um ano recorde em impactos climáticos, com aumento das temperaturas no nível global e a consequente ocorrência de inundações, furacões, secas e incêndios florestais destruindo comunidades e ecossistemas ao redor do globo.
Além disso, ela foi realizada em um contexto geopolítico muito delicado, na sombra de conflitos armados e da crescente presença da extrema direita no mundo.
O mundo enfrenta atualmente o maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial: Ucrânia, Rússia, Mianmar, Gaza, Líbano, Irã, Israel, Sudão, para citar apenas alguns países.
A própria escolha da sede esteve envolta neste contexto. O anfitrião, Azerbaijão, só foi anunciado após longos atrasos, resultantes do bloqueio da Rússia aos países da União Europeia que se candidatavam para sediar a conferência. A Armênia e o Azerbaijão haviam se oferecido para ser os anfitriões, mas a Armênia retirou sua oferta em troca da liberação de mais de 30 prisioneiros de guerra armênios.
A eleição de políticos de extrema direita também influenciou as negociações: os diplomatas argentinos foram orientados por Javier Milei a se retirarem dos espaços da Conferência ainda na primeira semana do encontro e os negociadores americanos fizeram das tripas coração para tentar garantir algum resultado positivo antes que o negacionista Donald Trump assuma a presidência e retire (de novo) os EUA do Acordo de Paris.
Além disso, o fato de a COP29 ter sido realizada em um país altamente dependente do petróleo – recurso que o anfitrião da Conferência chamou de “presente de Deus” – e de lobistas dos combustíveis fósseis terem comparecido em peso na Cúpula, colocaram em xeque a legitimidade do processo.
A soma das suspeitas sobre a condução do Azerbaijão e os resultados ruins da cúpula tiveram como resultado uma profunda ruptura na confiança que países-membros da ONU têm no multilateralismo. A estrutura da Conferência do Clima foi colocada em dúvida.
“Mais que uma quantia insuficiente para o enfrentamento da emergência climática – e dúvidas sobre a consistência desses recursos – a COP29 deixa como legado a necessidade urgente de fortalecer o multilateralismo. A confiança é a matéria-prima da política internacional e fator crucial para se alcançar resultados positivos”, lembrou a WWF.
COP30
Nos dias finais da COP29, o Brasil, junto com o Reino Unido, foi chamado pelo Azerbaijão para atuar como “facilitador” das negociações, a fim de tentar destravar as difíceis negociações que aconteciam a portas fechadas em Baku. Segundo Ana Toni, secretária de Mudanças Climáticas do MMA, o trabalho foi intenso, com encontros bilaterais que vararam a madrugada. Mas muito ainda se espera do Brasil, dizem especialistas.
No cenário de resultados insuficientes e questionamentos sobre a própria estrutura da Conferência, o Brasil terá um papel determinante em 2025. O tema principal da próxima COP são as novas metas climáticas, conhecidas como NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) e que se traduzem pelo quanto cada país se compromete a cortar em suas emissões para tentar manter a média de aquecimento global em 1,5ºC.
Além de estimular os países-membros por mais ambição em suas metas de corte, o Brasil herda de seu antecessor a responsabilidade de pressionar as nações participantes por um novo financiamento climático e de reconquistar a confiança na efetividade dos mecanismos da Convenção.
“Ao assumir a presidência da COP30, o Brasil terá o dever de continuar sendo um exemplo positivo e cobrar maior ambição dos demais países, assim como recuperar a confiança das partes após um processo decisório desgastado e em um contexto geopolítico mais desafiador”, resumiu a Diretora de Campanhas do Greenpeace Brasil, Raíssa Ferreira.
No próximo ano, além da sede da COP30, o Brasil também estará na presidência do BRICs, grupo econômico formal que conta com as cinco maiores economias emergentes do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Apesar dos duros golpes que enfrenta, a cooperação entre países segue essencial para enfrentar os complexos desafios do presente. Como país sede da COP30 e do BRICS+, o Brasil tem uma oportunidade única de liderar a cooperação internacional e trabalhar pela reconstrução de uma estrutura de governança global mais inclusiva e equitativa.
O Brasil já mostrou que sabe fazer isso, a exemplo das discussões do G20 em 2024, na qual o clima e o meio ambiente estiveram fortemente presentes, ou mesmo da ECO92, que há 30 anos estabeleceu as bases do que seriam os processos multilaterais relacionados ao meio ambiente.
Agora, ele é novamente colocado à prova, nesta que talvez seja sua maior tarefa: a de garantir que o próximo passo esteja à altura da ambição que o mundo exige.
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