Reportagens

Secas recorrentes afetam a capacidade de recuperação da Floresta Amazônica, alerta estudo

Nas últimas duas décadas, a Floresta Amazônica tem sido impactada por secas cada vez mais intensas e frequentes. As mais severas ocorreram em 2005, 2010 e 2015

Elizabeth Oliveira ·
2 de dezembro de 2021 · 3 anos atrás

Pesquisadores brasileiros e portugueses detectaram que secas severas têm afetado a capacidade de recuperação da Floresta Amazônica nas últimas duas décadas. Segundo o estudo, trechos de floresta impactados pela estiagem têm levado de 12 meses a três anos para recobrar seu ritmo de crescimento habitual.

O trabalho se concentrou na análise da chamada produtividade primária, que é a quantidade de matéria orgânica produzida pela vegetação, um parâmetro comumente utilizado para avaliar a capacidade de regeneração de um ecossistema. Em situações de seca, a absorção de gás carbônico pelas plantas para a produção de oxigênio tende a ser mais lenta.

De acordo como o estudo, os impactos foram particularmente graves nas secas de 2005, 2010 e 2015, tidas como as piores do século e um alerta de que eventos como esses estão se tornando mais frequentes, agora com cinco anos de diferença.

Os resultados da pesquisa mostraram que a absorção de carbono durante o período de recuperação de uma seca foi 13% menor quando comparada a níveis anteriores à estiagem ou a trechos de floresta que não sofreram impacto.

“A gente nota que em 2005, 2010 e 2015 houve um aumento do déficit de resiliência da floresta”, explica o biólogo Fausto Machado-Silva, pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF) e principal autor do estudo.

“Quanto mais intensa e ampla foi a seca, maior foi a dívida para a floresta se recuperar”, afirma o cientista. “O nosso trabalho mostra que o déficit de resiliência pode aumentar por dois cenários: por uma intensidade maior de seca, como foi 2010, em que a queda foi maior, ou pelo alongamento do processo de recuperação, como foi em 2015”.

De acordo com Machado-Silva, os resultados são preocupantes, sobretudo, pelas sinalizações das principais referências em climatologia global. “Os cenários do IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] mostram que teremos aumento da temperatura na Amazônia cerca de três a quatro vezes o aquecimento médio do planeta”, alerta.

Um quadro, segundo ele, ainda mais crítico se levarmos em consideração o aumento crescente do desmatamento na região, problema que influencia na alteração dos níveis de precipitação e na capacidade de retenção de carbono. “O atual cenário vai causando interferência no ciclo hidrológico. Mais porções de terras desmatadas significam menos água que volta para a atmosfera”, observa.

Amazônia como sumidouro de carbono em risco

Seca no Rio Negro em 2015. Foto: Defesa Civil do Amazonas.

Ao comentar sobre as contribuições do artigo publicado, o climatologista Jose Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), afirmou à Mongabay que, enquanto estudos anteriores demostraram que durante as secas houve queda na produtividade florestal, o novo levantamento indica a tendência de redução desse parâmetro nos anos pós-seca, “questionando o fato de que as florestas são resilientes.”

Para o climatologista, as florestas “talvez tenham sido [resilientes] no século 20, mas no século 21 as secas mudaram esta figura e os bosques apresentam baixa resiliência num cenário de secas mais intensas e frequentes, num planeta cada vez mais quente”.

Em “cenário hipotético, mas não descartado”, diante de condições ambientais desfavoráveis, Marengo alerta que “a floresta pode colapsar, afetando o clima regional e global”. Considerando os riscos associados à perda de resiliência da maior floresta tropical do mundo, Marengo conclui: “Temos que zerar o desmatamento, reduzir as emissões de gases de efeito estufa, limitar o agronegócio em terras amazônicas e proteger a floresta que vale mais em pé do que cortada.”

Luiz Aragão, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), afirmou à Mongabay que, além de trazer novas nuances, como os cenários de perda de produtividade pós-secas, o artigo recém-publicado contribui para reforçar algumas mensagens já divulgadas na literatura especializada sobre o tema. “Nós corremos grande risco de a Floresta Amazônica perder a capacidade de contribuição como sumidouro de carbono”.

Considerando o papel central da Amazônia no equilíbrio climático regional e global, ele destaca que os resultados da publicação são importantes para a gestão ambiental brasileira. “A remoção de vegetação nativa não se justifica. A floresta atua como reguladora do clima e sustenta áreas produtivas que são importantes para a economia nacional”, afirma.

  • Elizabeth Oliveira

    Jornalista e pesquisadora especializada em temas socioambientais, com grande interesse na relação entre sociedade e natureza.

Leia também

Reportagens
7 de abril de 2020

Sem floresta, o agro não é nada. Entenda a importância dos colossais “Rios Voadores”

Eles existem, garantem o equilíbrio das chuvas no mundo e dependem da existência de grandes florestas, como a Amazônica

Reportagens
3 de fevereiro de 2010

Gravidade da seca para a Amazônia

Dúvidas sobre suscetibilidade da Amazônia à redução de chuvas são refutadas pelo pesquisador Daniel Nepstad, do IPAM.

Notícias
5 de julho de 2024

Associação de procuradores ambientais propõe ajustes nas autorizações de desmatamento

Nota técnica da Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA) alerta para descontrole de autorizações de supressão, especialmente no Cerrado

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.