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Publicado originalmente por Agência Fapesp
A chegada da estação seca em julho acendeu um alerta para a possibilidade de uma nova onda de incêndios em áreas naturais no Brasil. Para evitar tragédias como a que ocorreu no Pantanal em 2020, quando quase 30% do bioma foi queimado, pesquisadores alertam para a necessidade de um manejo adequado das áreas mais propícias ao fogo no país. A recomendação é parte de um estudo apoiado pela FAPESP e publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation.
“Os incêndios no Pantanal foram algo totalmente sem precedentes. Ficou ainda mais clara a necessidade de uma gestão integrada do fogo no Brasil, baseada em evidências científicas”, comenta Vânia Pivello, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e primeira autora do artigo.
O trabalho foi apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA). Também houve financiamento por meio de projeto vinculado ao Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
“Entendemos que há vários problemas acontecendo ao mesmo tempo. Um é climático, a diminuição das chuvas. Outro é a falta de fiscalização e de estrutura nos órgãos ambientais. Há um desmonte dos órgãos ambientais, principalmente nos últimos anos, que tirou poder de quem está em campo e precisa tomar decisões na hora para combater o fogo. Um terceiro problema é o uso da terra. Como não há muita fiscalização, queimam-se áreas para lavoura ou pastagem sem o devido cuidado e o fogo passa para outros locais acidentalmente. Se providências não forem tomadas, novas tragédias podem se repetir neste ano”, diz a pesquisadora à Agência FAPESP. Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou.
Os autores do estudo chamam a atenção para as particularidades dos biomas brasileiros em relação ao fogo e de como é possível usá-lo a favor dos campos naturais e savanas (Cerrado e Pampas), enquanto as florestas tropicais (Amazônia e Mata Atlântica) são extremamente vulneráveis às queimadas, que devem ser evitadas a todo custo.
No Cerrado e nos Pampas, os incêndios naturais, causados por raios, fizeram com que a vegetação evoluísse junto com o fogo. As herbáceas, que compõem a maior parte da biodiversidade nesses ambientes, florescem ou brotam justamente após o fogo. Nesse contexto, a política de “fogo zero”, adotada no Brasil desde os tempos do Império, acaba contribuindo indiretamente para extinções e a ocorrência de grandes incêndios.
Essa compreensão começou a mudar nos anos 1970, por meio dos trabalhos pioneiros do biólogo Leopoldo Magno Coutinho (1934-2016), professor do IB-USP. As pesquisas de Coutinho mostraram que abolir completamente o fogo nesses locais faz com que uma grande quantidade de matéria orgânica seca se acumule, servindo de combustível para incêndios muito maiores do que os que ocorreriam naturalmente.
“No caso do Pantanal, essas áreas de campos normalmente são cercadas por água. Com as grandes secas que vêm sendo registradas na região nos últimos anos, os rios ficaram com menos água e as poucas áreas alagadas não tiveram como barrar o fogo, que se alastrou”, explica Pivello.
Manejo integrado
Desde 2014, o Brasil conta com uma estratégia chamada Manejo Integrado do Fogo (MIF). Em algumas unidades de conservação de Cerrado, queimadas controladas na época úmida, entre maio e junho, reduzem a quantidade de material de fácil combustão e diminuem o risco de incêndios florestais na época seca, a partir de julho. A estratégia, porém, não foi amplamente implementada no país. Um projeto de lei está parado no Congresso desde 2018 para regulamentar o que seria a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. Além disso, o MIF não é utilizado em áreas particulares, que correspondem a 44,2% das terras no Brasil.
Os pesquisadores apontam a necessidade de desenvolvimento de uma estratégia geral clara para lidar com o fogo também nessas terras, permitindo o uso controlado quando for benéfico e evitando-o quando os efeitos negativos forem maiores.
O Parque Nacional das Sempre-Vivas, na região de Diamantina, Minas Gerais, é um exemplo de aplicação dessa estratégia. As sempre-vivas são pequenas flores típicas da região e fontes de subsistência para os moradores locais, que realizam junto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) o manejo das plantas usando o fogo. Acredita-se que ele estimule a produção de mais flores.
“Porém, é muito importante observar como utilizar esse fogo e a quantidade de flores que pode ser retirada para garantir a continuidade de todas as espécies”, destaca Pivello.
Outras unidades de conservação no Cerrado onde queimas controladas ajudam a evitar incêndios são a Área de Proteção Ambiental do Jalapão e a Estação Ecológica Serra Geral, ambas no Tocantins; e os parques nacionais da Chapada das Mesas, no Maranhão, da Chapada das Emas e da Chapada dos Veadeiros, em Goiás (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/refazendo-o-cerrado/).
“Mas mesmo os ecossistemas adaptados respondem de formas diferentes ao fogo. Há uma série de critérios que determinam se a queimada será boa ou ruim para uma determinada área. E o homem vem alterando os regimes de fogo”, diz a pesquisadora.
As queimadas naturais ocorrem em um intervalo de alguns anos, geralmente iniciadas pela queda de raios das chuvas do início do verão. Nessa época, a vegetação está mais úmida e o fogo não se alastra, formando mosaicos de áreas verdes e áreas queimadas, favorecendo a biodiversidade.
Quando a queima é provocada pelo homem todos os anos, ainda mais na estação seca, podem ocorrer incêndios de grandes proporções que ameaçam a biodiversidade e mesmo a saúde humana.
Por isso, a ideia do trabalho é alcançar não apenas a comunidade científica, como também gestores e formuladores de políticas públicas. Para ajudar a evitar que novas tragédias como a do Pantanal se repitam e ações preventivas sejam tomadas, os pesquisadores disponibilizam não só o artigo em acesso aberto, como um sumário executivo, em português, resumindo as principais informações necessárias para a tomada de decisões.
O sumário executivo, em português, pode ser baixado em: https://bit.ly/3ycbhlC.
Já o artigo Understanding Brazil’s catastrophic fires: Causes, consequences and policy needed to prevent future tragedies, de Vânia R. Pivello, Ima Vieira, Alexander V. Christianini, Danilo Bandini Ribeiro, Luciana da Silva Menezes, Christian Niel Berlinck, Felipe P.L. Melo, José Antonio Marengo, Carlos Gustavo Tornquist, Walfrido Moraes Tomas e Gerhard E. Overbeck, pode ser acessado em: www.perspectecolconserv.com/en-understanding-brazils-catastrophic-fires-causes-avance-S2530064421000560.
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Não dar pra entender correr atrás do fogo! Prevenção até transparece palavra ofensiva!