Reduzir a força e os estragos de incêndios no Pantanal depende de ações preventivas e de adaptação às mudanças do clima. Sem isso, um dos biomas mais conservados do país seguirá na mira de desastres. Prejuízos serão ainda mais sérios para conservação da vida selvagem, populações humanas, economias rurais e turismo.
O Pantanal alcança partes da Bolívia e do Paraguai, mas está abrigado sobretudo no Brasil. É um patrimônio nacional conforme a Constituição de 1988 e um refúgio inigualável de vida selvagem. Preservá-lo é um dever especialmente de governos e sociedade brasileiros. As Nações Unidas também reconhecem sua importância ecológica.
Apesar dos títulos de nobreza, a região queima desde o fim de 2019. As chamas ganharam força desde julho, graças a maior seca das últimas cinco décadas e a queimadas criminosas. Até agora, mais de 4 milhões de hectares torraram, ou 27% do Pantanal. Parques nacionais e outras áreas protegidas foram calcinadas, mostra o sistema de monitoramento ALARMES, feito pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Um dos pesquisadores atentos aos estragos do fogo na região é Pierre Girard, do Centro de Pesquisas do Pantanal (CPP). Para ele, faltou planejamento e capacidade para lidar com um desastre apontado por estudos científicos. Projeções climáticas nacionais e internacionais já previam secas mais fortes e prolongadas no Pantanal.
“Faltou planejamento, equipamentos e pessoal para lutar mais efetivamente contra os incêndios. A resposta governamental foi fraca diante da tragédia. Estávamos muito vulneráveis, e as secas devem se agravar nas próximas décadas pela crise do clima e desmatamento no país”, ressaltou o professor do Departamento de Botânica e Ecologia da Universidade Federal do Mato Grosso.
Ao mesmo tempo, a diretora adjunta da ONG matogrossense Instituto Centro de Vida, Alice Thuault, pondera que a inação governamental diante dos incêndios deste ano e o abandono de pautas estratégicas como a de combate à crise do clima trarão mais prejuízos econômicos e ambientais ao país.
“A agenda de adaptação às mudanças do clima está batendo forte na nossa porta. Temperaturas em alta não só potencializarão incêndios como prejudicarão cultivos agrícolas e a vida nas cidades. Secas reduzirão o nível dos rios, complicando até a movimentação de barcos turísticos e de socorro. Semear a descrença sobre a crise do clima só dificulta a implantação de agendas estratégicas para o país”, ressaltou.
O governo de Jair Bolsonaro deixou de atuar e desdenha da crise global do clima, atrasou a contratação de brigadistas para prevenção e combate ao fogo e cortou mais da metade dos recursos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) voltados à proteção da natureza e luta contra incêndios.
Vidas calcinadas
Entidades dedicadas ao resgate e alimentação de animais selvagens e domésticos nas emergências pantaneiras engrossam o coro por maior controle dos incêndios e dos prejuízos à biodiversidade pantaneira.
“Não estamos preparados, não temos uma cultura e não somos uma nação adaptada à prevenção. Sempre agimos quando surge o problema e não antes dele. Isso faz com que estejamos eternamente apagando incêndios”, ressaltou a médica veterinária Carla Sássi, do Grupo de Resgate de Animais em Desastres.
Já para Marcele Becker, vice-presidente da ONG Ampara Silvestre, ainda não há condições para resgatar e tratar tantos animais atingidos pelos incêndios na região. Capitais como Cuiabá (MT) não têm centros para resgate de animais silvestres, empurrando muitos deles por milhares de quilômetros para tratamento em outros estados.
“Não espere a tragédia chegar, já se previna e resguarde antes, monte sua equipe e esteja com seu fundo (de recursos) preparado. A gente não imaginava algo nessa proporção, mas agora a gente sabe que sim, infelizmente isso vai se repetir, então precisamos estar preparados para os próximos anos. No Brasil a gente precisa arregaçar as mangas e fazer”, ressaltou.
Caminho das pedras
Professor aposentado da Universidade Federal do Paraná e especialista em controle de incêndios florestais, Ronaldo Viana Soares aposta em mais respeito à legislação e fiscalização, educação ambiental e até em queimadas controladas como ingredientes chave para reduzir a força e os impactos de incêndios no Pantanal e outras regiões do país.
“Queimadas só podem ocorrer com autorização do poder público. Pessoas com mais educação ambiental alertarão as autoridades diante dos primeiros focos, quando os incêndios podem ser melhor combatidos por brigadistas bem treinados e equipados. Mesmo com infraestrutura, é muito difícil lutar contra incêndios quando se alastram, como vemos em países ricos como Estados Unidos e Austrália”, explicou.
Em parques nacionais no Cerrado, como o da Chapada dos Veadeiros e das Emas, em Goiás, queimadas são feitas pelos órgãos ambientais na estação chuvosa para reduzir a quantidade de vegetação que poderia queimar na seca. Brigadas como a Alto Pantanal, mobilizadas pela sociedade civil, começam a se organizar em regiões do Pantanal para evitar e combater incêndios.
Medidas como essas são fundamentais diante de um futuro onde altas temperaturas e secas extremas poderão incendiar até florestas tropicais como a Amazônia, segundo mostra um estudo publicado na revista Nature Geoscience. Conforme a pesquisa, incêndios que devoraram o planeta no passado aumentaram mesmo em regiões úmidas devido a mudanças do clima.
“Lançar mais dióxido de carbono na atmosfera não aumenta apenas potencialmente as temperaturas globais. Isso tem impactos significativos na ecologia do planeta, sobre como as florestas respondem ao fogo”, disse o autor principal do estudo, Frank Boudinot, à agência de notícias da Universidade do Colorado em Boulder (Estados Unidos).
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