Faltaram superlativos para descrever a pandemia de branqueamento que afetou corais do mundo inteiro no ano passado, adoecendo com especial gravidade a Grande Barreira de Coral da Austrália, o maior conjunto de recifes do mundo. O fenômeno foi descrito como uma catástrofe ambiental silenciosa e de grandes proporções. Um estudo publicado nesta quarta-feira (15) no site do periódico Nature põe números nessa afirmação: 91% dos recifes australianos foram afetados em alguma medida pela síndrome.
Uma equipe internacional de cientistas liderada pelo australiano Terry Hughes, da Universidade James Cook, fez um amplo inventário da tragédia. Usando imagens de avião e amostragens submarinas, eles analisaram 1.156 recifes distribuídos ao longo da Grande Barreira – uma área de mais de 340 mil quilômetros quadrados, mais ou menos equivalente ao território de Mato Grosso do Sul esticado ao longo de 2.300 quilômetros de costa.
A contagem revelou que apenas 8,9% dos recifes analisados não sofreram branqueamento nenhum em 2015 e 2016, anos em que a pandemia se instalou e atingiu seu pico. Esses recifes ficam na parte sul da Grande Barreira, onde tufões ajudaram a quebrar o aquecimento acachapante da água do mar australiano – em alguns lugares, a temperatura da água ficou 8oC mais alta que a média. O número de recifes que tiveram 60% ou mais de seus corais branqueados foi quatro vezes maior do que nas pandemias anteriores.
O branqueamento ocorre quando algum estresse, normalmente térmico, faz um coral expulsar as algas microscópicas que vivem em simbiose com ele. Essas algas, chamadas zooxantelas, são a principal fonte de alimento do coral e lhe dão cor. Quando o mar esquenta demais, elas vão embora. O coral passa fome e fica mais suscetível a doenças. Em muitos casos ele morre.
Desde que a síndrome foi descoberta, nos anos 1980, apenas três episódios globais de branqueamento ocorreram: em 1998 (um ano de forte El Niño), em 2002 e em 2015/16. O grupo de Hughes comparou o número de recifes afetados nos três episódios e confirmou o que todos já sabiam: a pandemia do ano passado foi, de longe, a pior da história. Em 1998, 42% dos corais australianos escaparam ilesos; em 2002, 45%.
O episódio é uma realização chocante do prognóstico feito dez anos atrás pelo IPCC, o painel do clima da ONU. Em seu quarto relatório de avaliação, o comitê previa que o aquecimento global causaria “mortandade disseminada de corais” na Austrália “em 2020”. Um relatório publicado nesta semana pelas ONGs Earth Justice e Environmental Justice Australia afirma que 22% dos corais australianos morreram. No ano passado, mergulhadores relataram ao jornal britânico The Guardian a experiência de sair da água impregnados com o mau cheiro de milhões de animais em decomposição.
O estudo de Hughes e colegas chama atenção para um aspecto particularmente dramático da última pandemia: não importa se os corais estavam em áreas livres de poluição ou sem pressão de pesca, eles branquearam do mesmo jeito.
O relatório das ONGs reforça a necessidade de aumentar a proteção da Grande Barreira, hoje inscrita como sítio do patrimônio natural da Unesco, pedindo que ela seja listada como sítio de patrimônio ameaçado e que todos os projetos de infraestrutura que aumentem a pressão sobre os recifes sejam cancelados.
A nova pesquisa dá a entender que tais esforços para evitar estresses não-climáticos são fúteis. Se eventos de aquecimento extremo do mar ficarem mais frequentes, com menos tempo para os corais se recuperarem – como prevê o IPCC –, nem toda a proteção do mundo poderá proteger a Grande Barreira. “Assegurar um futuro para os recifes de coral, em última análise, exige ação urgente e rápida para reduzir o aquecimento global”, escrevem os cientistas.
Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo. |
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