O artesanato com palha de butiá é passado de mães para filhas há cerca de 150 anos no município litorâneo de Torres, no Rio Grande do Sul. Seus atributos históricos, sociais, econômicos e ecológicos fizeram da tradição o mais novo patrimônio cultural imaterial do estado.
“Valores simbólicos como o cuidado, a criatividade, a resiliência, a autonomia das mulheres, o poder da convivência e a importância da memória, aliados a um contexto único conferem ao artesanato singularidade e identidade cultural”, descreve a ong Instituto Curicaca em nota enviada a ((o))eco.
A entidade civil, inúmeras artesãs e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE) são os principais mobilizadores do reconhecimento, chancelado hoje (17) pelo governo gaúcho. Isso exigiu duas décadas de trabalho.
O esforço recompensa o trançado paciente da folhagem seca das palmeiras, conformando chapéus, bolsas, tapetes e outros objetos. Cada peça é única, traz contornos impostos pelas mãos experientes das artistas, forjadas desde pequenas.
Além de trazer recursos para que adultos comprem roupas e livros, o artesanato tem outras funções ao longo do tempo: enriquece as brincadeiras da criançada, embala sonhos de adolescentes e, ainda, é usado como terapia e fonte de lembranças pelos idosos.
A proposta que tornou o artesanato com a palha de butiá um patrimônio gaúcho agrega medidas para valorizar e proteger a espécie, inclusive pelo Instituto Curicaca, Secretaria Estadual de Cultura e Prefeitura de Torres. Confira aqui uma página da ong promovendo a iniciativa.
Afinal, a palha coletada pelas artesãs em propriedades de vizinhos e parentes está rareando. Os remanescentes de butiazais no litoral norte do estado encolheram 81,1% desde meados dos anos 1970, passando de 510 ha para 96,4 ha. Cerca de ⅓ estão no município de Torres.
Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai têm 21 espécies de butiás. Dezenove ocorrem em nosso país, sobretudo no Cerrado e no Pampa, e todas correm risco de extinção. Pastagens, lavouras e loteamentos diminuem seu espaço. Butiazeiros são ainda cortados e enterrados por fazendeiros, diz o Curicaca.
Os maiores remanescentes estão no Rio Grande do Sul, com plantas de em média 200 anos. Os fragmentos ocupam uma fração da área histórica. Projetos de conservação associados à pecuária extensiva e à produção de alimentos e artesanato têm mantido paisagens com butiás no estado.
O primeiro patrimônio cultural imaterial reconhecido no Rio Grande do Sul foi a produção e o manejo históricos da erva-mate, em junho deste ano. A planta é a base do chimarrão, uma bebida quente típica dos gaúchos.
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