Quem leu Colapso, do biólogo polímata Jared Diamond deve se lembrar do capítulo onde ele descreve como os recursos naturais da Austrália estão sendo minerados. Ou seja, explorados sem esperança de sustentabilidade e recomposição. Um destes recursos são as florestas formadas por eucaliptos gigantescos (alguns com mais de 100 metros de altura) e muito velhos que crescem na Tasmânia. Estes são transformados em chips de madeira, matéria-prima para produtos nobres como o papel higiênico.
Visitei a Tasmânia em 1995 e vi estas florestas impressionantes. Também descobri que, para encontrar o Diabo cara a cara (pelo menos a versão local, sim), empilhar alguns dos muitos bichos atropelados encontrados na estrada perto do lodge era muito mais eficiente que desenhar um pentagrama e recitar mambo-jambo. E testemunhei o tal do manejo sustentável das florestas locais, que incluía o uso do napalm após o corte raso para quebrar a dormência das sementes de eucalipto e incentivar a regeneração. Claro que leva alguns séculos para a capoeira local voltar a se parecer com as florestas com árvores maiores que edifícios que antes existiam, e a história toda era obviamente não sustentável.
Não pegaria bem um sujeito vindo de um país decidido a cremar a Amazônia e que faz o que faz com a Mata Atlântica dizer qualquer coisa sobre as florestas queimadas de outro país. Mas a experiência resultou em um duradouro pé atrás quando se trata de manejo sustentável de florestas.
Minerar florestas é uma tradição brasileira. Na década de 1960, enquanto alguns davam sangue (seu e de outros) para transformar o Brasil numa próspera Albânia ou pelo menos numa feliz Cuba, a indústria madeireira estava “gerando emprego e renda” nas florestas de imbuias, pinheiros e perobas no interior do Paraná e no oeste paulista. Parte desta onda se expandiu para o Oeste e, na década passada, acabou com as florestas do leste do Paraguai, fonte da imbuia da minha mesa de jantar, garimpada em uma loja de móveis usados.
Na década de 1970 a indústria estava forte no norte do Espírito Santo e entrando no sul da Bahia. Em 1973 mudei para São Vicente, no litoral paulista, e perto de casa havia uma serraria onde fiquei admirado com as imensas toras de madeira que o proprietário dizia virem de Itariri, em plena Mata Atlântica do vale do Ribeira. Na década de 1980, com o fim das matas capixabas, lembro das entrevistas dos madeireiros orgulhosos de terem “pó de serra nas veias” que já detonavam as matas baianas, para alarme de um incipiente movimento ambientalista.
Indiferente a preocupações quanto à sustentabilidade, a indústria madeireira no Brasil sempre se comportou como as hordas de hunos que avançavam pelos cacos do Império Romano, saqueando o que pudesse ser de valor e passando em seguida para a próxima fonte de lucro. Comportamento muito parecido, por sinal, com o da indústria pesqueira, e que parece ser comum a todas de caráter extrativo.
No último Dia do Meio Ambiente, que com o esquecimento federal sobre outros (e bem mais ameaçados) biomas deveria ter se chamado Dia da Amazônia, foi re-re-relançado (devo ter perdido a conta) o pacote de ações para a região de influência da rodovia Cuiabá-Santarém, com asfaltamento re-prometido para o próximo mandato presidencial. Um dos pilares deste menu requentado é um distrito florestal “sustentável” onde a atividade madeireira seria desenvolvida de maneira a conservar o recurso explorado e manter a biodiversidade.
Tenho aqui uma publicação que descreve como o manejo florestal sustentável acontece. Chama-se “Floresta para Sempre” e foi produzida pelo WWF, IMAZON e USAID, ou seja, seus autores têm as credencias de ONGs sérias. A idéia básica é determinar um mosaico de áreas que serão exploradas em um ciclo de corte de 30 anos, tomando-se todos os cuidados para danificar a estrutura da floresta o mínimo possível e mantendo-se matrizes para assegurar as árvores colhidas sejam repostas.
Esse modelo de exploração florestal tem sido implantado por empresas privadas e por associações de moradores de reservas extrativistas e assentamentos extrativistas. Comumente o tal de “manejo florestal sustentável comunitário” não obedece as regras do manual e se torna uma balela que produz florestas detonadas e semi-incendiadas iguais às de qualquer fronteira de colonização, como pude observar ao longo da BR- 156, no Amapá, e nas reservas extrativistas de Rondônia. Como o padrão de manejo da maioria destas áreas varia entre o casa-da-mãe-joana ou o me-engana-que-eu-gosto, duvido que este quadro vá mudar por mais que associações de moradores e governos jurem o contrário.
Estudo recente do mesmo IMAZON mostra que nas áreas onde os tais planos de manejo foram autorizados a obediência às regras de manejo é a exceção e, vistas do espaço, boa parte destas áreas está tão detonada quanto aquelas onde ocorre a exploração irregular.
Por outro lado, as empresas sérias que realmente realizam este tipo de manejo (porque o mercado as obriga), hoje abrigam alguns dos melhores remanescentes do Centro de Endemismo Belém, esta esquecida área a leste do rio Tocantins que é a ecorregião mais destruída da Amazônia e onde a única unidade de conservação, a Reserva Biológica do Gurupi, continua a ser celeremente detonada. Vou à região regularmente e sempre cruzo com os caminhões carregados de madeira chegando a Açailândia durante a madrugada (ornitólogos acordam mais cedo que a fiscalização).
O manejo realizado por empresas sérias devidamente fiscalizadas e certificadas sem sombra de dúvida constitui uma forma de uso da terra muito melhor que o padrão amazônico de utilizar recursos governamentais (FINOR, crédito rural, financiamentos do BASA, etc) para transformar floresta em pasto, com uso optativo de mão-de-obra escrava e amortização de custos pela venda da floresta transformada em carvão para as siderúrgicas do Maranhão e Pará.
É no quesito manter a biodiversidade que a coisa me incomoda. A exploração madeireira, mesmo a mais cuidadosa, altera a estrutura da floresta. Quem conhece as florestas amazônicas já percebeu que estas estão longe de ser homogêneas e boa parte das espécies, seja de árvores ou de bichos, tende a ocorrer “em manchas”. Isto faz com que 1 km2 aqui não seja igual a outro km2 ali, e seja complicado trocar um pelo outro. Por isso, manter populações viáveis da maior parte das espécies depende da existência de grandes áreas que mantenham um micro mosaico de habitats.
Uma coisa que a exploração madeireira faz, mesmo a de baixa intensidade, é alterar a estrutura da floresta, coisa óbvia tratando-se de atividade que remove as maiores árvores. Isto faz, por exemplo, com que algumas espécies de aves mais sensíveis (como vários papa-formigas e arapaçus de sub-bosque) se tornem raros ou mesmo desapareçam localmente, e leva a mudanças significativas da comunidade local. Um fenômeno interessante, que justifica formas oblíquas dos interessados minimizarem os impactos, é que a riqueza e diversidade de espécies pode se manter ou mesmo aumentar, já que bichos comuns, vindos de habitats abertos e bordas, colonizam as áreas exploradas.
Embora índices ecológicos reducionistas possam dizer que tudo está bem (“a riqueza e diversidade de espécies não se alteraram”), há mudanças importantes na composição (e qualidade) da comunidade. Em geral, aquelas espécies que gostaríamos de conservar se vão. Como diz meu antigo orientador de doutorado, Picassos (raros e únicos) são trocados por garrafas (pet) de coca-cola. O mesmo ocorre com outros grupos que já foram estudados, como aranhas e anfíbios (mas ninguém liga para as coitadas, exceto os aracnófilos e os simpatizantes das pererecas).
Um estudo muito interessante feito pelo IPAM e pela UFPA procurou avaliar os impactos do manejo sobre um leque de grupos (mamíferos, aves, formigas e aranhas), medidos seis meses após a colheita da madeira em três diferentes áreas no Pará, feita com o mínimo impacto possível. Os resultados publicados informam que não houve alterações nas comunidades de mamíferos, e as de invertebrados e aves mostraram aumento na riqueza (colonização por bichos de borda). Como a área explorada fica em meio a uma grande matriz de habitats não perturbados, isso possibilita que os bichos (maiores) tanto caiam fora das áreas exploradas, como sua recolonização após algum tempo.
Tudo parece muito bem, mas o diabo vive nos detalhes. Falando sobre o grupo com que trabalho, quando se examinam quais as aves que foram monitoradas estas incluem apenas 17 espécies de gaviões, inambus, araras, jacus, tucanos e outros bichos de maior porte, muitos deles frugívoros que vivem nas copas. Alguns são ótimos como indicadores de pressão de caça, mas não tão bons para avaliar os impactos da exploração madeireira. Isso acontece porquê são móveis e longevos demais para que sua população responda aos impactos de forma imediata.
Trabalhando em fragmentos florestais na região de Açailândia (MA) detonados com aprovação de “planos de manejo florestal”, já encontrei harpias, gaviões-pega-macaco, araras e outros daquele grupo que ainda sobrevivem, apesar do tiroteio dos caçadores e de uma fragmentação similar à do interior paulista. Sua presença, ou mesmo o fato dos índices de abundância se manterem estáveis ao longo de um ano ou dois, não quer dizer que aquelas matas estão bem. Basta olhar para as mesmas.
Estes bichos existem, por enquanto, porque pulam de fragmento em fragmento, mas como populações são mortos-vivos. Praticamente não há indivíduos jovens. Como têm vida longa, às vezes tanto quanto a nossa, eles irão lentamente desaparecer, de forma que mal perceberemos ao longo de um prazo que nenhum programa de monitoramento cobre. Usar aves de sub-bosque e anfíbios, que respondem de forma mais imediata, poderia ter produzido resultados bastante diferentes e fica minha sugestão para trabalhos futuros por quem mexe com a questão.
No entanto, concordo totalmente com a conclusão geral do trabalho: a exploração madeireira de baixo impacto conduzida por empresas que coíbem a caça, incêndios, etc é uma alternativa de uso do solo muito melhor para conservar a biodiversidade e serviços ambientais do que as outras que ocupam o espectro que vai das plantações de soja de Blairo Maggi à reserva extrativista-pecuária Chico Mendes.
Infelizmente estes impactos acessórios são raramente coibidos. A exploração madeireira em geral caminha lado a lado com a caça, seja de subsistência ou recreativa. Esta atividade por si só já pode ser uma completa catástrofe, e os impactos são ampliados nas áreas que sofrem exploração madeireira. Como regra, a caça não é cerceada e os bichos têm que lidar tanto com a motosserra quanto com a espingarda. O tiroteio é a rotina nos assentamentos “sustentáveis” do INCRA e nas reservas extrativistas de onde sai madeira “ecologicamente correta”. O resultado são as famosas florestas vazias. Quem emite selos-verdes para este pessoal deveria prestar mais atenção a este detalhe.
Mas, já que é preciso escolher, é melhor ter uma floresta meia-boca sem mutuns, macacos-aranha e árvores dignas de um A maiúsculo, do que um pasto. Este é o dilema do desenvolvimento da Amazônia que nossa sociedade se impôs e com o qual ameaça o resto do mundo.
Tratando de exploração madeireira “sustentável” (e não “mineração” de madeira) há outras complicações. A começar sobre o que é sustentável. Marc Dourojeanni já escreveu bastante sobre o assunto, mostrando que isso nunca deu muito certo em outras partes do mundo e podemos ser céticos quanto à sua aplicação por aqui, o país da avacalhação institucionalizada. Alguns trabalhos publicados nos últimos tempos me motivam a voltar ao assunto, pois pouca gente, inclusive entre os que definem as políticas ambientais, parece ter prestado atenção ao que eles dizem.
Um é especialmente interessante pois fez datações diretas da idade das árvores em três áreas próximas a Santarém, Manaus e Rio Branco. O trabalho também mediu o crescimento das árvores, pois a idéia era verificar quanta biomassa (e carbono) era acumulada ao longo do tempo.
Um dos achados mais intrigantes é que entre 17 e 50% das árvores com mais de 10 centímetros de diâmetro têm mais de 300 anos de idade, exemplares de maior porte ultrapassando os 700 anos. Traduzindo: aqueles m3 de madeira que queremos explorar em ciclos de corte de três décadas levaram alguns séculos para serem acumulados. O que levanta a questão se a taxa de crescimento das árvores (equivalente à taxa de juros de um investimento) é igual ou maior ao volume de madeira retirado (os saques feitos sobre o capital investido). Se matarmos as velhinhas, retirando mais do que a floresta produz, temos o colapso das populações exploradas e da atividade econômica.
Isso é bem conhecido de quem acompanha como os recursos pesqueiros do planeta estão sendo sistematicamente levados à extinção ecológica e comercial, quando não completa. A indústria madeireira e a minerária funcionam da mesma maneira.v Voltando às árvores, alguns pesquisadores construíram modelos para verificar a duração dos ciclos de corte que permitiria a recuperação dos talhões explorados. Vamos lembrar que a regra dos 30 anos foi proposta como uma norma geral, sem preocupação com qual espécie seria explorada. Da mesma forma que galinhas e búfalos têm taxas de crescimento, acúmulo de biomassa e demografia diferentes, o mesmo vale para árvores. Jatobás têm histórias de vida muito diferentes de sumaúmas.
Os planos de manejo florestal “sustentado” aprovados pelo IBama propõem regras que visam assegurar a viabilidade das populações exploradas. Primeiro, só árvores com um mínimo de 45 centímetros podem ser colhidas. Segundo, o volume extraído não pode ultrapassar 35 m3 por hectare. Terceiro, 10% das árvores de tamanho comercial devem ser poupadas para servir de matrizes. E quarto, espécies com densidades menores que cinco indivíduos de tamanho comercial por km2 não podem ser exploradas.
Um outro estudo feito pelo IMAZON avaliou se estas regras, se seguidas, assegurariam a sustentabilidade da exploração florestal de três espécies comerciais importantes: maçaranduba, jatobá e ipê-roxo. Os resultados mostram que, para as três espécies, o número de árvores disponíveis para corte 30 anos após a primeira colheita seria drasticamente menor que no primeiro corte. No caso do ipê, todas as árvores sobreviventes do primeiro corte teriam que ser poupadas no ciclo seguinte. Conclusão: ciclos de corte de 30 anos não são suficientes para que a atividade seja sustentável sob as condições acima.
O mesmo já foi constatado para outras espécies brasileiras por projetos como o Dendrogene. O projeto boliviano Bolfor também mostrou a tendência dos estoques serem rapidamente esgotados, mesmo nas áreas manejadas (veja o artigo de Putz et al.). Parece ser uma regra geral que 30 anos são insuficientes para repor os estoques se a exploração se guia pelas regras atuais. Isso pode ser mudado se, ao invés de colher 90% das árvores de tamanho adequado na primeira colheita, este percentual seja reduzido, como se faz para o mogno (80%). Ou se aumente o diâmetro mínimo de corte. Ou os ciclos de corte sejam ampliados para um século ou mais.
Moral da história: a madeira de florestas nativas pode ser explorada sustentavelmente apenas se a taxa de extração for muito baixa, o que implica que, no longo prazo, será viável apenas se o mercado pagar preços bastante elevados. É viável, se a exploração ilegal, ao inundar mercados com madeira barata, não prejudicasse quem trabalha de forma correta. Madeira de árvores com centenas (ou milhares) de anos deveria ser coisa cara, de boutique, e não matéria-prima de valor vil, como fazemos por aqui.
O futuro dirá se a política brasileira de manejo florestal levará a práticas realmente sustentáveis, embasadas em pesquisas sérias, ou se curvará aos interesses de curto prazo. Considerando os antecedentes históricos, mantenho meu ceticismo.
É curiosa a ênfase das políticas governamentais no extrativismo madeireiro. Não apenas por ser uma atividade fadada à extinção pelo esgotamento das populações biológicas exploradas, mas também pela mudança de fontes de matéria-prima. As florestas de países desenvolvidos com clima temperado já abastecem 70% do mercado mundial, ao mesmo tempo que têm experimentado aumento na sua área nas últimas décadas.
Como Marcos Sá Correa já escreveu neste espaço, floresta em expansão é coisa de rico. Prevê-se para 2050 uma queda de 42% no comércio de madeira nativa de origem tropical devido ao colapso das populações exploradas (as de árvores) e custos crescentes. Com as imensas áreas detonadas próximas a centros como São Paulo, Belo Horizonte, Rio e Recife, há uma irracionalidade aparente em incentivar o extrativismo nos cafundós ainda conservados da Amazônia, e não o plantio (e cadeias produtivas associadas) em áreas degradadas próximas aos centros consumidores.
A ênfase no extrativismo fez surgir a privatização de terras públicas na Amazônia, a serem cedidas para empresas madeireiras, idéia ironicamente vinda de um governo eleito com forte discurso anti-privatização. Já que o negócio é privatizar e entregar florestas de domínio da União para entidades privadas que, em última análise, vão causar estragos, mesmo que só um pouquinho (na filosofia malufiana do “estupra mas não mata”), por que pelo menos não abrir a possibilidade de privatizações com objetivo de conservar a floresta?
Seria uma excelente idéia entregar áreas, mediante pagamento, a entidades nacionais, estrangeiras e transnacionais que queiram conservá-las, como se dispõem alguns mecenas estrangeiros e, dizem os boatos, foi sugerido pelo governo britânico. Afinal, por que podemos entregar áreas públicas para serem detonadas, mas não para a conservação? Tenho a firme convicção que estas áreas seriam muito melhor protegidas e manejadas que as pobres UCs geridas pelo cada vez mais desfalcado Ibama.
A questão não envolve apenas as boquinhas que o negócio de concessões irá render aos intermediários e facilitadores. Afinal, segundo a Transparência Internacional, somos o país mais corrupto da América Latina. É que, como o apoio ao extrativismo clássico, a extração de madeira é mais uma tentativa para retardar o inevitável êxodo das populações rurais para as cidades amazônicas, que já comportam mais de ¾ da população regional, mas com mais de 80% de seu crescimento urbano correspondendo a áreas favelizadas. Dentro deste quadro complicado e irreversível, há quem pense que qualquer coisa que evite que mais gente vá para as cidades é algo positivo, especialmente se o grosso do custo sobrar para a natureza e for possível faturar algum dividendo político e, especialmente, financeiro.
Eu acredito, e não estou só, populações concentradas em cidades é ótimo para a natureza, pois permite que esta volte a ocupar espaços e a produzir serviços ambientais como o seqüestro de carbono. O problema real é como fazer a gestão demográfica e econômica de cidades onde a maior parte da população não tem a menor condição de ser integrada à economia formal porque, ao contrário dos países que hoje combinam crescimento econômico com bons indicadores sociais, lá atrás não se pensou nem em escola decente (incluindo aqui valores éticos), nem em tornar o planejamento familiar realmente acessível. Coisas que tornaram países sem grandes recursos naturais os campeões do IDH. Coisas que continuam lá atrás na fila de prioridades dos iluminados que nos governam.
Atrelado a isso está a filosofia de que as áreas naturais devem pagar para continuarem existindo. É uma das coisas mais estúpidas que já foram incorporadas nas políticas públicas. Nós é que devemos pagar para que continuem existindo, pois sem áreas naturais viveríamos um colapso. Basta olhar os exemplos da História.
Devemos lembrar que o desmatamento não apenas depende de commodities sob controle estatal (óleo diesel e eletricidade) como, o mais importante, é alimentado por incentivos governamentais bancados com dinheiro do contribuinte sob a forma de crédito agrícola, financiamento de “projetos de desenvolvimento”, abertura de estradas, projetos de reforma agrária, além da corrupção em órgãos que fomentam a grilagem e o comércio ilegal de madeira. Se o governo parasse de pagar por isso, teríamos índices de desmatamento algumas ordens de magnitude menores, ou zerados.
Falando apenas da floresta amazônica, um sistema que gera entre 25 e 50% da água que cai como chuvas no sudeste do Brasil deveria ser conservado a qualquer custo, e não tratado como mísera fonte de madeira e lugar para abrir pasto para o gado de carne dura ali produzido. Como morador de São Paulo (o estado que, com 20,3% da população do país, arrecada 40% dos tributos que vão para a União), acredito ser uma aberração subsidiarmos os FINAMs, FNOs, BASAs & cia que estão bancando o fim da água que bebemos e são pilares de nossa economia. Por aqui preferiríamos pagar pela conservação da floresta, e não subsidiar a concentração de renda que a destrói.
Ao invés de continuar minerando florestas, culpando o meio ambiente por atravancar o “progresso” e a manter sistemas econômicos que datam do período colonial, faria mais sentido combater a pobreza atacando as razões que fazem o Brasil ter o pior desempenho escolar entre todos os países avaliados no PISA (em lugares civilizados isto derrubaria governos, mas aqui mal sai no jornal) e as mulheres com a menor renda terem uma média de 4,6 filhos, contra 1,1 das que ganham cinco ou mais salários mínimos. Um raramente mencionado (por politicamente incorreto) fator de expansão da miséria e violência.
É sempre mais fácil queimar os recursos naturais, o que explica uma Amazônia que já tem uma área equivalente à França (quase 60 milhões de habitantes) transformada em pastagens, cultivos e muita, mas muita área abandonada, para sustentar pouco mais de 20 milhões de pessoas com uma distribuição de renda acintosa e um PIB per capita que não justifica tanta destruição.
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Fábio expõe um amplo e determinante conjunto de fragilidades mesmo nos procedimentos de manejo florestal de áreas nativas considerados aqueles mais avançados. E esse seu ensaio permite concluir que as decisões para se viabilizar algum tipo de exploração econômica no Brasil, e em boa parte do mundo, não precisam de garantias, nem de coerência. Até hoje, ainda basta a formalização de práticas com o cognome "sustentável" para amansar e calar os radicais conservacionistas que querem impedir o desenvolvimento e matar a todos de fome.