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Manejo da fauna II

O manejo de animais e a caça não são inconciliáveis. Mas é preciso conhecer as diversas modalidades possíveis, e os efeitos de cada uma para a sustentabilidade.

8 de abril de 2005 · 20 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Na coluna desta semana, vamos abordar o tema do manejo da fauna sob os aspectos da garantia do seu aproveitamento sustentável e de como se diferencia da caça. Ela é o ápice das atividades quando faz parte do plano de manejo, mas realizada sem preparação é simplesmente depredação. As técnicas de manejo da fauna podem ser agrupadas em três grupos: extensivas, intensivas e super intensivas ou em zôo-criadouros. No entanto, existe um contínuo de alternativas entre eles.

O manejo extensivo inclui técnicas sem manipulação do animal nem da biocenose. Porém, trata-se de um manejo de baixíssimo impacto no ecossistema e na espécie em questão. Muitos povos primitivos e os indígenas aplicam essas técnicas, sendo que a mais conhecida e praticada é a rotação de campos de caça. Uma área delimitada ou delimitável no terreno é usada para caçar uma ou várias espécies até seu esgotamento. Então, a caça é exercida em outra área, ficando a anterior em repouso absoluto (seu uso é vedado) durante um lapso de tempo suficiente para permitir a recuperação da população da fauna. Trata-se do mesmo princípio que se aplica ao manejo florestal extensivo, em florestas naturais.

Assim, manejo extensivo é o realizado por muitos serviços florestais modernos, quando fixam cotas de caça com base nas estatísticas da atividade (número de presas por lapsos de tempo e áreas determinadas), de exportação de animais selvagens vivos, de seus produtos ou através de outorga de licenças. O princípio é de que se o número de exemplares coletados se mantém uniforme ou aumenta a cada ano, a extração nessa área não excede o potencial biótico da espécie. A estratégia para a obtenção do rendimento máximo sustentável consiste em experimentar diferentes taxas de coleta e observar em qual delas acontece o maior incremento populacional após o desfrute. Se o número de exemplares coletados ou a população da espécie diminuem deve haver excesso de exploração e as cotas de extração precisarão ser reduzidas até o restabelecimento do equilíbrio.

O manejo intensivo é aquele em que são feitas intervenções diretas sobre a espécie e sobre seus fatores limitantes no ecossistema. Nele, é preciso medir a população da espécie manejada e a de seus depredadores, assim como identificar o fator limitante para o crescimento da população. Em muitos casos, o manejo intensivo implica em fazer crescer a população da espécie a ser aproveitada muito além do que seria sua população natural. Para isso, reduzem-se as populações de seus inimigos naturais (depredadores, competidores) e eliminam-se seus depredadores artificiais (por exemplo, cachorros e gatos domésticos), estimula-se ou aprimora-se a oferta natural de alimentos (por exemplo, disseminando as plantas nativas, fertilizando as pradarias, colocando sal mineral), aumenta-se a oferta de água durante os períodos de seca, constroem-se locais apropriados para a nidificação, controlam-se parasitas externos e até enfermidades. No manejo intensivo o ecossistema não deixa de ser natural, ainda que alguns de seus processos sejam alterados num grau ou noutro.

Em ambientes naturais, o aspecto chave é o censo das populações manejadas. Esta é, possivelmente, a fase mais laboriosa e complexa do manejo. Para fazer censos ou estimativas da população da fauna existem as mais diversas metodologias, que, de uma maneira geral, se agrupam em métodos diretos e indiretos. Os primeiros podem ser por contagem de toda a população ou, mais freqüentemente, levantamentos parciais. Existem quase tantas opções de censos ou estimativas de população como espécies de animais e ambientes. Cada caso é um caso. Países muito adiantados em manejo de fauna conseguem, rotineiramente, uma precisão elevada nos censos ou estimativas da população das principais espécies manejadas.

O manejo super intensivo, mais conhecido no Brasil como criadouros de fauna (ou zôo-criadouros) difere dos anteriores essencialmente porque não se realiza em ambientes que possam ser considerados naturais. Ocorre em locais confinados, semi-naturais ou totalmente artificiais, onde a maior parte ou todos os fatores ambientais são controlados, tanto ou mais do que em uma exploração pecuária. Por sinal, o criadouro só é diferente da pecuária porque os animais não são domesticados. Embora sejam por vezes amansados, eles continuam sendo tecnicamente selvagens. Os animais domesticados se reproduzem com grande facilidade em cativeiro, o que não é sempre o caso dos animais selvagens. Por isso, o aspecto mais complexo dos criadouros é, para muitas espécies, a reprodução.

Este gargalo, aliás, é bem conhecido nos zoológicos. No mundo e no Brasil, o manejo super intensivo tem sido freqüentemente aplicado para répteis (como no caso do jacaré), para aves diversas (como faisão e codorna) e também para mamíferos (como o javali, a capivara e a paca). No Brasil, em conseqüência das severas limitações existentes para a caça esportiva e a caça comercial, a criação virou quase a única opção de manejo.

O manejo da fauna pode ser aplicado em escala nacional, estadual, municipal ou em nível de uma unidade ainda menor como reserva de fauna, área de caça ou propriedade particular. Em geral, para que o manejo seja intensivo, é preciso estar em unidades geográficas menores, onde se pode exercer melhor controle sobre os fatores do meio ambiente.

Manejar a fauna – seja de modo extensivo ou intensivo – implica respeito às normas (que devem estar baseadas em sólidos princípios científicos) e às instruções de caça para cada espécie e cada localidade, além de períodos ou temporadas, tipo de armas e de munições, modalidades de caça ou captura, cotas de abate de machos, fêmeas ou ambos em cada localidade, reporte fidedigno dos animais abatidos e de suas características, etc. Além disso, o manejo da fauna requer obediência a regras éticas, como o abate de animais feridos, a denúncia de práticas de caça ilegais ou de caçadores furtivos, o respeito às espécies proibidas por serem raras ou em processo de extinção e a adoção de medidas de segurança muito severas para evitar acidentes.

Em princípio, tudo isso depende da obtenção prévia de licenças de caça, da autoridade ambiental e – no caso do porte de armas de caça – da polícia. As licenças devem ser precedidas da confirmação dos conhecimentos e da capacidade do candidato. Evidentemente, o manejo tem um custo que pode até ser elevado no caso de espécies raras ou de formas intensivas de manejo e, por isso, as de caça raramente são gratuitas. O preço depende principalmente das espécies alvos, embora varie de localidade para localidade em função de diversos fatores, em especial da abundância relativa da espécie. O preço da licença deve cobrir os custos do manejo (preparação e aplicação dos planos de manejo, administração, controle) e o pagamento à sociedade do valor dos animais abatidos ou capturados. Este último responde ao fato de que, na maioria dos países, a fauna é considerada um bem público e, portanto, o caçador deve ressarcir ao resto da população pelo que tirou para beneficio próprio.

A caça não necessariamente é fruto do manejo e, na realidade da América Latina, raramente é baseada no manejo da fauna. Quando a caça é uma atividade alheia ao manejo ela freqüentemente resulta em depredação, provocando a redução das populações até níveis que colocam-na em risco de extinção.

A caça é classificada da seguinte forma na maior parte dos países americanos: caça de sobrevivência (ou com a finalidade de alimentar a família ou o grupo), caça comercial ou profissional (feita com o propósito de comercializar ou industrializar produtos da fauna, como peles, lã, couros, penas, carne, etc.), caça amadora (realizada com fins esportivos ou por tradição), caça científica (colheita de espécimes para a sua identificação ou para outros objetivos relacionados) e caça sanitária ou profilática (para controlar espécies que alcançam o status de pragas, consideradas perigosas ou que dispersam pestes).

Historicamente, a caça com finalidade comercial é a que provocou os maiores impactos negativos na fauna. Desde a caça das baleias, focas e tartarugas até a caça de vicunhas, onças e rinocerontes, são centenas os casos de animais quase extintos pelos caçadores profissionais em todos os continentes. O jacaré e a ariranha do Pantanal foram praticamente eliminados de seu hábitat até que, finalmente, a proibição de caça foi severamente implementada. Hoje, suas populações estão recuperadas. A fauna selvagem tem um grande potencial de recuperação e são vários os casos em que foi possível restaurar parcialmente as populações de animais quase desaparecidos, como no caso do bisonte americano, da vicunha ou do condor norte americano. Mas também são numerosos os casos em que foram provocadas extinções definitivas ou os casos em que a população remanescente não permite ter esperança. A captura de animais vivos, que freqüentemente aprisiona animais menores, pode ser tão ou mais prejudicial do que a caça que implica morte imediata do animal. Trata-se de uma forma de caça menos visível, embora pior, pois necessita de muitos animais e registra mortandade extrema (80% ou mais em muitos casos) antes que o exemplar chegue às mãos do comprador.

Outra forma de caça bastante prejudicial às populações animais é aquela feita para sobrevivência, em especial se não está baseada em pelo menos uma rotação de campos de caça, como os índios praticam quando o âmbito da terra permite. A caça para sobrevivência freqüentemente disfarça caça comercial — como é geralmente o caso da caça pelas populações tradicionais florestais que vendem “carne do mato” a outras famílias, diretamente ou através dos regatões nos rios, que, por sua vez, também compram peles e couros. Diversos estudos comprovaram a eliminação quase total da fauna nas proximidades das vilas da Amazônia, após poucos anos de presença humana.

A caça amadora, como qualquer outra forma de caça, também pode ter conseqüências negativas para a fauna, se não é enquadrada na aplicação rigorosa do manejo de fauna selvagem. Mesmo assim, são menos freqüentes e menos graves os casos registrados de problemas ocasionados por essa forma de caça. De outra parte, é preciso diferenciar a verdadeira caça amadora (que respeita as regras) daquela que, sob um disfarce esportivo, é simplesmente massacre de animais.

Na próxima coluna vamos discutir as potencialidades econômicas do manejo da fauna e seus riscos.

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