Há muitos anos, quando eu ainda era um estudante de graduação cheio de expectativas, o amigo Paulo Oliveira me alertou sobre os professores de javanês do meio ambiente…
O conto “O homem que sabia javanês”, de autoria de Lima Barreto, é bem conhecido. Um sujeito desempregado, procurando ofertas de trabalho no jornal, se depara com um anúncio curioso, onde se procuram professores de Javanês. Vai passando o tempo, as contas vão se acumulando, o emprego não aparece, mas o anúncio continua lá… O sujeito então decide decorar algumas palavras de javanês em um dicionário, se candidata e consegue o emprego. A mensagem é bem clara. Onde ninguém sabe javanês, qualquer um pode se dizer entendido.
A formação de um Ecólogo é demorada. Ao contrário do que muitos imaginam, a Ecologia é uma ciência poderosa, com grande carga de leitura, modelagem computacional, estatística e matemática. Por isso, a Ecologia possui poder preditivo e uma ampla capacidade explicativa do mundo natural. E isso não é por acaso. Sistemas ecológicos são extremamente elaborados. Os diferentes compartimentos estão conectados por mecanismos elaborados de troca de matéria e energia e o grande número de variáveis envolvidas torna o entendimento e o manejo do mundo natural uma tarefa complexa.
No entanto, grande parte da sociedade é analfabeta no que se refere à Ecologia, dando ao termo os entendimentos mais díspares. Por conta disso, pululam “especialistas” das mais variadas origens, características e interesses. E de muitos interesses, é claro. Como o “herói” do conto de Lima Barreto, decoram termos que soam bonito, como “sustentabilidade”, “equilíbrio ecológico”, “desenvolvimento sustentável”, “estudos de impacto ambiental”, “estrada parque” e por aí vai, mas nem entendem efetivamente do que estão falando… Aos ouvidos de uma sociedade ingênua, tais termos soam lindos… Aos ouvidos dos interessados no mau feito, soam como o barulho das moedas de prata que caem nas mãos dos Judas que entregam a natureza para a sua crucificação pelos interesses escusos.
Outro dia, ouvindo uma entrevista do Relator do Projeto, Deputado Nelson Padovani, do PSC/PR e relator do Projeto de Lei 7123/10, que institui a “Estrada-Parque Caminho do Colono”, de autoria do Deputado Assis do Couto (PT/PR), me lembrei imediatamente do conto do Professor de Javanês… Uma série de termos decorados, manjados, jogados de forma aleatória, para iludir uma sociedade com pouco conhecimento sobre o que é realmente ecologia e para maquiar o único interesse que é fragmentar de forma definitiva um dos mais importantes patrimônios ambientais do planeta.
Na Sessão da Câmara onde o PL 7123/10 foi aprovado, me chamou a atenção o discurso do Deputado Alfredo Kaefer (PSDB/PR), afirmando que o grande desafio futuro da humanidade será o equilíbrio entre desenvolvimento e meio ambiente. Excelente afirmação. No entanto, o equilíbrio que se busca pelos interesses desenvolvimentistas arranjados é desviado. Visa alterar a legislação ambiental (no caso, a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, para enfiar uma categoria de “unidade de conservação” tresloucada), visa rasgar o Parque Nacional do Iguaçu, reconhecido internacionalmente e extremamente lucrativo, justamente em sua zona mais preciosa, visa atropelar qualquer senso de valor que o patrimônio natural do Brasil possui.
Para mim, equilíbrio significa outra coisa. O Brasil é um país rico, vastíssimo e com condições de atender a diversos interesses. Não é compreensível que um país como o Brasil seja incapaz de proteger seu patrimônio biológico. Não é aceitável que uma estrada que visa tão somente atender a interesses locais se sobrepunha a uma das jóias da natureza mundial. Concordo que em um país democrático é imprescindível equilibrar interesses. Só que o equilíbrio visado pelos setores “desenvolvimentistas” é unilateral: descaracterizar a legislação ambiental para permitir que seus interesses sejam atendidos, custe o que custar. Para mim, não pode haver melhor exemplo de desequilíbrio.
A estrada entre Capanema e Serranópolis do Iguaçu possui pouco mais de 180 km ou pouco mais que duas horas de carro. Uma distância muito pequena para justificar o tamanho do estrago ambiental. O rasgo da Estrada do Colono iria reduzir a viagem pela metade. Vejo centenas de pessoas que viajam distâncias muito maiores todos os dias, sem culparem um Parque Nacional pela infelicidade de terem que viajar. É evidente que o rasgo do colono é apenas mais uma das desculpas putativas, que visam o “bem estar social”, cujo único objetivo é fragilizar as poucas garantias ambientais dadas pela legislação.
A ignorância da sociedade em geral sobre o que a Biologia da Conservação ensina é uma bênção para os setores “desenvolvimentistas”. A ignorância sobre a raridade, a fragilidade, o funcionamento e a história das nossas poucas conquistas ambientais é a maior fonte de nossas anunciadas tragédias ambientais. Em um país onde um atalho vale mais que um Parque Nacional, onde a desinformação vale mais do que o conhecimento, só podemos esperar que o empobrecimento cultural, ecológico e dos valores elevados pontuem a nossa história.
Nada mais somos que uma sociedade iludida, mal informada e governada por um número enorme de professores de javanês, como poucas vezes se viu na história.
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