Reportagens

Não tema o crescimento, ele não é mais o inimigo do planeta

Por séculos, o aumento do PIB caminhou de mãos dadas com a queima de combustíveis fósseis. Mas, agora, a tecnologia quebrou essa ligação.

Chris Huhne ·
28 de agosto de 2014 · 10 anos atrás
The Guardian Environment Network
Artigos da rede que reúne os melhores sites ambientais do mundo, selecionados pelo diário inglês The Guardian.

Economia do Reino Unido dobrou desde 1985, mas o consumo de energia total continuou o mesmo. Illustração: Andrzej Krauze
Economia do Reino Unido dobrou desde 1985, mas o consumo de energia total continuou o mesmo. Illustração: Andrzej Krauze

Até agora a história de prosperidade humana tem se resumido a energia barata e abundante. No entanto, há algo grande acontecendo. Pela primeira vez na história, estamos ficando mais ricos, enquanto usando menos energia. Isso é uma excelente notícia para os orçamentos, a renda das pessoas e o planeta. Chegamos a um ponto de inflexão tecnológica.

Desde a Idade Média, os padrões de vida subiram a passo de tartaruga, e fizemos poucos danos ao planeta, porque as florestas que cresciam compensavam o carbono da queima de madeira. A população era pequena. Nós levávamos vidas que eram, na expressão de Hobbes, “duras, brutas e curtas”. Então, nós começamos a queimar carvão em larga escala no século 18, e a Revolução Industrial fez o gráfico ficar parecido com um taco de hóquei: de repente, a renda dobrava em décadas, após séculos de estabilidade. Depois de ajustar à inflação, o PIB real na Inglaterra e no País de Gales dobrou de 1830 a 1864, mais uma vez em 1898, e de novo em 1951, apesar de duas guerras mundiais.

O produto interno bruto é uma medida de atividade, não de bem-estar. Mas há uma abundância de evidências de progresso real. Se a vida é melhor do que a morte, este surto de crescimento foi uma boa notícia. A expectativa de vida masculina ao nascer na Inglaterra e País de Gales em 1841 era de apenas 40 anos. Em 1950, chegou a 66. Os últimos dados, de 2012, mostram agora 79 anos para homens e 83 para as mulheres.

Esta prosperidade e bem-estar sem precedentes foram de forma inextrincável ligadas à queima de combustíveis fósseis e, portanto, ao início de emissões de carbono e o aquecimento global. E agora as pagamos com o aumento constante do estoque de carbono e das temperaturas em comparação aos níveis pré-industriais.

É por isso que tantos pensadores verdes com justiça têm desconfiado do crescimento econômico: a curva do aumento dos padrões de vida foi seguida pela curva de aumento do uso de energia a partir do carvão, petróleo e gás. A resposta simples é puritanismo verde: mudar o nosso estilo de vida. Parar de consumir mais. Parar o crescimento – e, portanto, parar a poluição.

A boa notícia é que podemos vislumbrar, cada vez mais, um futuro onde a tecnologia faz a maior parte da mudança por nós. Os leitores do sumário de estatísticas de energia do Reino Unido encontrará uma tabela extraordinária na nova edição: a ligação de dois séculos entre crescimento e energia se partiu. A economia do Reino Unido duplicou em termos reais desde 1985, mas o consumo total de energia é exatamente o mesmo daquele ano. De fato, o consumo de energia diminuiu desde 1970, enquanto a economia quase triplicou de tamanho.

Claro, a indústria é uma grande consumidora de energia, e uma grande porção da indústria pesada migrou para a China e outras partes do mundo que oferecem mão de obra barata. Uso de energia e emissões de carbono globais estão subindo por causa do crescimento da população e da renda, mas a tendência de economia de energia é visível mesmo em países em desenvolvimento. O PIB global por unidade de energia é 35% maior do que era em 1990.

O que está acontecendo? Os carros são muito mais eficientes, apesar de maiores. Hoje, um bom carro sub-compacto percorre mais de 30 quilômetros por litro de combustível, enquanto os mais eficientes, em 1965, faziam cerca de18 km por litro. Com veículos híbridos e totalmente elétricos, há mais economia de combustível a caminho. Também estamos usando mais os trens: trens elétricos funcionam melhor do que os a diesel. Quase dois terços das nossas contas de energia decorrem do aquecimento das casas, e as nossas caldeiras se tornaram melhores, assim como o isolamento térmico das construções: Estimativas recentes dizem que as novas caldeiras são 39% mais econômicas do que os modelos antigos e pesados. Para uma casa geminada britânica típica, isso significa uma economia de 460 libras por ano (cerca de R$1.700). Nossos utensílios domésticos usam bem menos eletricidade do que antes. Uma geladeira com freezer agora usa metade da eletricidade do que um modelo de tamanho semelhante há 20 anos.

E este processo não está perdendo velocidade. O custo da iluminação está despencando. Um díodo emissor de luz (LED) produz a mesma quantidade do que uma lâmpada incandescente à la Edison, com uma economia no uso da eletricidade de 93% (e já existem versões com dimmers). Uma empresa que movimenta três turnos de armazém por dia – e, portanto, usa uma grande quantidade de energia – contou-me que recentemente se reequipou com LEDs, e o investimento se pagou em pouco mais de um ano.

Mais barato

Parte disso é uma simples resposta a incentivos de mercado. Petróleo no final dos anos 60 custava 3 dólares por barril. E hoje custa 103 dólares. Não surpreende que o aumento dos custos de energia incentivou a adoção de novas tecnologias poupadoras e a substituição gradativa das anteriores. A política do governo também ajudou. Normas de emissão de veículos da Califórnia impulsionaram os veículos eléctricos, criando um mercado para a Tesla, e que a União Europeia e os EUA impuseram duras normas para eletrodomésticos.

As empresas são obrigadas a serem as primeiras a adotar tecnologias que poupadoras, pois os varejistas e firmas de distribuição costumam gastar fortunas com contas de energia. Elas estão acostumadas a avaliar investimentos e retornos, enquanto os chefes de família costumam desanimar frente aos custos iniciais altos, mesmo com o retorno rápido. E as famílias mais pobres não têm recursos para isso. Por isso é tão crucial que o governo incentive a economia de energia doméstica.

É também por isso que uma das decisões mais míopes deste governo foi reduzir para a metade o apoio à economia de energia através do Eco subsídio, e neste verão acabar com o sistema de reembolsos para energia verde, simplesmente por que o programa foi bem-sucedido demais. O orçamento de 120 milhões de libras para cobrir o período até a próxima primavera acabou em seis semanas.

Andrew Warren, da Associação para a Conservação de Energia, diz que, comparado a 2012, caiu em 7.000 o número de pessoas empregadas em tornar nossas casas mais eficientes no uso de energia. Inevitável, isto irá retardar a implantação de medidas de economia e irá aumentar as nossas contas de luz no futuro, em comparação ao que poderiam ser. Também tornará a tarefa de reduzir as emissões de carbono mais difícil e cara: claro, a forma mais barata de conter a produção de carbono é não consumir energia. Qualquer alternativa de produção de energia é mais cara, sejam energias renováveis, combustíveis fósseis, nuclear, ou fósseis com recaptura do carbono emitido.

Más políticas e uma visão crônica de curto prazo das finanças públicas são uma vergonha. Mas o quadro geral é claro e otimista. Poupar energia está funcionando. O crescimento verde faz sentido, e está acontecendo. Há um futuro que preserve os ganhos da industrialização sem suas perdas decorrentes da poluição. Os nossos padrões de vida estão subindo, enquanto o nosso consumo de energia não.

 

*Esse artigo é publicado em parceria com a Guardian Environment Network, da qual ((o))eco faz parte. A versão original (em inglês) foi publicada no site do Guardian. Tradução de Eduardo Pegurier

 

 

Leia também

Brasil possui um pré-sal de energia solar
País perde 20% de energia nas linhas de transmissão
Energia eólica entra em choque com a conservação na Bahia

 

 

Leia também

Reportagens
17 de dezembro de 2024

Governo lança plano de rastreio individual na pecuária, com foco apenas sanitário

Identificação individual será obrigatória para todo rebanho de bovinos e bubalinos a partir de 2032. Pressão de mercados importadores impulsionou iniciativa

Análises
17 de dezembro de 2024

A curiosa história da doninha africana que, na verdade, é brasileira

Muito além da confusão pelo seu nome, a doninha-amazônica é notória por ser o mamífero predador mais misterioso do Brasil

Reportagens
17 de dezembro de 2024

Associações e cooperativas lutam para manter extrativistas na Resex Chico Mendes

Invasões e produção de gado ameaçam reserva extrativista, uma das mais desmatadas da Amazônia. Manter o modo de vida do seringueiro atrativo é grande desafio

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 1

  1. Denis diz:

    Incrível esse texto! Estou surpresa em como o isolante térmico está sempre presente no dia a dia.