Uma das atividades previstas para esta campanha de captura de lobos-guará na região da Serra da Canastra é a colocação de radio-colar com GPS e dispositivo de comunicação com um sistema de satélites. Um equipamento de alta tecnologia que permite que o animal seja acompanhado à distância, por meio de sinais que são enviados periodicamente. Desta forma é possível saber, entre outras informações, qual é a área em que vive aquele lobo, sobreposição desta área sobre a de um possível parceiro para reprodução, comportamento social e parental, proximidade ou presença em propriedades rurais, etc.
A utilização de rádio-colar é uma prática antiga nos meios científicos, e tem trazido, ao longo de décadas, informações primordiais para uma melhor compreensão sobre ecologia e comportamento de diversas espécies da fauna silvestre mundial, desde elefantes africanos a pequenas aves migratórias. E tais informações não se limitam apenas ao conhecimento restrito acadêmico; muitas delas são aplicadas justamente para contextualizar as intricadas relações biológicas entre as espécies e definir, por exemplo, áreas para formação de Unidades de Conservação.
Aqui na Serra da Canastra os trabalhos com lobos-guará começaram em 1978, com James Dietz. Foi justamente a prática de colocação de radio-colar que trouxe grandes avanços nos estudos sobre habitats, tolerância de áreas alteradas pelo homem, estudos epidemiológicos e transmissão de doenças aos lobos por contato com animais domésticos, entre outros parâmetros de pesquisa.
Ao contrário de que muitos leigos possam erroneamente afirmar, os trabalhos realizados desde 2000 por Rogerio Cunha e uma série de outros pesquisadores de diversas áreas aumentaram exponencialmente o conhecimento biológico e sobre a saúde do lobo-guará. Existem protocolos bem definidos e pode-se dizer que o conhecimento adquirido em 13 anos de pesquisa na Canastra possibilitaram a produção de trabalhos importantes, entre eles o Plano de Ação para Conservação do Lobo-Guará (PHVA), que se tornou a base para que novos programas de conservação surgissem em diversas regiões do Brasil e outros países da América do Sul.
Argumentos anticientíficos
“O colar usado nos lobos da Canastra é feito de material leve, sintético, hipoalergênico. Não provoca feridas, nem desgaste na pelagem do pescoço.”
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Nos últimos anos, um movimento sem fundamentação técnico-científica tem causado polêmicas incabíveis ao questionar o uso de rádio-colares em animais silvestres. Tais argumentos mostram a grande falta de conhecimento sobre o tema e infelizmente têm feito muita gente se opor a um procedimento de pesquisa que existe há mais de 50 anos. Nesse tempo, só houve melhorias visando o bem-estar animal e reduzindo riscos à sua saúde. E então vai uma pergunta: o que é mais prejudicial a um animal: um radio-colar cujo peso não ultrapassa 3% de seu peso corpóreo (e na grande maioria das vezes é bem inferior a isso), ou a ignorância sobre ele e os riscos à sua sobrevivência, como cruzar uma estrada cujo fim provavelmente não será o outro lado?
Ser sedado uma única vez para coleta de sangue que embasa pesquisas, ou ter contato com animais domésticos que provavelmente transmitirão doenças desconhecidas no meio silvestre? Ser monitorado à distância para descobrir sua área de vida, ou ser abatido por adentrar em uma propriedade rural, mesmo que as pessoas saibam que um bicho não entende nada sobre cercas e divisas?
O colar usado nos lobos da Canastra é feito de material leve, sintético, hipoalergênico. Não provoca feridas, nem desgaste na pelagem do pescoço. O animal não tem seus padrões comportamentais (de vida, alimentação, reprodução), afetados pelo equipamento que perdura em seu pescoço durante poucos anos. E o que não falta nesta equipe é experiência de sobra no assunto. A conta é de 59 animais acompanhados pelo método desde 2004. E justamente porque ao longo do tempo os objetivos foram sendo atendidos, o número de animais capturados e aparelhados diminuiu consideravelmente desde então.
Em 2004, foram 12 lobos marcados com rádio-colar. Já em 2011 apenas dois. Um único animal em 2012 e neste ano apenas um animal recebeu colar na primeira expedição, em março. Isto sem contar que na mesma campanha um lobo foi recapturado e teve seu colar retirado. Aliás, esforços de recaptura e retirada dos colares antigos são realizados ano a ano.
Nesta campanha que compartilho com vocês, dois lobos já foram capturados, mas nenhum deles recebeu o aparelho. Tudo é feito com planejamento e critério.
Nenhum se feriu nos procedimentos de captura, tampouco pela utilização do colar. Atualmente, os aparelhos possuem um dispositivo que solta o colar automaticamente após um período pré-programado. Aqui, o projeto definiu um tempo de no máximo 12 meses para soltura.
Enfim, aparelhar um animal silvestre é invasivo? Talvez, mas é uma medida essencial para as pesquisas do lobo-guará e outros animais. É a ponte para o sucesso da conservação. Os problemas verdadeiros são a invasão do homem sobre áreas originalmente nativas, o seu distanciamento a uma forma equilibrada de convívio com o meio ambiente, sua intolerância e seu apego a crendices.
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*Matéria atualizada em 28/06/2013, às 16h31.
Dia 01 – Captura e soltura, as duas pontas do fio do conhecimento
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