O Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE), uma das maiores ONGs ambientais do Brasil, bem que tentou desenvolver seus trabalhos na Estação do Mico-Leão-Preto (ESEC). O que conseguiu foi um chá-de-cadeira da gestão da unidade, que demorou mais de seis meses – metade do tempo da licença de pesquisa – para aprovar sua entrada na área. Durante este tempo, quatro projetos ficaram na gaveta da gestora do parque, Miriam Paron, até que, nas últimas semanas, ela resolveu aprovar a entrada dos pesquisadores na Unidade. Até então, a autorização foi dada somente para dois dos quatro trabalhos.
A Estação Ecológica do Mico-Leão-Preto está localizada no Pontal do Paranapanema, oeste do Estado de São Paulo. Foi criada em julho de 2002, teve seus limites alterados em 2004 e hoje abrange uma área aproximada de 6,8 mil hectares, distribuídos entre os quatro maiores fragmentos florestais de Mata Atlântica da região. É lá que moram várias espécies ameaçadas, como a onça-pintada, a jaquatirica, o macuco e o mico-leão-preto. Sua criação está fortemente ligada, entre outros fatores, à articulação entre o poder público e o IPE, que há cerca de 20 anos trabalha para a conservação desta espécie que foi escolhida para dar nome à estação. “Já houve uma chefia anterior e até então estava indo muito bem. Em agosto de 2007 a nova chefia assumiu e começamos a ter dificuldades”, diz Laury Cullen, pesquisador do Instituto.
Segundo ele, as quatro propostas de trabalhos do IPE – um monitoramento dos mamíferos da UC, uma pesquisa com mosquitos flebótomos, outra com jaquatiricas e um monitoramento do status das populações de mico-leão-preto – já haviam sido aprovadas no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). No entanto, como a lei determina que os trabalhos precisam da anuência do chefe da unidade para que os pesquisadores entrem na Estação, foi nas mãos de Miriam Paron que as pesquisas pararam. “Ela não respondia nossos contatos, dizia que estava analisando ou que não concordava com algum ponto. Argumentos que não tinham embasamento técnico-científico”, explica Cullen. De acordo com ele, só depois que a reclamação chegou até Brasília é que as coisas começaram a andar. “Ela acha que pesquisa não é importante e que as únicas aceitáveis são de universidades”, reclama o pesquisador.
Ao ser procurada pela reportagem de O Eco, Miriam Paron mostrou à que veio. Em conversa telefônica, a chefe da estação afirmou que as acusações do IPE “não procediam”, mas confirmou que, em sua gestão, a pesquisa não era prioridade. Quando perguntada sobre quais seriam, respondeu em tom jocoso: “Proteção e combate a incêndios”. Vale lembrar que, pela definição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), “a estação ecológica tem em vista a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas”.
De acordo com Miriam, muitas das pesquisas propostas pelo IPE já haviam sido feitas e, por isso, não necessitavam ser repetidas. “Não sou obrigada a fazer as coisas que eles [IPE] querem. Tenho que fazer as coisas que são prioritárias para a Estação”, disse. Em outro momento da conversa, deixou claro “ter mecanismos para acionar judicialmente jornalistas” e declarou: “Não houve problema. Eles são o problema, porque acham que podem mandar na Estação”. Procurada por uma segunda vez, Miriam se negou a atender a reportagem e mandou seu recado por meio da secretária. “Ela não está querendo atender, se você quiser ligar a semana que vem …”.
Para Júlio Gonchorosky, diretor de Unidades de Conservação de Proteção Integral do ICMBio, as pesquisa são, sim, importantes para a Estação Ecológica. Tanto na geração de informações quanto para ajudar, de forma paralela, a monitorar e proteger a unidade. “Não queremos que atrapalhe a pesquisa, então, se for necessário que as autorizações sejam feitas através do Bioma [Bioma Mata Atlântica do ICMBio], a gente vai fazer via Brasília, sem obviamente, se sobrepor à gestão da unidade”, disse.
Além disso, Gonchorosky informou que a chefe da ESEC Mico-Leão-Preto já foi orientada a autorizar rapidamente os trabalhos do IPE que estavam pendentes e que nas próximas semanas isto deve acontecer. “O Bernardo [Bernardo Brito, coordenador do Bioma] já conversou várias vezes [com ela] e vamos conversar novamente. Ela está respondendo pela ESEC, mas buscamos uma pessoa para ser efetivamente o chefe da unidade. Estamos fazendo isso em várias unidades”, explicou. Até o próximo mês, o diretor garante que a situação estará resolvida na Estação Ecológica do Pontal do Paranapanema.
Outros Casos
A dificuldade de entrar em unidades de conservação não é exclusividade dos pesquisadores do IPE. Os casos ocorrem em todos os cantos do país e são condicionados a diversos fatores. Segundo a engenheira florestal e doutora em ecologia Rosane Garcia Collevatti – representante da Sociedade Brasileira de Genética no grupo formado pela Sociedade Brasileira de Pesquisa Científica (SBPC) para discutir com o governo o ante-projeto de lei sobre acesso a recursos genéticos -, um dos problemas que os pesquisadores enfrentam é a falta de organização do ICMBio.
“Estou com problemas para ter autorização para coletar nos parques nacionais do bioma Cerrado. Coletei lá durante meu doutorado e, quando terminei, enviei a minha tese para eles. Agora não querem mais me dar autorização porque eu não enviei o trabalho! Eles perderam essa tese lá dentro, em uma falta de organização completa, e agora dizem que tenho pendências. Já deixei bem claro: eu não preciso coletar em parque nacional, eu quero coletar lá e gerar resultados úteis para o manejo e conservação, gerar benefícios para meu país. Se eles não querem, paciência. Já comecei minhas coletas fora de parque nacional e não vou fazer mais dentro deles”, reclama a engenheira.
Outro problema apontado por ela são as falhas na transição do sistema de autorização em papel e o feito atualmente pelo Sisbio, novo sistema online do Chico Mendes. Segundo Rosane, não há coerência entre os critérios de aprovação utilizados entre um e outro. “Ano passado eu tive autorização da Flona [Floresta Nacional do Araripe, na cidade do Crato, Ceará] em papel. Esse ano, fui pedir a renovação pelo Sisbio e eles insistem que não tem tamanho amostral, sendo que os projetos são os mesmos, não tem uma linha de diferença, só que ano passado eu pedi em papel e esse ano pedi pelo Sisbio”, diz, em tom de indignação.
Apesar dos problemas estruturais, para Rosane, o principal ponto que precisa mudar é a visão que os órgãos ambientais têm dos pesquisadores. “Tudo começa com a questão que vem sendo debatida bastante que é a visão de que o cientista pode causar impacto tanto quando um caçador, um fazendeiro que desmata para plantar soja. Na lei, eles são tratados da mesma forma […] Isso é um problema estrutural, filosófico, que tem de ser mudado. O pesquisador precisa ser visto como um parceiro dos órgãos ambientais”, defende.
Para o diretor de Conservação da Biodiversidade do ICMBio, Rômulo Barreto Mello, o Sisbio pode realmente apresentar problemas, já que é novo e ainda passa pela fase de transição. No entanto, segundo ele, as reclamações relativas às licenças de trabalho de pesquisadores são casos isolados. “O Sisbio tem como características a celeridade, a impessoalidade e a transparência. Hoje, se em sete dias o pedido de licença não for processado, os dirigentes das instituições são automaticamente avisados […] O ICMBio vai se transformar no maior instituto de pesquisas brasileiro!”, prevê Mello.
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