Os olhos humanos não conseguem enxergar a gravidade das nossas ações no fundo dos mares. Na Grã-Bretanha, uma pesquisa feita por cientistas na região Nordeste do Oceano Atlântico revelou pela primeira vez a “pegada” do homem no fundo do mar, e encontrou objetos e substâncias altamente lesivas à vida marinha. No Brasil não é diferente. Sabemos que dejetos, defensivos agrícolas, redes de arrasto também frequentam as profundezas do mar, mas por aqui as pesquisas para vasculhar o fundo dos oceanos são raridade. E quando a sujeira das atividades humanas se combina com os efeitos do clima, como aumento de temperatura e o processo de acidificação acelerado das águas, a qualidade de vida sob as ondas piora ainda mais.
Publicada neste mês de setembro na revista científica PLoS ONE, a área analisada pela pesquisa abrange mais de onze milhões de quilômetros quadrados, sendo 75% dela mais profunda do que 200 metros.
Os intrusos que nadam por lá entre peixes, corais e invertebrados são resíduos radioativos (mesmo sendo proibidos), munições e armas químicas. Mas o que marca mesmo a presença humana no fundo do mar são as redes de arrasto utilizadas pela pesca comercial na região, algo também bastante recorrente no Brasil. “A pesca de arrasto é insustentável. Nos Estados Unidos, por exemplo, já existe uma proibição deste tipo de prática a 12 milhas da costa. Aqui temos a pesca de arrasto feita com navios alugados dos japoneses a 600m ou 800m de profundidade. Muitos recifes de corais e outros organismos estão sendo destruídos quando passam essas redes. E maioria deles demora centenas de anos para se recuperar”, alerta Clóvis Castro, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Brasil (UFRJ) e coordenador do projeto Coral Vivo.
Em águas mais rasas, como na faixa litorânea, a ligação continente-oceano revela que a mão do homem leva para os ambientes marinhos um acúmulo de matéria orgânica, nutrientes, e metais-traço. Das bacias dos rios para o deságue na costa saem as consequências de atividades como a agropecuária, os usos urbanos e industriais, mineração, geração de energia hidrelétrica entre outros. “A área costeira brasileira está bastante desgastada. Sedimentos dos rios, esgoto não tratado e matéria orgânica desaguando nas águas do mar geram um excesso de nutrientes. O ambiente marinho passa por um processo de anoxia, ausência de oxigênio e quem sofre são os seus habitantes”, explica o professor Luiz Drude de Lacerda, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Transferência de Materiais Continente-Oceano.
Esforço para reduzir impactos
Reverter esta realidade não é tarefa fácil, apesar dos ambientes marinhos serem resistentes as adversidades, segundo Clóvis Castro. “É preciso diminuir os impactos. Neste sentido, a criação de unidades de conservação, específicas para o mar, podem ser uma solução”, indica ele.
O professor Lacerda concorda com Clóvis, mas acha que só demarcar as áreas protegidas não basta. “Acho que as unidades de conservação são boas, mas não são bem criadas. A proteção do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, por exemplo, é excelente. Mas do que adianta você não poder pescar ali na região se os sedimentos que vem dos rios deságuam no parque e afetam o ecossistema da região? É preciso uma despoluição do entorno também. Um trabalho de proteção da vegetação, controle do desmatamento e de educação com os moradores litorâneos”, propõe.
Ao mesmo tempo em que sofrem com os efeitos do aquecimento global, os oceanos servem como amenizadores desses impactos. Eles absorvem cerca de um terço do dióxido de carbono liberado pelos desmatamentos, queima de combustíveis fósseis, queimadas e outros fatores. Só que, mais uma vez, a conta é do mar. Com a diminuição do Ph da água, é acelerado o processo de acidificação dos oceanos. E o cenário para o desequilíbrio do ecossistema está armado.
Descobrir os impactos que já existem nas profundezas é um passo importante para priorizar o que precisa ser mudado em terra firme. Apesar da iniciativa britânica, esse tipo de pesquisa enfrenta muitas dificuldades logísticas para ser realizada. “Alguns governos, organizações públicas e empresas privadas colaboraram muito mais com informações do que outros”, explicou Angela Benn, do Centro Nacional de Oceanografia do Reino Unido, que liderou o novo estudo. “São necessárias melhorias significativas na coleta de dados e disponibilidade, e essa exigência deve ser construída em convenções e tratados internacionais, com um quadro jurídico para assegurar informações de gestão ambiental”, sugere. “Informações sobre a localização e extensão espacial das atividades humanas que afetam o ambiente de águas profundas é fundamental para a conservação dos ecossistemas marinhos e para a gestão sustentável dos oceanos do mundo. É preciso também haver um entendimento muito maior dos impactos relativos das atividades humanas sobre as profundezas do mar, e, em particular como essas atividades afetam os ecossistemas marinhos e a biodiversidade”, argumenta Benn.
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