A história tem cara de novela brasileira. O Parque Nacional de São Joaquim fica em uma área que já era procurada pelos locais antes mesmo da sua criação em julho de 1961. Hoje, 53 anos depois ainda carece de plano de manejo, o documento essencial para o seu funcionamento e para abri-lo à visitação. Isso não impedia amplo acesso informal e, por isso, em 2012, o próprio ICMBio autorizou a visitação, baseado em uma interpretação mais liberal da lei que rege as áreas protegidas no Brasil, a lei do SNUC. Agora, a nova direção do órgão mudou de ideia e limitou a visitação de São Joaquim a apenas a um local, o morro da Igreja. Todas as atividades de trilhas, cavalgadas e ciclismo estão suspensas.
Em 2012, o ICMBio emitiu a Portaria 85, apoiada por uma nota técnica assinada pelo então Coordenador Geral de Uso Público, Ernesto Viveiros de Castro, e aprovada pela procuradoria do órgão, que interpretou a abertura à visitação como compatível com o artigo 28 do SNUC, segundo o qual, sem plano de manejo, “todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às populações tradicionais porventura residentes na área as condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais”.
Em 2012, a leitura foi de que esse artigo podia ser interpretado de forma a ordenar a visitação pré-existente do parque. Permissão dada, desenvolveu-se uma indústria local de ecoturismo formal e organizada. Em 2013, São Joaquim tornou-se o 4º parque mais visitado do país, com cerca de 140 mil visitantes, atrás dos Parques Nacionais da Tijuca, Iguaçu e Brasília.
Em dezembro de 2014, Brasília mudou de ideia. Emitiu um parecer (Nota Técnica de 04/12) dizendo que a abertura à visitação colidia com a lei do Snuc, não só no Parque Nacional de São Joaquim, como também no Parque Nacional de Anavilhanas, no Amazonas, outro destino de ecoturismo cada vez mais bem-sucedido.
Em seguida ao parecer técnico de 04/dezembro, seguiu-se um memorando assinado pelo diretor de Criação e Manejo de UCs do ICMBio, Sérgio Brant, rubricado pelo atual presidente do órgão, Roberto Vizentin, confirmando a decisão de “suspender as atividades de uso público”, devido ao que o memorando chama de “visitação desordenada”, que “tem causado degradação ambiental e impactos significativos em áreas frágeis da unidade”.
De acordo com especialistas consultados pelo ((o))eco, incluindo analistas do ICMBio que temem se identificar, a decisão de fechar o parque tem duas lacunas: a primeira é não especificar quais são os impactos ambientais lesivos ao parque causados pelos visitantes. A segunda é afirmar que ao fechar o parque permite aos seus gestores trabalhar no plano de manejo. Segunda essas fontes, tornar o acesso ilegal sobrecarrega a administração com mais esforços de fiscalização e os desvia de funções mais produtivas ao parque.
Usuários do Parque e operadores de turismo locais se organizaram para resistir ao fechamento e criaram a comunidade no Facebook “Parque Nacional de São Joaquim – conhecer para preservar“. A história promete render e a proibição tem cara de contrassenso burocrático, que também passa um atestado de incapacidade: cinco décadas sem conseguir produzir o plano de manejo do parque.
Pela lei do SNUC, Parque Nacional é uma categoria de Unidade de Conservação que deve ser aberta ao uso público.
Surpresa em Anavilhanas
Hoje, após ser procurada pela reportagem de ((o))eco, foi com surpresa que Priscila Santos, chefe do Parque Nacional de Anavilhanas, descobriu que havia uma nota técnica recomendando o fim da visitação ao parque até a publicação do seu plano de manejo, que está sendo refeito.
Criado em 1981 como Estação Ecológica, Anavilhanas virou parque em 2008 e precisa adequar seu plano de manejo ao chamado uso público: as áreas que podem ser visitadas dentro da área protegida.
“A gente não tinha um plano de uso público porque isso não era previsto no plano anterior, pois Estação Ecológica é uma categoria que não permite turismo, apenas visitação educativa. Agora que virou Parque Nacional, permite”, afirmou Santos. De acordo com ela, o plano de manejo deve estar pronto em junho.
A gestora entrou em contato com a coordenadoria regional do ICMBio para saber mais sobre a suspensão da portaria.
*Editado às 16h30, 29/01.
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