Três mil famílias atingidas, 5 mil hectares alagados e uma obra com custo de 250 milhões de reais. Essa é a conta inicial da barragem do Guapiaçu, um projeto controverso que ronda a zona rural de Cachoeira de Macacu, município do estado do Rio de Janeiro, há pelo menos 3 anos. Durante todo esse tempo, os moradores que serão removidos receberam quase nenhuma informação do governo.
O resultado foi que os moradores se organizaram para defender suas terras. Em abril do ano passado, o licenciamento do projeto foi paralisado após protesto feito por produtores rurais em frente ao INEA. O processo voltou a andar em 2015, depois que a seca atingiu o estado e fez o projeto voltar a ser atraente. Em janeiro, o governador Pezão (PMDB) se reuniu com a presidente Dilma e aproveitou para pôr a barragem de Guapiaçu em pauta. Em outra ocasião, Pezão afirmou que a barragem de Guapiaçu resolverá o problema da falta d’água de Itaboraí, São Gonçalo, Niterói e Ilha de Paquetá.
Oficialmente, o projeto de fazer uma barragem no último grande manancial do estado do Rio de Janeiro é para atender a demanda hídrica dos municípios de Itaboraí, São Gonçalo, Niterói e Ilha de Paquetá, que já sofrem com a escassez de água. Mas como o dinheiro da obra vem da compensação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que está em fase final de construção em Itaboraí, na zona direta de influência da bacia, a suspeita é que a barragem será feita para garantir o abastecimento do complexo industrial, que necessita de água para o resfriamento de suas unidades de processamento. O governo do estado nega e afirma que o abastecimento do Comperj será feito exclusivamente através do reuso de água do rio Guandu.
O projeto da barragem, que alagará 5 mil hectares, está nos planos da Secretaria Estadual de Ambiente, sob o comando do subsecretário Antonio da Hora. De acordo com a Assessoria de Imprensa do Inea, responsável pelo licenciamento ambiental da obra, no momento, o projeto passa por revisão técnica. O tamanho original da barragem estava previsto para 17 metros de altura e capacidade de armazenar 90 milhões de litros d’água. Mas isso poderá ser mudado.
Na tentativa de barrar a grande obra, os moradores sugerem duas frentes: ou derrubar a proposta, posição defendida pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ou um meio termo: fazer três pequenas barragens, à moda das pequenas centrais hidrelétricas, que não alagariam a área inteira e evitariam a retirada dos produtores rurais.
A proposta das pequenas barragens se baseia num estudo apresentado no plano diretor de recurso hídricos, elaborado pelos comitês de bacias em 2005, que indicou 5 ou 6 locais para barragens de regulação na região. “Os estudos foram feitos nas bacias naturais com proteção mecânica das Unidades de Conservação, encostando nas áreas de montanhas”, afirma Roberto Oliveira do Instituto Interdisciplinar Rio Carioca, ONG que trabalha na promoção do desenvolvimento sustentável, e membro do Comitê de Bacia da Baía de Guanabara.
Na proposta original apresentada pelo governo do estado, há uma única grande barragem. Oliveira afirma que a construção de três barragens menores em regiões diferentes produziria mais água e com menor impacto. “As três [barragens] juntas teriam uma reserva de 20 milhões de metros cúbicos a mais do que a proposta feita pelo estado, com impacto ambiental, social e econômico muito menor, além da possibilidade de recuperar todo o vale do rio Guapiaçu”.
Reunião
No dia 02 de março, pela primeira vez um secretário de estado de meio ambiente esteve na região de Serra Queimada – distrito de Cachoeira de Macacu e um dos lugares onde será alagado – para falar sobre o projeto. Em outras ocasiões, como a audiência pública realizada em abril de 2014 e em outros encontros, os representantes dos órgãos que estão tocando o projeto da barragem – SEA, Cedae, INEA, Viva Rio e Comperj – nem sequer foram às reuniões.
Dessa vez, o secretário de Meio Ambiente veio.
A reunião de André Corrêa com os moradores aconteceu às 12h30 e, a princípio, a recepção foi amistosa. O prefeito de Cachoeiras, o presidente da Câmara dos Vereadores, assessores, o presidente da Associação de Produtores Rurais e até o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem de Advogados do Brasil estiveram presentes. Na plateia, produtores rurais, militantes do MAB e moradores lotaram o auditório improvisado.
O primeiro a falar foi o prefeito de Cachoeiras de Macacu, que fez um longo discurso ressaltando o caráter do secretário André Correa e afirmando o quanto a obra afetaria a economia do município e tiraria empregos de pelo menos 15 mil pessoas. “Se alguém me perguntar se eu sou contra dar água, eu não sou contra dar água. Mas se alguém me perguntar se sou contra a represa eu vou ter que dizer que sou contra a represa. Se eu fosse a favor do alagamento, estaria dando as costas pro meu povo”, afirmou o prefeito Cica Machado (PSC).
A reunião seguiu com falas de personalidades locais, todos ressaltando o prejuízo que a barragem trará para a região. Nessa área onde se pretende concretar e alagar, está uma das regiões agrícolas mais produtivas do estado, que abastece em torno de 60% do CEASA-Irajá, e é a maior produtora de aipim e de goiaba branca do estado do Rio de Janeiro.
O próximo a falar foi o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais, Rolf Dieringer, que afirmou que a obra não leva em consideração os projetos de recuperação ambiental já desenvolvidos na região, como o plantio de mudas de espécies como palmito. A ideia não é plantar apenas uma espécie, mas frisar que o município já conta com uma tradição na área do replantio que poderia ser usado para recuperar a bacia do Guapiaçu, hoje degradada.
“Se barragem fosse resolver o problema da água, a Cantareira estaria cheia. O problema da água é antes […]. Nós podemos ver que temos degradação ambiental aqui em todos os lados. Então, o que nós defendemos e colocamos no abaixo assinado é que vamos primeiro recuperar a condição de produzir água antes de concretar tudo”, afirmou, destacando que o projeto, do jeito que está desenhado, é “um verdadeiro estupro ambiental, social e econômico de Cachoeiras de Macacu”.
Ainda de acordo com Rolf Dieringer, a vasão do rio Guapiaçu é três vezes menor do que há 30 anos. A degradação ambiental causada pelo mau uso do solo e o desmatamento das áreas de preservação permanente diminuíram o volume de água e isso é demonstrado no próprio Relatório de Impacto Ambiental da barragem, que veio a público antes da conclusão final do Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
Marcelo Chalréo, representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, foi contundente ao afirmar que o projeto só atende aos interesses do Comperj: “O que está em jogo aqui são dois projetos, um que atende aos interesses populares, interesses dos agricultores e das famílias de Cachoeira de Macacu e um outro projeto que atende preferencialmente os interesses do Comperj”.
André Corrêa, secretário estadual do ambiente (SEA), foi o último a falar, defendeu o diálogo com a população e admitiu que isso faltou até agora. “Esse processo não foi bem conduzido, ele precisa ter mais debates”.
De acordo com o secretário, a cultura do Brasil é resolver os problemas com obras, mas “a marca do meu mandato” será investir em recuperação florestal.
O secretário, que também é deputado, desmentiu a informação de que a construção da barragem é para beneficiar o Comperj. “A água do Comperj vem do reuso da Cedae”, afirmou. “Se algum dia, enquanto eu for secretário, alguém vir com alguma medida de água de Guapiaçu pro Comperj, largo a Secretaria, porque não é verdade o que o senhor está falando”, prometeu, dirigindo o discurso ao representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB.
Além disso, André Corrêa prometeu que não gastará nenhum centavo do orçamento em cimento antes de ter dinheiro para equacionar a situação dos moradores da região.
“Eu não vou ser demagogo, não vou dizer aqui que será cancelado o projeto […], mas quero sinalizar que será discutido”, afirmou. “Ninguém vai entrar na casa de ninguém sem negociação, se vocês têm projeto alternativo, me tragam. Me tragam também essa parte de recuperação florestal. Vou me dedicar a fazer Cachoeiras de Macacu modelo de recuperação florestal”. Foi aplaudido.
Mas a mudança de curso será novidade, pois a população passou 3 anos sem informação precisa sobre seu destino.
*Colaboraram para esta reportagem Hermano Albuquerque e Daniele Bragança.
** Artigo editado em 10.05.2015 às 17h54.
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Muito triste em ver esta situação em mexer com a natureza parece até que eles não tiveram exemplo com o de Mariana, estão querendo ver mais tragédias, quer dizer colocar problemas aonde não tem problemas só natureza que o nosso Deus nos deu.