Reportagens

Abelhas à beira de um ataque de nervos

No verão, cresce a incidência dos ataques de abelhas. Os principais culpados são os apicultores de fim de semana, que não controlam a reprodução das rainhas.

Teresa Karabtchevsky ·
16 de dezembro de 2004 · 20 anos atrás

Produtoras do primeiro adoçante conhecido pela humanidade, responsáveis pelo aumento da safra de frutos e grãos através da fecundação das flores, fabricantes de uma série de produtos famosos por suas propriedades medicinais, as abelhas se transformam em ameaça quando o ser humano perde o controle sobre elas.

No dia 13 de dezembro, Aparecida Beckendorff, de 88 anos, foi atacada por um enxame em Limeira, interior de São Paulo. O Corpo de Bombeiros a socorreu depois que ela já estava sendo picada há pelo menos 8 minutos. Apesar do susto, ela não apresentou reações adversas ao veneno das abelhas, e ficou internada apenas para observação. É o que costuma acontecer. No Rio de Janeiro, não há registro de um caso fatal de ataque de abelhas desde 1992. Já os animais não são tão resistentes como nós. No último dia 29 de novembro, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, três cachorros morreram e um ficou ferido numa investida de abelhas.

Fatais ou não, os ataques de abelhas ficam mais freqüentes nesta época do ano. Segundo o apicultor Lanes de Souza, que trabalha na Defesa Civil de Nova Iguaçu, no verão são atendidos de 4 a 5 casos por dia, demanda bem maior do que no inverno. “Os insetos ficam muito agitados nesta estação”, diz o coronel Roni Alberto de Azevedo, do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. No verão, as abelhas se reproduzem mais rápido por causa das floradas, gerando novas rainhas que precisam criar novas colméias, já que cada enxame pode ter apenas uma abelha rainha.

Dono da SOS Abelhas, empresa privada que faz remoções de enxames, o apicultor Armando Pereira diz que o Rio de Janeiro, com duas das maiores florestas urbanas do mundo – o Maciço da Pedra Branca e a Floresta da Tijuca -, é abrigo natural de abelhas, que migram para a área urbana buscando alimentação e alojamento em construções, postes de iluminação, telhados e outros espaços. Além das condições naturais, explica Pereira, a prática informal da apicultura faz com que pessoas despreparadas mantenham criações de abelhas, pondo em risco tanto a qualidade dos produtos como a segurança da população.

O principal perigo associado aos “apicultores de fim de semana” é que eles não controlam o enxameamento, momento em que nascem as novas rainhas, que vão em seguida constituir sua própria colméia em outro lugar, levando consigo parte das abelhas da colméia original. É preciso checar constantemente o número de abelhas na colméia e detectar a presença de “princesas”, as abelhas prestes a virar rainha. Apicultores profissionais sabem conter o enxameamento manejando as abelhas para a formação da nova colméia. Com isso evitam também o prejuízo financeiro, que pode chegar a R$ 500 por cada caixa de colméia perdida.

Em 1993, a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou uma lei declarando as abelhas “inseto útil” e a flora melífera uma “riqueza estadual”. Ambas, portanto, seriam “objetos de proteção e de medidas preventivas que evitem a sua destruição”. As tais medidas preventivas nunca foram regulamentadas, mas a lei gerou pelo menos um resultado prático: os bombeiros, que não têm preparo específico para a função, deixaram de fazer remoções de colméias em áreas privadas. “Antes da lei, o Corpo de Bombeiros removia enxames, mas as abelhas morriam durante a retirada da colméia, o que causava danos para a espécie. Hoje, indicamos apicultores como referência, mas não temos como exigir que vão ao local. O comando da corporação ainda está estudando uma forma melhor de resolver o assunto”, diz o coronel Azevedo. Os espaços públicos continuam sob sua responsabilidade, mas eles passaram a atuar com o auxílio de apicultores.

As maiores vítimas das abelhas são animais, idosos e crianças. Segundo Hélio Gama, apicultor e especialista em tecnologia do mel formado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), as abelhas – mesmo as mais agressivas – só atacam quando se sentem agredidas, temem alguma ofensiva ou têm sua área invadida. “Como elas não têm ouvidos, reagem a vibrações, atacando animais com freqüência”, explica.

No país, as abelhas mais conhecidas são chamadas de europa e africanizada. As africanizadas são fruto do cruzamento entre a abelha européia e a africana. A miscigenação começou em 1956, quando a abelha africana (Apis mellifera scutelatta) foi introduzida no Brasil pelo pesquisador Warwick Estevan Kerr. Esta espécie é conhecida pela alta produtividade melífera e também por sua agressividade. O projeto, patrocinado pelo governo, pretendia obter híbridos das abelhas africanas cruzando-as com as européias. Mas em 1957, algumas rainhas africanas e zangões escaparam do reservatório e o cruzamento passou a ocorrer aleatoriamente na natureza.

Por conta disso, de acordo com estudo publicado pelo professor Lionel Segui Gonçalves, da USP de Ribeirão Preto, no Brasil não existem mais as puras européias, apenas as poli-híbridas africanizadas. “É a seleção natural. Uma princesa, no primeiro vôo, não fará distinção entre a européia e a africanizada. Vai prevalecer a mais forte”, explica Gilberto Rabelo, presidente da Associação Apícola do Rio de Janeiro (Api-Rio). E as mais fortes, geneticamente, são as africanizadas. São também pelo menos quatro vezes mais violentas que as européias, porque liberam mais feromônio, substância que estimula a agressividade e funciona como um agregador para o ataque, podendo formar enxames de centenas ou milhares de abelhas. “O ataque delas é pesadíssimo e elas não se limitam pelo tamanho do que vão atacar. Pode ser uma criança ou um cavalo”, diz Rabelo.

Do Brasil, as africanizadas subiram para a América Central e hoje causam problemas até nos Estados Unidos. “Para tentar impedir a entrada delas no país, os americanos chegaram a fazer uma espécie de cortina protetora no Caribe com abelhas italianas, muito dóceis. Mas a iniciativa não deu certo. Tanto que elas têm causado problemas no Texas”, informa Hélio Gama.

Alguns apicultores brasileiros ainda tentam promover a miscigenação entre africanizadas e européias, uma prática desaconselhada por Gilberto Rabelo, da Api-Rio. Ele diz que experiências como essa podem levar a um desdobramento indesejável: o enfraquecimento das africanizadas. “Se por um lado elas são mais agressivas, por outro melhoraram a saúde das abelhas, porque são muito mais resistentes”, explica. Sua organização social também contribui para preservar o grupo.

Quando percebem que uma cria está doente, por exemplo, as africanizadas a isolam ou matam para evitar o contágio das outras abelhas. “As européias convocam verdadeiras reuniões para decidir o que vão fazer e, com isso, perdem um tempo enorme, que pode ser decisivo para a colméia, ambiente fechado onde as doenças se propagam com rapidez”, diz. A Api-Rio trabalha em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) em pesquisas sobre as doenças das abelhas.

Em épocas de escassez de néctar, é comum ver abelhas invadindo residências, confeitarias e panificadoras à procura de açúcar. Estas são inofensivas, jamais aplicam ferroadas – a menos que alguém as apalpe, esmague ou tente afugentá-las com movimentos bruscos. A presença de algumas abelhas não representa um fator de risco para as pessoas nem indica a presença de colméia próxima, já que elas percorrem uma distância média de dois quilômetros em busca de comida.

Para quem se descobre próximo a um enxame ou entra em contato com ele, especialistas aconselham permanecer em silêncio e cobrir o rosto, afastando-se calmamente da área. Mas se ocorrer uma picada, o jeito é fazer o oposto: deixar o local o mais rápido possível, pois cada ferroada libera feromônios que as deixam ainda mais agressivas. Outras dicas básicas para os que planejam passear em áreas silvestres são evitar perfumes e usar roupas claras.

Esses cuidados protegem não só você, mas principalmente as abelhas. Afinal, para elas, todo ataque é fatal.

* Teresa Karabtchevsky é jornalista, foi editora dos cadernos Viagem e Informática do Jornal do Brasil, e editora de Rio no Globo Online.

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