Reportagens

Desastre humano

As tsunamis na Ásia assustaram, mas o homem deveria temer mesmo é o seu poder de produzir catástrofes. Ao contrário das ondas gigantes, elas são todas previsíveis.

Carolina Elia ·
7 de janeiro de 2005 · 20 anos atrás

Quem vive neste globo está sujeito a catástrofes naturais como as tsunamis. Mas é mais fácil ser vítima de uma catástrofe ambiental provocada pelo homem do que por uma genuinamente natural.

Até cem anos atrás, a maioria das mudanças drásticas que ocorriam na superfície da terra era provocada por terremotos, erupções, queda de asteróides e outras forças naturais. Mas no século XX o homem entrou nesta competição e, graças à revolução industrial e ao combustível fóssil, ultrapassou respeitáveis competidores. Por uma tabela apresentada em uma publicação de 1994 da Geological Society of America, atividades humanas locomovem em média 42 bilhões de toneladas de terra e rochas por ano. Mais do que geleiras, ventos e vulcões oceânicos. Perde apenas para rios e mares. Segundo o historiador John Mc-Neill, autor do livro “Something new under the sun” (quer dizer: “algo de novo sob o sol”), a humanidade conseguiu triplicar a velocidade do processo natural de erosão da terra ao escavar o solo atrás de carvão, petróleo, ferro e outros minerais preciosos para a nossa indústria. Esse processo destruiu de forma irreversível 430 milhões de hectares e aterrou rios antes navegáveis que ficaram imprestáveis até para atividades pesqueiras.

O poder destrutivo do homem se esconde atrás do desenvolvimento econômico. Mc Neill lembra que boa parte das atividades humanas que modificam o meio ambiente vem em nome do progresso. No livro, ele ensina a fazer essa conta. Em 1500, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial era de 240 bilhões de dólares (convertidos ao valor da moeda americana em 1990). Com a descoberta das Américas, o crescimento do comércio internacional e a adoção de novas tecnologias, esse índice pulou para 695 bilhões de dólares em 1820. Com a revolução industrial, a sociedade moderna chegou ao século XX com um PIB de 1 trilhão de dólares. Em 1992, o número fechou em 28 trilhões. Em 500 anos a economia mundial ficou 120 vezes mais gorda.

Para Mc Neill, a receita dessa arrancada está na combinação de combustíveis fósseis com crescimento populacional. Até a revolução industrial, as fontes de energia do homem eram o seu próprio corpo, a resistência física de alguns animais domésticos, as tecnologias como moinhos e o carvão vegetal dos fogões a lenha. Mas com a descoberta dos combustíveis fósseis, tudo mudou. Por outro lado, a população mundial cresceu exponencialmente. Em 1820, 1 bilhão de pessoas habitava a terra. Hoje são 6 bilhões.

Os dois fatores não foram benéficos para o meio ambiente. O combustível fóssil virou inimigo número um do clima da terra. Em dezembro, as maiores companhias de seguro do mundo, como a Munich e a Swiss, anunciaram que 2004 foi o ano mais caro para o mercado de seguros em termos de gastos provocados por desastres naturais relacionados a fatores climáticos . De acordo com dados preliminares, os dez primeiros meses de 2004 custaram às empresas do ramo 35 bilhões de dólares. Sendo que 26 bilhões foram aplicados na reconstrução de áreas atingidas por uma seqüência histórica de furacões no sul dos Estados Unidos. Quatro em um mês. O cálculo para danos materiais que não tinham seguro ficou em 90 bilhões de dólares. As companhias também mostraram preocupação com o furacão que atingiu Santa Catarina em março do ano passado, um fenômeno inédito no Atlântico Sul. Um técnico da própria Munich alertou : “Precisamos abortar esse perigoso experimento que a humanidade está conduzindo com a atmosfera da terra.” Para não citar apenas danos materiais, 130 mil pessoas morrem por ano nos Estados Unidos por causa da poluição do ar. Isso custa anualmente aos cofres públicos 650 bilhões de dólares.

Já o crescimento explosivo da população mundial é uma catástrofe natural em si. Oitenta por cento dos habitantes da terra são pobres e passam fome. Eles não têm acesso à água, a saneamento básico e os inchaços das cidades os empurraram para áreas de risco. Habitações em encostas, em lugares proibidos à beira-mar e em planícies sujeitas a inundações são mais frágeis em caso de terremotos, enchentes ou tsunamis – como aconteceu no Oceano Índico. Segundo a Cruz Vermelha, 90% das vítimas dos desastres naturais ocorridos na década de 90 moravam em países subdesenvolvidos.

No livro “Floods, famine and emperors – El niño and the fate of Civilizations” (isto é: “enchentes, fome e imperadores – El Nino e o destino das civilizações”), o antropólogo Brian Fagan afirma que a população da terra se tornou maior do que a capacidade do planeta de supri-la , o que aumenta a sua vulnerabilidade a fenômenos naturais. Ele lembra que os colonizadores espanhóis descreviam o El Niño mais com tom de curiosidade do que de preocupação. Diziam ser os “anos de abundância”, pela quantidade de chuva. Hoje, o El Niño se comporta basicamente da mesma forma que há 500 anos, mas virou destrutivo. “O crescimento populacional transformou pequenos vilarejos em cidades abarrotadas com favelas na beira dos rios. Agora, um El Niño mais forte varre pontes, casas, mata centenas de pessoas e deixa um rastro de fome… A economia sofre prejuízos. Todos nós, especialmente os mais pobres, estamos mais suscetíveis do que nunca ao El Niño e a outras mudanças climáticas repentinas,” diz Brian.

O enfoque do fisiologista e ecologista Jared Diamond em seu novo livro, “Extracted from Collapse: How Societies Choose to Fail or Survive”, é outro. Ele ressalta que pressão populacional junto com ecossistemas degradados é uma fórmula explosiva que pode detonar guerras civis e disputas por terras, nascentes e outros recursos naturais. Um exemplo recente são os conflitos na região de Darfur, no Sudão. Quase dois anos de disputa de terras entre tribos árabes e africanas matou mais de 70 mil pessoas e produziu um milhão e meio de refugiados.

Pode-se trocar de ponto de vista à vontade, mas o resultado continua o mesmo: a grande novidade da terra, segundo Mc Neill, é a ascensão do ser humano ao rol das forças naturais que podem mudar o mundo físico de uma hora para outra. Por isso o título de seu livro virou pelo avesso o verso do Deuteronômio. Aquele que garantia não haver nada de novo sob o sol.

Leia também

Podcast
22 de novembro de 2024

Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina

A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar.

Manguezal na maré baixa na Ponta do Tubarão, em Macau (RN). Foto: Alex LN / Creative Commons
Salada Verde
22 de novembro de 2024

Supremo garante a proteção de manguezais no país todo

Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono

Reportagens
22 de novembro de 2024

A Floresta vista da favela

Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.