Anunciar a criação de 5 milhões de hectares de áreas protegidas na Terra do Meio até que não foi difícil. Os estudos técnicos para sua implantação vinham sendo feitos desde 2002 e todas as consultas públicas necessárias para formalizar a decisão se realizaram em dezembro. Agora, vem a parte mais complicada: colocar de pé todas as Unidades de Conservação – um Parque Nacional, uma Estação Ecológica e duas Reservas Extrativistas. O maior entrave a ser enfrentado pela área ambiental do governo é uma velha mazela do Estado brasileiro: a falta de dinheiro.
Para implementar o novo mosaico de áreas protegidas no Pará, Marco Giovanni Conde, gestor governamental do Ministério do Meio Ambiente, estima que sejam necessários 360 milhões de reais. O dinheiro será usado para fortalecer as atividades do Ibama ao longo do rio Xingu e da BR-163, o envio de 910 fiscais para a Amazônia ainda neste ano e as 140 ações do Plano de Combate ao Desmatamento. O problema é que ele ainda não existe. Conde diz que o governo conta com recursos de compensação ambiental cobrados de empreendimentos que provocam impacto na região.
Esse dinheiro não vem logo, em geral porque a dívida sempre acaba sendo contestada pelas empresas na justiça. O remédio é recorrer aos cofres do ARPA (Programa de Áreas Protegidas da Amazônia), um projeto do Ministério do Meio Ambiente que envolve um compromisso internacional do Brasil com a conservação da região em troca da captação de fundos privados para financiá-la. Os recursos provêm de doações de diversas organizações não-governamentais do país e do exterior, gerenciados pelo Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio). Durante sua primeira fase, que vai até 2007, o ARPA pretende atender 40 unidades de conservação, inclusive as do mosaico da Terra do Meio (mapa ao lado).
O ARPA deve entrar com 86 milhões de dólares e o governo se comprometeu com uma contrapartida de 18 milhões de dólares. Com dinheiro e equipes técnicas, a Funbio deve realizar atividades sócio-ambientais e coordenar consultorias externas. As fases posteriores prevêem intensificação das atividades de sustentabilidade até que estejam efetivamente protegidos 50 milhões de hectares ao final de 10 anos de programa. O Parque Nacional do Tumucumaque (AP), criado há dois anos e meio, é um exemplo de como esse financiamento misto – envolvendo dinheiro público e privado – tem ajudado a colocar de pé Unidades de Conservação na Amazônia.
“Só com recursos do governo a gente estaria vegetando”, diz Christoph Jaster, chefe do Tumucumaque. Ele recebeu do Ibama, por exemplo, dois barcos. Mas só os cascos, sem os motores. Quem os comprou, dando-lhe os meios para se locomover nas águas que estão nos limites do Parque foi a Conservação Internacional (CI-Brasil), uma ONG de origem americana cujo braço brasileiro está baseado em Belo
Horizonte. Jaster diz que a melhor alternativa para a sobrevivência das Unidades de Conservação neste momento em que o financiamento público anda curto é correr atrás do dinheiro das ONGs internacionais. A opção do ARPA não é ruim, conta ele, mas é muito burocrática.
Se Jaster não tivesse ido buscar fontes alternativas de recursos, provavelmente o Tumucumaque ainda estaria na mesma situação de seu irmão no Amapá, o Parque Nacional do Cabo Orange. Criado há 20 anos, ele ainda não tem plano de manejo. Isso não significa que o caixa que financia as operações no Tumucumaque esteja abarrotado de dinheiro. Longe disso. Ele ainda não tem sede (a administração é na Gerência Executiva do Ibama, em Macapá) e conta com apenas um veículo, além das duas voadeiras. Com 3,8 milhões de hectares, é o maior Parque Nacional brasileiro e detém a maior floresta tropical do mundo. Para tomar conta desse colosso natural, o Ibama conta com míseros 5 analistas ambientais.
Recursos de infra-estrutura, como material de campo, escritório, computadores, GPS, bússola e rede de selva, foram obtidos via ARPA. Graças a eles e à parceria com a CI-Brasil, já foi possível fazer um reconhecimento razoável da área do Tumucumaque, através de expedições científicas por rio e por terra, sobrevôos e levantamento de pistas de pouso clandestinas. Elas são 25 e servem ao garimpo e “provavelmente a atividades ilícitas, como tráfico, contrabando e bipirataria”, diz o chefe do Parque. Enfrentar criminosos ainda não cabe no orçamento. “Há um corpo de fiscais na gerência executiva, mas não fazemos nada sem o apoio das Forças Armadas, por uma questão de segurança”, conta Jaster.
Se no Amapá, onde a pressão humana é quase nenhuma, a situação é assim, como vão se virar as reservas da Terra do Meio, zona de conflito e disputa de terras?
Ainda não se sabe, mas existir no papel já é alguma coisa. Uma pesquisa do Instituto Sócio Ambiental (ISA) mostra que a criação das áreas protegidas no Pará inibe a ação dos grileiros, já que regulariza o registro de terras. “Essas unidades mostram para o país que o lugar não está esquecido”, diz Rosely Sanches, coordenadora da pesquisa.
Colaboraram Carolina Mourão e Ana Antunes.
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