Qual a única obra de engenharia feita pelo homem que pode ser vista do espaço sideral? A Muralha da China. Qual o maior reservatório subterrâneo de água doce do mundo? O Aqüífero Guarani. Respostas certas? Erradas. Estas são apenas duas lorotas, muito bem contadas.
O mito da muralha levou décadas para cair. Quem primeiro escreveu a frase foi um jornalista americano, em 1880. Ele subiu nas ruínas dela, encantou-se e concluiu que daria para vê-la do espaço. O primeiro astronauta a voar para fora constatou que lá de cima não se vê nada, só que a Terra é azul. Já o papo do aqüífero ser o maior do mundo, inesgotável e de água boa para beber, não se sabe quem inventou, mas só parece verdade porque acabou no Google.
A lorota do aqüífero tem prazo para acabar: 2007. Um estudo definitivo sobre ele está sendo feito, por acordo entre os quatro países que o dividem (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), com o apoio do Fundo Global para o Meio Ambiente, Banco Mundial, Organização dos Estados Americanos, Inglaterra, Alemanha e até da Agência Internacional de Energia Atômica.
É muita gente de olho na nossa água? Não surpreende: o Brasil tem 8% da água doce do planeta, 80% dela na Amazônia, num mundo em que 40% da população sofrem escassez. Na certa você já ouviu dizer uma coisa que muito bem pode ser verdade: que a próxima guerra não será por petróleo, mas sim por água. Se for, o aqüífero vai ser um alvo mais importante do que Bagdá.
Por enquanto, na maior santa paz, nosso Ministério do Meio Ambiente (MMA) está reunindo tudo o que se sabe sobre o aqüífero. O objetivo é dimensioná-lo de uma vez por todas e estabelecer legislação para seu uso. O trabalho está centralizado na Secretaria de Recursos Hídricos (SRH/MMA), mas a sede internacional do projeto é em Montevidéu.
Por hora, já se teme que seu uso desenfreado o faça secar – agora mesmo, mais de 200 poços artesianos estão mamando água só no Rio Grande do Sul. Em Passo Fundo, está sendo escavado o mais profundo deles, devendo colher o líquido a um quilômetro de profundidade. Até a multinacional Nestlé está de olho no seu potencial: para implantar uma nova unidade no estado, está estudando um ponto dentro da área do manancial.
Coisas que já se sabem dele: que seu nome de batismo foi dado pelo geógrafo uruguaio Danilo Anton e que ele não é o maiorzão – no mundo, perde pro do Tigre, no Iraque. E aqui dentro, alguns estudiosos sustentam que o aqüífero da Parnaíba, no nordeste, seria ainda maior do que o Guarani – bom pra nós.
Nosso aqüífero, pelo chutômetro, pode ter uma área superior a 1 milhão de quilômetros quadrados, até 1,5 milhão, quase 800 mil no Brasil e o resto nos três vizinhos – pela legislação, nossa parte pertence ao Estado.
Uma coisa ruim já se sabe com certeza: a maior parte da água do Guarani é salobra, conforme Renato Ferreira, gerente de gestão do projeto da SRH. Ele defende um “plano diretor” para definir o aproveitamento das águas. A SRH quer identificar e cadastrar todos os poços artesianos já existentes e exercer um maior controle para que novos não sejam mais abertos indiscriminadamente.
Para conhecer melhor o aqüífero, os governos estão instalando uma rede de monitoramento permanente. Com isso vão desenvolver uma proposta de gestão ordenada, conciliando os diferentes interesses e necessidades de cada país.
O principal uso pode ser o abastecimento das populações que vivem na área, algo em torno de 24 milhões de habitantes. Pode também ser usado para irrigação, indústrias e turismo termal. Este último já vem acontecendo de maneira desordenada, provocando muitas vezes a contaminação do lençol freático – é a poluição, chegando devagarzinho.
Mais detalhes? Aguarde o final do estudo, em 2007 – ou em algum boletim extraordinário do Ministério do Meio Ambiente.
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