Reportagens

Poder de destruição

Climatologista mostra como o aquecimento global pode ter contribuído para duplicar a intensidade dos furacões em 30 anos. Mas culpa o governo pelo Katrina.

Carolina Elia ·
9 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

O poder destrutivo dos ciclones tropicais quase duplicou nos últimos 30 anos e o aquecimento da Terra tende a potencializá-lo ainda mais. A afirmação foi feita pelo americano Kerry Emanuel, climatologista do Massachusetts Institute of Technology (MIT), numa carta publicada na edição da revista Nature de 4 de agosto. Três semanas depois, a cidade americana de Nova Orleans foi submersa pelo furacão Katrina e o sul do Brasil foi destelhado por um tornado seguido de um ciclone extratropical. Aqui, não se ouviu falar de Emanuel, mas nos Estados Unidos e na Inglaterra sua teoria foi usada pela imprensa para repensar a charada das mudanças climáticas.

O raciocínio defendido com gráficos e equações não é complicado. O poder de dissipação do furacão estaria relacionado à temperatura da superfície dos mares tropicais. E um dos fatores que contribui para o aumento da temperatura dos oceanos é o aquecimento global. Os gases do efeito estufa permitem que a superfície da Terra receba radiação solar, mas atrapalham o processo de devolução de parte dessa radiação. Quando as nuvens não aliviam, o oceano é obrigado a se livrar do excesso de calor e intensificar o seu processo de evaporação. Segundo Kerry Emanuel, isso só pode ser feito de duas formas: ou aumenta o desequilíbrio termodinâmico entre os oceanos tropicais e a troposfera – aquela mais pertinho de nós – ou aumenta a velocidade média dos ventos sobre a superfície. Se a primeira opção acontecer, cresce o que ele chama de “intensidade potencial” do furacão. Porque quanto mais vapor é absorvido da água, maior o tamanho da tempestade e sua duração. O combustível de um furacão é exatamente o calor produzido pela condensação do vapor em nuvem, e daí em chuva. Quanto mais úmida a atmosfera, melhor.

Por isso o cientista enfatiza que não é só do aquecimento dos mares que nasce o potencial dos furacões. Ele depende também de outros fatores, principalmente da temperatura da troposfera. Mas a análise dos dados de sua pesquisa revelou que a temperatura dos ares não sobe tanto quanto a registrada na superfície dos oceanos. E o efeito colateral dessa diferença é exatamente a condensação e, portanto, a intensificação do poder dos ciclones tropicais, que podem evoluir para furacões.

Seria absurdo atribuir o desastre provocado pelo Katrina ao aquecimento global? O próprio Emanuel responde que sim na página criada por ele na internet para esclarecer as dúvidas mais freqüentes sobre a relação entre aquecimento global e furacões. Ele diz que ainda não se sabe até que ponto o aumento da intensidade potencial do furacão está associado à emissão de gases poluentes provocada pela ação humana. E o principal motivo para existir essa lacuna é o pouco conhecimento que se tem sobre o fenômeno do aquecimento global. Desconhecem-se os processos que controlam os vapores de água na atmosfera e, portanto, eles são mal representados nos modelos climáticos existentes. “O que de fato acontece na atmosfera é largamente ignorado por causa das formas precárias de medição disponíveis”, conclui ele.

Para o climatologista, as principais razões para os ciclones causarem cada vez mais danos à costa americana são menos climáticas do que demográficas e políticas. Ele afirma que os Estados Unidos já foram atingidos por tempestades muito mais fortes, a diferença é que de lá para cá houve uma explosão demográfica no litoral e áreas sujeitas à passagem de furacões foram ocupadas com o consentimento do governo.“Nós estamos subsidiando um comportamento de risco e não deveríamos nos surpreender com o resultado”, escreve.

O aumento da freqüência de ciclones tropicais na costa leste americana desde 1995 pode ser explicado como um ciclo natural, observado há décadas e previsto desde os anos 80. Porém, há evidências de que a intensidade dos furacões aumentou. Nos últimos 30 anos, a quantidade de energia descarregada por eles cresceu em média 70%. Sendo 15% referentes ao aumento da velocidade máxima atingida pelos ventos e 60% à maior duração da ventania.

Kerry Emanuel lembra que o que carrega poder de destruição são os ventos e que mais vale ser atingido por várias tempestades brandas do que por um vendaval encarnado na forma de furacão. O Andrew, que arrasou o sul dos Estados Unidos em 1992 e era tido como o pior furacão da história até a chegada do Katrina, aconteceu em uma temporada fraca. Na carta publicada na Nature, Emanuel critica a ânsia dos cientistas de identificarem padrões referentes à freqüência dos furacões e alerta que está na hora de se preocupar com o aumento do poder destrutivo dessas torres de vento.

A teoria de Emanuel sobre uma possível ligação entre a intensidade dos ciclones tropicais e o aquecimento global foi questionada por outros pesquisadores. Em resposta, ele revisou a carta e publicou considerações em seu site, onde também estão disponíveis todos os seus estudos sobre o assunto.

Leia também

Notícias
22 de julho de 2024

Paul Watson, fundador do Greenpeace e protetor de baleias, é preso na Groenlândia

Ambientalista foi detido por agentes da polícia federal da Dinamarca, em cumprimento a mandado de prisão do Japão; ele partia da Irlanda para confrontar navio baleeiro japonês

Salada Verde
22 de julho de 2024

Encontro de alto nível sobre ação climática reúne ministros e líderes de 30 nações

8ª Conferência Ministerial sobre Ação Climática (MoCA), realizada este ano na China, tem objetivo de destravar discussões que ficaram emperradas em Bonn

Notícias
22 de julho de 2024

Ministério Público investiga esquema de propina em órgão ambiental da Bahia

Servidores, ex-funcionários e outros investigados teriam recebido até R$ 16,5 milhões de fazendeiros para facilitar concessão de licenças ambientais

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.