Reportagens

Poucos a favor

Audiências públicas sobre a criação de Unidades de Conservação na região da BR-163 no Pará mostram que a oposição à proposta, além de forte, é muito bem organizada.

Manoel Francisco Brito ·
25 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

As quatro audiências públicas realizadas desde o dia 16 de setembro no Pará – a primeira foi em Belém e a última em Jacareacanga – sobre a criação de Unidades de Conservação na região da BR-163, no sudoeste do estado, aconteceram exatamente como esperado. Na capital, a discussão foi civilizada. As outras viraram palanques para interesses de ruralistas e de mineradores – exceto na que ocorreu em Jacareacanga, única em que a maioria dos presentes era ligada a grupos tradicionais ou de pequenos produtores rurais. Lá, pelos menos, houve manifestação clara a favor das propostas dos governos federal e do Pará. Ainda assim, como nas outras audiências, elas foram também alvo de críticas. O resultado é que muito provavelmente o conteúdo original da proposta vai acabar sofrendo mudanças. Em princípio, a idéia dos governos era a de criar dois Parques, cinco Florestas Nacionais ou Estaduais e uma ou duas grandes Áreas de Proteção Ambiental (APAs), totalizando quase 7 milhões de hectares em novas áreas protegidas.

O futuro de um dos Parques, que deveria ser instalado no município de Moraes de Almeida, virou dúvida. “O que é uma pena, porque ali a presença de biodiversidade é alta”, diz um funcionário do governo federal. O desenho de uma das Florestas Nacionais, a do Jamanxim, que encostaria na BR-163, terá que ser modificado por conta da presença, dentro do seu traçado original, de uma comunidade que se estabeleceu lá em 1983. “Seria difícil tirá-los”, admite Tasso Azevedo, diretor de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). “Mas dá para recuperar o que será perdido em outra área”. Ainda assim, o futuro das Florestas como um todo permanece indefinido.

Nas audiências, ficou clara a oposição da turma do garimpo e da mineração à implantação das Florestas Nacionais ou Estaduais, por conta de uma interpretação legal que reza que elas só podem ser exploradas por madeireiros com plano de manejo. Dentro do governo, há quem entenda a lei de maneira diferente, afirmando que esse tipo de área protegida comporta também atividades de mineração. Para sair do impasse, a cúpula do MMA vai pedir um parecer sobre o assunto à Advocacia Geral da União. Se o entendimento dos advogados do governo for contra os interesses de mineradores e garimpeiros, a criação dessas Florestas periga não sair do papel.

A quem está desavisado, pode parecer uma bobagem dos governos levarem em conta as opiniões de grupos e pessoas que aparecem nessas audiências públicas, que pela lei que regula a criação de Unidades de Conservação têm caráter meramente consultivo. O problema é que elas reúnem, sob a batuta de burocratas que em geral estão respaldados em análises técnicas fundamentadas em anos de estudo, interesses econômicos locais e a sensibilidade dos governos à política. “As audiências acabam tendo um impacto forte na criação de Unidades de Conservação porque viraram espaços de negociação política”, explica Adalberto Veríssimo, do Imazon.

E, via de regra, quem melhor se prepara para ocupá-los é quase sempre a oposição. Os chamados movimentos sociais, que pelo menos em teoria são os que mais se beneficiam com a organização fundiária e produtiva que acompanha a implantação destas Unidades, tendem a ficar quietos, por desinformação ou mesmo intimidação, tamanha a capacidade de berrar e se organizar dos opositores. Nas audiências realizadas na última semana no Pará, exceto pela de Belém, que transcorreu em clima civilizado, o enredo não foi diferente.

Em Novo Progresso, as cerca de 1.200 pessoas que compareceram à audiência foram recebidas com faixas colocadas no local do encontro por ruralistas que criticavam Ongs – “Greenpeace é o câncer da Amazônia” – e o próprio governo – “Perigo: Governo federal quer transformar nossa região em Reserva”. Lá dentro, depois das explicações do pessoal do governo, a multidão ouviu apenas discursos contra as propostas, que continham ainda fartos elogios ao regime militar e claras ameaças. “Se vocês criarem essas Unidades de Conservação, farão despertar nossos instintos mais primitivos”, berrou Agamenon Meneses, presidente do Sindicato Rural da região, parodiando a frase de Roberto Jefferson ao explicar os sentimentos que nutre por José Dirceu.

Nesse contexto, onde pipocavam promessas de se tacar fogo no que resta de floresta caso os governos fossem adiante com suas idéias, ninguém na platéia levantou a voz para falar em favor das Unidades de Conservação. Nem os madeireiros, grupo que terá um benefício claro com a criação das Florestas Nacionais, áreas que estarão abertas à sua exploração. Deles, a única manifestação favorável foi feita na surdina, depois da audiência, quando Azevedo, do MMA, saiu de seu hotel para ir a uma farmácia. Já noite, caminhando pela rua em Novo Progresso, ele viu um carro parar ao seu lado e a porta se abrir. Imaginou que fosse levar um tiro. Qual nada. Eram madeireiros que lhe ofereciam uma carona preocupados apenas em lhe garantir um mínimo de segurança.

Na audiência seguinte, em Itaituba, a situação já estava quente na véspera. A prefeitura decretou ponto facultativo e a TV local tinha anúncios conclamando a população a ir até a audiência se manifestar contra as Unidades de Conservação. No dia, o clima não estava muito diferente. Faixas esculhambavam as Ongs ou tentavam colar nos representantes do governo a imagem de uma suposta estratégia entreguista, urdida por ninguém menos que o presidente americano George W. Bush. De um caminhão de som seguido por gente enrolada em panos verdes e amarelos, um locutor conclamava a resistência a interesses estrangeiros.

Não deu outra. Se havia alguém na audiência a favor das Unidades, ele ficou calado. Apareceu na oposição um grupo formado por mineradores e garimpeiros. E os agropecuaristas também continuaram eloqüentes – e espertos. Defenderam, em oposição às Unidades de Conservação, a implantação do Plano de Macro-zoneamento Econômico-Ecológico do governo do Pará. Trata-se de um embuste porque o plano já é lei, está em implantação e a proposta das Unidades não se choca com ele. Mas a idéia levantou a platéia e acabou criando um cisma entre os representantes dos governos estadual e federal.

Enquanto os últimos tentavam explicar as incongruências da idéia, a turma do estado, certamente de olho no ganho político contido no elogio dos ruralistas, preferiu ficar calada. O que as audiências realizadas no Pará demonstraram é que a vontade do governo federal de utilizar a região da BR-163 para criar Unidades de Conservação e transformar a experiência num modelo econômico sustentável para toda a Amazônia, pelo menos do ponto de vista político, pode ser frustrada por uma oposição bem organizada e capaz de silenciar quem é a favor.

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