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Amazônia para inglês ver

Vai ao ar na BBC esta semana uma série de documentários sobre a Amazônia que nem os moradores da região conhecem. São os abismos submersos do rio Negro.

1 de abril de 2005 · 20 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

A Amazônia pode estar encolhendo no Brasil, mas nunca teve tanto espaço na Inglaterra quanto nesta semana primeira semana de abril em que, de segunda a sexta feira, a BBC porá ar, às sete da noite, um especial sobre a região, com a marca que o biólogo David Attenborough deu aos documentários sobre natureza na emissora. Ou seja, uma mistura de pesquisa séria com expedições tipo Indiana Jones.

Asérie se chama “Amazon Abyss” e promete um mergulho inédito numa das últimas fronteiras incógnitas da terra: os abismos submersos no rio Negro. Eles ficam a poucas horas de Manaus. No entanto, nunca foram “visitados por turistas ou domesticados por folhetos de viagem, e continuam próximos de ugar nenhum”, como diz a reportagem do ecologista Adrian Barnett sobre o documentário, publicada este mês pela “Wildlife Magazine”.

A revista também é da BBC. Descende, como o “Amazon Abyss”, do pequeno anúncio classificado que há 55 anos levou Attenborough, recém casado, a bater na porta da estatal, atrás de uma vaga como produtor de rádio. A Inglaterra ainda estava convalescendo da Segunda Guerra. E arrumar emprego com um diploma de biólogo não andava fácil.

Attenborough levaria com o tempo a emissora a criar a BBC-2, a produtora de documentários sobre natureza que, entre outros prodígios, na década de 90 provocou uma crise nos restaurantes ingleses, quando exibiu a série sobre a vida íntima das plantas. A audiência foi tamanha que, prendendo os ingleses em casa na hora do programa, esvaziou a vida noturna.

Na edição de abril a Wildlife Magazine trata da Amazônia pelo menos quatro vezes. Primeiro, nas páginas 28 e 29, para um balanço ambiental, em que o repórter Jan Rocha resume a intrincada diversidade dos problemas que também são típicos da bacia Amazônica: recordes crescentes de desmatamento, 50 milhões de bois, avanço da soja, informalidade da indústria madeireira, 31 novas represas hidrelétricas, mineração e oleodutos disputando terreno com 30% das espécies de bichos e plantas que povoam o planeta.

Da página 73 à 75, a Amazônia volta na seção de turismo. Ali estão os 3.200 quilômetros de navegação fluvial entre Pucallpa, no Peru, a Manaus, contados por Hilary Bradt, que é autora profissional de guias de viagem; o encontro do biólogo Joe Tobias com um tipo raro de gato selvagem em sua primeira noite na reserva boliviana de Madidi; e o Parque Nacional do Jaú, no Amazonas, onde o ecologista Adrian Barnett foi observado por onças, que digeriam um festim à base de anta e tartaruga.

E há a reportagem sobre os poços do rio Negro, a partir da página 40, que parece um trailer impresso da série “Amazon Abyss”. Eles chegam a ter 120 metros de profundidade. São crateras submersas, grandes como campos de futebol, onde a luz não penetra e os alimentos descem da superíficie como “uma chuva de detritos”, diz Adrian Barnett, trazendo comida em forma de carne e vegetais decompostos. Lá embaixo, na escuridão, vive entre mais de 40 espécies exóticas um grande peixe capaz de digerir madeira.

Cavados no leito do rio por rodamoinhos milenares e antigas cachoeiras tragadas por mudanças da crosta terrestre, os abismos foram explorados durante um mês por 30 pessoas, entre operadores de câmara, mergulhadores, especialistas em comunicações subaquáticas e pesquisadores da vida selvagem. O barco da BBC percorreu quase 2,5 mil quilômetros em quatro rios. Filmou na escuridão a até 90 metros debaixo d’água, usando um submarino operado por controle remoto. E descobriu quatro novas espécies de peixes da Amazônia. Uma delas pode ser batizada por quem assistir aos documentários, através de um endereço da emissora que recolherá sugestões via internet, como um Big Brother Brasil das profundesas.

Feito em co-produção pela BBC e o canal Discovery e dirigido por Steve Greenwood, o diocumentário aparece na Wildlife Magazine como “um banquete de cenas adoráveis”. Ou sejam, “grandes tomadas aéreas de helicóptero, largos rios verdes, fantasmagóricos igarapés cheios de árvores mortas, lagos de água cristalina lotados de pedixes bonitos e animais estranhos, como ariranhas gigantes e botos emergindo o fundo lodoso”.

Bem, depende do ponto de vista. Para o cinegrafista Mike de Gruy, que viu isso tudo de perto, a filmagem iimplicou o contato direto com “correntezas perigosas, visibilidade zero e a possibilidade de encontrar coisas capazes de devorá-lo”. Mas, para a produção, a única perda a registrar foi a do equipamento fotográfico, roubado na passagem pelo Rio de Janeiro. Só para dar à série um pouco de côr local.

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