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O destino de Brigite

Criada por 20 anos com uma família de Caxias do Sul (RS), macaca-barriguda é apreendida pelo Ibama. O caso opõe ambientalistas e defensores dos animais.

Liège Copstein ·
25 de novembro de 2005 · 19 anos atrás


Brigite não era uma qualquer. Vivia há quase 20 anos com a família do eletrotécnico Airton Zaniol, a quem a bichinha foi entregue por um caminhoneiro que a trouxe do Mato Grosso, com toda a certeza clandestinamente. Ainda filhote, cresceu cercada dos mimos dos donos e da vizinhança, habitando um vasto pomar e apenas restrita, segundo Airton, por uma corda de 4 metros de comprimento, para que em suas brincadeiras não se metesse em confusão. “Nunca ninguém reclamou de barulho ou mau cheiro, todos gostavam dela”, garante ele.

A macaca-barriguda, nome vulgar da espécie Lagotrix lagothricha, habitava uma casinha de madeira, forrada por dentro com pelegos costurados para que não sentisse o frio das noites caxienses. Alimentava-se de todo tipo de frutas e verduras, ovos crus e iguarias menos ortodoxas como lagartas e minhocas, dieta pesquisada por Airton como sendo a indicada para a espécie dela. Os cuidados veterinários ficavam a cargo por um amigo da família, mas consta que “nunca teve sequer uma dor de barriga”. Amante dos animais, a família Zaniol sempre manteve também cães e gatos, os quais tratavam Brigite como igual. Catavam-se reciprocamente piolhinhos imaginários, tradicional troca de afeto entre os bichos, reservada a amigos íntimos.


Grande parte da comunidade caxiense organizou-se em apoio aos Zaniol e pela volta da mascote. Foram levantadas 3.500 assinaturas, entregues à Câmara Municipal, e até durante a partida entre o Juventude, time local, e o Inter de Porto Alegre, pelo Campeonato Brasileiro, no dia 22 de outubro, havia torcedores que traziam o cartaz “Volta, Brigite!”. “Queriam até organizar uma passeata, mas eu pedi que não, vamos tentar todos os recursos legais”, afirma Airton Zaniol. “Pela volta dela eu farei tudo o que for preciso. Na última foto que me mostraram, ela parece magra e triste”. As autoridades do Ibama não permitem que a família visite Brigite.

Batalha jurídica


A situação, digamos, da “pessoa física” de Brigite, nunca foi negligenciada por seus “pais” adotivos. Na época em que ela chegou não havia em Caxias nenhum órgão oficial que se ocupasse de fauna silvestre. Sequer o Ibama existia. Airton recorreu à ARPA, Associação Riograndense de Proteção aos Animais, entidade pioneira do gênero no sul do país, que lhe concedeu um Termo de Fiel Depositário, o que deveria equivaler ao direito de guarda do animal.


Tischer entende que Brigite era vítima de maus tratos por viver presa e privada do contato com seus semelhantes. Ele informa que atualmente ela vive num criadouro conservacionista autorizado pelo Ibama na localidade gaúcha de Morro Reuter, onde habita um recinto com outros da mesma espécie, está bem e inclusive já começou a “constituir família”. “Não sou insensível ao drama humano, mas eles não podiam manter a macaca, seja quais forem os subterfúgios legais que tentem utilizar agora, e mesmo gerando uma comoção através da mídia. Esse desejo de tê-la de volta é egoísta, e não podemos nos deixar levar por nenhum argumento sentimental”.

É exatamente o contrário do que pensa o maior primatólogo brasileiro, Adelmar Coimbra Filho. Para ele, o que conta são os sentimentos. Do animal. “Depois de 20 anos, ela já se identificou com a família, não vai se adaptar a mais lugar nenhum. A formação psicológica dela foi com os humanos. Tratado como um membro da família, o bicho adquire afeição pelas pessoas, fica quase humanizado. O Ibama deveria ter um departamento de psicologia animal, para não fazer um absurdo como este, e poder avaliar caso por caso”, critica.

A maior interessada não pode se manifestar. Brigite pertence a uma espécie natural do norte da América do Sul, ameaçada de extinção pela caça ilegal e destruição de seu habitat natural. Na natureza vivem em bandos de até vinte indivíduos e às vezes associa-se a outras espécies, como os macacos-prego e os bugios. A longevidade dos macacos-barrigudos chega no máximo a 25 anos. Entre os criados em cativeiro, costuma bater em 20 anos. Brigite já tem 20, e deve enfrentar agora o desafio de começar vida nova.

* Liège Copstein e jornalista em Porto Alegre e ama todos os animais menos baratas.

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