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Investigação levanta suspeitas sobre atuação do zoo indiano que recebeu ararinhas-azuis

Regras para receber animais ameaçados teriam sido dribladas e a entidade virou grande destino de espécies apreendidas no país

Aldem Bourscheit ·
18 de junho de 2024

O Greens Centro Zoológico de Resgate e Reabilitação foi envolvido em suspeitas de driblar regras internacionais para receber animais ameaçados de extinção, de ser privilegiado como destino de vida selvagem apreendida na Índia e de usar espécies para entreter pessoas.

O zoológico e o Fundo de Bem-estar dos Elefantes do Templo de Krishna são ligados à Vantara, iniciativa proclamada de bem estar animal liderada por Anant Ambani, filho mais novo de um dos indivíduos mais ricos do planeta, Mukesh Ambani, CEO do gigante da petroquímica Reliance Group.

Já uma longa investigação da revista Himal Southasian sugere que a Vantara, e alguns de seus fornecedores, violaram regras da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites) para transferir ao país animais nativos de várias partes do mundo.

A Índia adotou em 1976 esse acordo, que lista espécies em três anexos conforme seu risco de extinção. O Anexo 1 traz as mais ameaçadas, cujo comércio é totalmente proibido, exceto quando ocorrer através de criadores registrados e com permissões da Cites. Os demais anexos são menos rígidos.

Uma anta (Tapirus terrestris) nas instalações da Vantara. Foto: Reprodução/Mídias Sociais.

Mas, conforme a Himal, operações comerciais fora do aceito pela Convenção e com espécies em alto risco de sumir do mapa teriam sido facilitadas por manobras burocrático-financeiras e pelo afrouxamento da legislação indiana para animais cativos. O recebimento de espécies pela Vantara vem desde 2008, mas cresceu nos últimos anos.

Apenas o relatório de 2022-23 do Greens reconheceu 3.889 aves e animais nas suas instalações, de 134 espécies distintas. Mas, desde fevereiro deste ano, o número de animais teria saltado para mais de 4.700, de uma quantidade desconhecida de espécies globais.

O mesmo documento afirma que a meta do zoo é oferecer “cuidados para toda a vida” a espécimes resgatados de conflitos com pessoas, para animais sob custódia do governo – como apreendidos com traficantes –, e àqueles alojados em zoológicos e criadouros com espaço reduzido.

Em fevereiro de 2023, como ((o))eco mostrou, 26 ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) e 4 araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari) foram repassadas de um criador na Alemanha ao indiano Greens. A operação teria sido não comercial. Ambas as aves só vivem livres na natureza brasileira.

A ararinha-azul é uma ave exclusiva da Caatinga brasileira. Foto: ACTP/Divulgação.

Apoiada pelo governo indiano, a Vantara também se tornou um dos grandes destinos de animais transferidos de inúmeros outros criadouros e zoos no país asiático e também de espécies exóticas confiscadas com traficantes em suas fronteiras.

A Himal apurou que, até 2018, esse crime contra a vida selvagem fluía sobretudo da Índia a países como Mianmar, China e Vietnã. Desde então, a lógica parece ter se invertido e crescem as apreensões de espécies exóticas adentrando as fronteiras indianas. As vítimas incluem pangolins, cangurus, répteis, aves e primatas, de países de todos os continentes. Após exames sanitários e de saúde, a grande maioria segue à Vantara.

Pré casório animal

Anant Ambani e sua noiva Radhika Merchant. Foto: Reprodução/Mídias Sociais

Em fevereiro passado, o Greens foi palco de uma das badaladas festas de pré-casamento de Anant Ambani e de Radhika Merchant, cuja família fundou a farmacêutica Encore Healthcare. 

Participaram do festão de mil a mais de 2 mil convidados, conforme a fonte, incluindo Bill Gates (Microsoft) e Mark Zuckerberg (Meta), Ivanka Trump (filho do ex-presidente estadunidense Donald Trump) e a cantora Rihanna, cujo custo do show exclusivo foi estimado em US$ 9 milhões, equivalentes hoje a quase R$ 49 milhões.

O regabofe recebeu críticas e acusações de conservacionistas e de autoridades públicas sobre supostos maus tratos de animais, sobretudo de elefantes finamente trajados para emoldurar incontáveis fotos de convidados. A troca de alianças entre Anant e Radhika está marcada para este julho.

Atualizaremos as informações se o GZRRC e o Reliance Group retornarem nossos pedidos de entrevista sobre o apontado nas investigações jornalísticas, sobre a situação das ararinhas-azuis e araras-azuis-de-lear que receberam e se já abrigariam outras espécies brasileiras.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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Comentários 1

  1. Icaro diz:

    Com polêmica ou não, só existe Cyanopsitta spixii na natureza por conta do trabalho de um certo criador extrangeiro.