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Governança de resíduos sólidos: como o seu município está performando?

Índice indica a situação e os desafios da governança de resíduos sólidos nos 5.570 municípios do país

4 de novembro de 2024
  • Rede Ressoa

    A Rede Ressoa é um projeto colaborativo de divulgação científica e comunicação sobre o Oceano.

  • Camila Sasahara

    Doutoranda em Ciência Ambiental (PROCAM-IEE/USP); mestre em Ecologia Aplicada (ESALQ/USP); especialista em Perícia e Auditoria Ambiental (UNINTER); tecnóloga em Gestão Ambiental (SENAC).

  • Alexander Turra

    Professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) e coordenador da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano. É membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN)

  • Bianca Gabani Gimenez

    Oceanógrafa pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) e mestranda em Engenharia Oceânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

  • Carla Isobel Elliff

    Oceanógrafa (UNIMONTE), com mestrado e doutorado em geologia (UFBA) e pós-doutorado no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) no âmbito da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano.

  • Letícia Stevanato Rodrigues

    Doutoranda em Ciências no Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (IEE-USP), estudante visitante na Universidade de Birmingham (UK), mestre em Ciências pelo PROCAM-IEE/USP e bacharela em Gestão Ambiental pela EACH-USP.

  • Melanie Vianna Alencar

    Oceanóloga pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e mestre pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP).

  • Natália Molina Cetrulo

    Professora das Faculdades de Ciências Aplicadas (FCA) da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.

  • Luis Americo Conti

    Professor Associado da Escola de Artes Ciências e Humanidades - EACH da Universidade de São Paulo na área de Geociências.

  • Vitória Milanez Scrich

    Bióloga pela FFCLRP/USP, Mestre em Ciência Ambiental pelo PROCAM-IEE/USP e Especialista em ESG e Gestão Estratégica da Sustentabilidade pela FIA.

  • Tiago Balieiro Cetrulo

    Atualmente é pós-doutorando na UNICAMP e desenvolve suas pesquisas na área de gestão ambiental e desenvolvimento sustentável, mais especificamente na avaliação de políticas públicas ambientais relacionadas aos recursos hídricos e saneamento.

A gestão de resíduos sólidos urbanos é um dos maiores desafios enfrentados pelas cidades em todo o mundo. A complexidade da questão é ainda mais acentuada no Brasil, assim como em outros países do Sul Global, onde os recursos e a infraestrutura frequentemente não acompanham as demandas crescentes. O descarte inadequado de resíduos, além de gerar graves impactos ambientais, afeta diretamente a saúde pública e a qualidade de vida da população. Em resposta a essa questão, um grupo de pesquisadores desenvolveu o Índice de Governança Municipal de Resíduos Sólidos (MSWGI, sigla em inglês). O objetivo do novo índice é fornecer uma ferramenta de monitoramento que avalie como os municípios estão lidando com a governança de seus resíduos, destacando tanto as boas práticas quanto os desafios. 

Índice inclui três pilares essenciais da governança de resíduos 

O desenvolvimento do índice baseou-se em três pilares principais: qualidade regulatória, voz e accountability e eficácia governamental. Esses pilares foram embasados nos indicadores mundiais de governança (WGI, na sigla em inglês para Worldwide Governance Indicators), um conjunto de métricas globais amplamente reconhecidas, utilizadas pelo Banco Mundial, que avaliam a governança em diferentes contextos. Adaptando a metodologia do WGI, os pesquisadores criaram um índice que capta as nuances e especificidades da governança de resíduos sólidos no contexto dos países do Sul Global. A qualidade regulatória avalia a presença e a qualidade das leis e regulamentos que tratam da gestão de resíduos sólidos em cada município; a voz e accountability refletem a participação da sociedade civil  no controle social e na governança dos resíduos, incluindo a existência de conselhos municipais de meio ambiente e acesso à informação; e a eficácia governamental mede a capacidade administrativa e financeira dos governos locais de implementar políticas públicas e de fornecer serviços adequados de coleta e destinação de resíduos. 

Resultado do Índice no Brasil

O MSWGI foi aplicado a todos os 5.570 municípios do Brasil, revelando um panorama detalhado sobre os fatores que influenciam o desempenho da gestão de resíduos sólidos no país. Seu valor final, considerando a consolidação das pontuações nos três pilares, foi classificado em: muito alto, alto, médio, baixo e muito baixo. O mapa a seguir mostra a distribuição dessa classificação nos diferentes municípios brasileiros. É possível observar que a maioria dos municípios (26,52%) registrou um índice médio de governança de resíduos sólidos, seguido de municípios com classificações para alto (24,78%) e baixo (22,21%) valores do índice.

Aplicação do Índice de Governança Municipal de Resíduos Sólidos (MSWGI) nos 5.570 municípios brasileiros. Fonte: traduzida do artigo original.

Olhando os pilares separadamente, o índice revelou que, embora a maioria dos municípios brasileiros apresente uma qualidade regulatória satisfatória, a eficácia da governança e a participação da sociedade permanecem como grandes desafios. Em cerca de 55% dos municípios, há uma alta ou muito alta qualidade regulatória, ou seja, há leis e diretrizes sobre como os resíduos devem ser tratados. No entanto, mais de 45% dos municípios apresentam baixa ou muito baixa participação e controle sociais, o que significa que a sociedade raramente é envolvida nas discussões ou decisões sobre a gestão de resíduos, ou tem acesso à informação. 

A eficácia governamental ainda é desafiadora. Em muitos municípios, a falta de recursos financeiros e humanos, somada à informalidade no setor de reciclagem, impedem a gestão adequada. A informalidade, em particular, é um problema estrutural: catadores de materiais recicláveis, por exemplo, frequentemente trabalham em condições precárias, sem o apoio necessário para maximizar a coleta seletiva e a separação dos materiais; e os dados de sua produção raramente são contabilizados. 

O MSWGI também revelou uma disparidade significativa entre as diferentes regiões do Brasil. Municípios com maior desenvolvimento socioeconômico, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste, tendem a apresentar melhores resultados na governança de resíduos sólidos, enquanto municípios com menores índices, principalmente no Norte e Nordeste, enfrentam dificuldades muito maiores. 

Essa desigualdade reflete, em última instância, na existência de leis, na transparência e participação da sociedade, e mais diretamente na qualidade dos serviços públicos prestados. Enquanto algumas cidades conseguem implementar políticas de resíduos, como a coleta seletiva e a destinação adequada de resíduos, outras lidam com lixões e a ausência de sistemas de reciclagem. 

Propostas para melhorar a governança de resíduos 

Apesar das limitações, como a falta de dados disponíveis e consistentes, o índice oferece uma base concreta para que os municípios possam melhorar suas práticas. O MSWGI é uma ferramenta importante para monitorar a evolução das leis, a participação da população e a prestação de contas públicas à sociedade, além da melhoria dos bancos de dados e da eficiência do manejo de resíduos sólidos ao longo do tempo. Ao identificar os pontos críticos da governança de resíduos, os gestores públicos têm a oportunidade de focar seus esforços onde são mais necessários.

Além disso, a governança de resíduos está intimamente ligada ao desenvolvimento socioeconômico. Criar leis para o consumo e produção responsáveis e sua adesão pela população; aprimorar os dados; informar e prestar contas públicas à sociedade; e melhorar a separação, a coleta e a destinação adequada de resíduos sólidos não só contribuem para o meio ambiente, mas também para o exercício da cidadania, a geração de renda, a melhoria da saúde pública e da qualidade de vida da população. Cidades que investem na governança de resíduos podem, por exemplo, criar leis limitando plásticos de uso único, divulgar informações das ações do poder público em prol do exercício da cidadania, ativar conselhos de meio ambiente para participação social, extinguir lixões, e impulsionar o setor de reciclagem. A participação ativa da população é fundamental para garantir a melhoria da governança e da qualidade ambiental. Acompanhar e se envolver nos processos de gestão também é parte da solução.

A responsabilidade pela gestão de resíduos não é apenas dos governos. Cada pessoa pode e deve adotar práticas mais sustentáveis no seu dia a dia. Pequenos gestos, como a redução do consumo e a separação e correta destinação do lixo reciclável, fazem diferença no longo prazo.

Para saber mais: Consulte o artigo original “Municipal solid waste governance: development and application of an index embodying the Global South context”, publicado em inglês na Frontiers in Sustainability em 02 de outubro de 2024. https://doi.org/10.3389/frsus.2024.1409418 

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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