Quando digo que a Ciência precisa se aproximar da cultura, estou falando especialmente da Indústria Cultural. Essa relação já acontece em uma via, já que cada avanço tecnológico vai moldando nossa maneira de consumir arte e entretenimento, seja na moda, como ouvimos música ou assistimos um filme, mas um outro caminho também precisa acontecer, a ciência tem que ser Pop.
Segundo a Digital News Reports 2024, nos últimos anos, o jornalismo enfrenta não apenas dificuldades de financiamento, mas se vê diante de um público cada vez mais seletivo a respeito de como e sobre o que deseja se informar. No Brasil, 47% dos entrevistados disseram que evitam se manter informados, ou seja, as pessoas deliberadamente evitam assistir jornais tradicionais. A pesquisa também aponta que proporção dos que dizem sentir-se “sobrecarregados” pela quantidade de notícias hoje aumentou substancialmente desde 2019.
O estudo mostrou, também, que, cada vez menos, as pessoas no mundo acessam notícias diretamente por sites, preferindo redes sociais como Instagram e TikTok e especialmente prestando mais atenção a celebridades, influenciadores e personalidades, em comparação a jornalistas profissionais.
Infelizmente ligar a TV significa saber de tragédias, sejam guerras, violência urbana e catástrofes ambientais intensificadas pela crise climática. Observamos que inicialmente as pessoas se importam, fazem campanhas de doações etc. Mas com o tempo essa comunicação gera repulsa e apatia, o que acaba refletindo nas ações concretas, como retrata a pesquisa Retrato da Solidariedade: Comportamento Pró-social no Brasil, feita pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal. Segundo o levantamento, no Brasil, as doações são feitas em sua maioria de forma emocional, motivadas por grandes catástrofes, como as enchentes recentes no Rio Grande do Sul, mas não de maneira estruturada com foco da redução das desigualdades.
A partir desse contexto, fica evidente a importância de que assuntos relevantes como alimentação saudável, conexão com a natureza, políticas públicas e diversas vertentes da pauta climática estejam inseridas nas redes sociais na voz dos influencers que o público ama.
Precisamos investir no mercado cultural, do entretenimento, e usá-lo como ferramenta de educação. A sociedade da mercadoria, como diz Davi Kopenawa, usou os meios de comunicação e olha onde nos trouxe. Precisamos lutar essa luta com as armas do nosso tempo. Como diz o multiartista Fernando Anitelli: “O post é a voz que vos libertará.”
Na intenção de introduzir a cultura como componente da ação climática, criamos no Instituto Oyá uma metodologia de engajamento que se apoia em três pilares: Sentir, Refletir e Compartilhar, na qual atuamos com letramento climático para influenciadores e comunicadores a partir de imersões em comunidades tradicionais. Se esses creators convertem milhares de reais em compras, será que eles não engajam pessoas na pauta climática?
A internet não é também um ambiente de paz e para entrar nessa disputa é preciso saber que o hate vem, nenhuma ação vai agradar a todos, mas que precisamos ter coragem de encarar o desconforto como parte natural do processo. Precisamos ocupar esse território virtual, e sigo acreditando no poder da mobilização a partir do afeto, que foge da lógica do ecoterrorismo, pode tocar o coração das pessoas.
Hoje temos um movimento importante de divulgadores científicos ocupando esses espaços. Um exemplo superinteressante é a Mari Krüger, atriz e bióloga, ela uniu suas duas áreas de interesse em vídeos engraçados, informativos e leves, combatendo fake news com ironia e deboche e já conta com 1,4 milhões de seguidores. Jessi Alves, participante do BBB 22, também é bióloga, atuava como professora da rede pública de ensino e hoje usa seu instagram que conta também com 1,5 milhões de seguidores como plataforma educativa. O também ex -BBB Gil do Vigor é um fenômeno, conquistou seu espaço na TV e nas redes com seu jeito engraçado, mas sempre trazendo informações sobre Economia e Educação para seu público. Esses são alguns exemplos, mas precisamos conquistar ainda mais mentes e corações para um mundo digital mais democrático e educativo.
Durante a Climate Week em Nova York, o ativista indígena Jacob Johns (meu companheiro de painel) disse: “O futuro, um novo mundo já existe. E só está aguardando que nós, coletivamente, o tornemos realidade”. Estamos lutando pela vida, com a certeza de que estamos do lado certo da história.
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