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Como a ciência cidadã transforma a pesquisa sobre o oceano

Com 80% do Oceano ainda inexplorado, a participação dos cidadãos na coleta de dados emerge como uma poderosa ferramenta para a conservação marinha

10 de setembro de 2024
  • Rede Ressoa

    A Rede Ressoa é um projeto colaborativo de divulgação científica e comunicação sobre o Oceano.

  • Thais Fonseca Rech

    Mestre em Oceanografia pelo IO-USP. Doutoranda em Oceanografia pelo IO-USP, atualmente estudando a relação da ciência cidadã na pesquisa sobre lixo no mar.

  • Luciana Xavier

    Pesquisadora, mulher e cidadã engajada com a sustentabilidade do Oceano. Formada em oceanografia, tem especialização em gestão e conservação costeira em marinha, com foco em abordagens participativas, inclusivas e dialógicas para compreender e transformar a relação das pessoas com o Oceano e promover sua sustentabilidade.

A máxima “conhecer para preservar” ganha, literalmente, outra dimensão quando estamos falando do Oceano. Cobrindo aproximadamente 71% da superfície da Terra, cerca de 80% desse imenso corpo de água permanece inexplorado e desconhecido. Mesmo nas zonas costeiras, onde os esforços de coleta de dados se concentram, ainda há muito a ser desvendado. No Brasil, a zona costeira se estende por mais de 7.400 quilômetros e é um caldeirão de vida marinha e atividades econômicas que enfrenta ameaças constantes de urbanização, poluição, sobrepesca e mudanças climáticas. Para proteger essa área vital para a saúde e economia do país, precisamos de dados precisos e contínuos, o que demanda um grande investimento de tempo, recursos humanos e financeiros, que não estão igualmente distribuídos pelo país. Mas como podemos obter essas informações de maneira eficaz? 

A resposta pode estar em uma prática cada vez mais popular: a ciência cidadã. Todos os anos, dezenas de milhares de voluntárias e voluntários vão para florestas, ambientes costeiros, quintais, e até mesmo para frente do computador para prover dados de alta qualidade, analisar e contribuir para estudos científicos. Mas o que é de fato essa prática na qual o público geral se torna parte da equipe de pesquisa?

A ciência cidadã é uma prática que envolve iniciativas que estimulam a construção de conhecimento a partir da colaboração entre a academia e a sociedade civil. Nela, há um engajamento de fato do público em um projeto científico, produzindo resultados confiáveis, úteis e que passam pelo mesmo sistema de revisão aplicado à ciência convencional. 

Na ciência cidadã, pessoas da academia e de fora dela colaboram para produzir conhecimento que ajuda a avançar na ciência e conservação. (Fonte da imagem: Jacobi et al., 2013)

Nos tempos atuais, essas abordagens são essenciais para a aproximação da ciência com a sociedade. A ciência cidadã busca uma ativa participação da pessoa em um processo científico. Isso tem um potencial gigantesco para transformação da própria ciência, tornando-a mais inclusiva e abrangente. A coleta de dados é a forma de participação mais comum, mas não é a única. As pessoas de fora da academia podem participar de todo o processo de pesquisa, desde a concepção até a divulgação dos resultados. Pode, inclusive, idealizar um projeto. Um exemplo de ciência cidadã idealizado diretamente por participantes não acadêmicos é o projeto Making Sense, em que as pessoas planejaram e coletaram dados para lidar com a poluição sonora e do ar na Holanda.

Mais do que produzir informação em maiores escalas e com menores custos, a ciência cidadã tem um potencial gigantesco para o engajamento em questões socioambientais [3]. A ciência cidadã pode ajudar a enfrentar os principais desafios de conservação. Por um lado, ela permite avanços científicos que de outra forma não seriam viáveis devido à escala ou por outras razões práticas. Por outro, ela ajuda a expandir o público que participa ativamente da ciência, formando uma rede de pessoas comprometidas com a sustentabilidade. A atuação em projetos desse tipo representa uma oportunidade de aprendizado prático e educação científica, às vezes até como lazer, cujo resultado pode retornar para a sociedade na forma de melhoria das condições sociais, ambientais e na formulação de novas políticas públicas.

Contudo, a ciência cidadã também enfrenta desafios, uma vez que é uma prática que visa quebrar paradigmas e redefinir como a ciência é conduzida e percebida. Primeiramente, engajar uma diversidade de participantes, incluindo diferentes idades, gêneros, etnias, origens culturais e socioeconômicas, é desafiador e representa uma ameaça à sustentabilidade dos projetos a longo prazo. 

Há também uma desconfiança em relação à qualidade dos dados produzidos por pessoas sem formação científica, o que demanda suporte técnico e treinamento adequado e contínuo ao longo dos projetos. Os projetos de ciência cidadã devem adotar procedimentos rigorosos para assegurar a validade dos resultados e a preocupação com a qualidade dos resultados é fundamental para a relevância da ciência cidadã.  Ao fim do dia, a ciência cidadã é uma abordagem científica, com limitações e vieses, e por isso métodos e estratégias para contornar essas dificuldades são fundamentais para maximizar seu potencial transformador.

Ciência Cidadã para o Oceano

Um exemplo emblemático de ciência cidadã voltada para o oceano é o Marine Debris Tracker. Idealizado pela National Geographic Society e pela Universidade da Geórgia, este projeto surgiu para enfrentar o problema do lixo marinho, ajudando a contabilizar a quantidade de lixo encontrado nas costas e mares ao redor do mundo. Em 2010, a NOAA e a Universidade da Geórgia desenvolveram um aplicativo que permite a qualquer pessoa registrar o lixo encontrado no ambiente marinho. O cientista cidadão pode usar um celular para registrar o tipo de material encontrado e o local exato. Desde então, os dados coletados têm sido fundamentais para a NOAA entender a gravidade e a distribuição desse problema, além de fornecer informações valiosas para pesquisadores ao redor do mundo. Hoje, o aplicativo continua a ser amplamente utilizado, formando um banco de dados global que ajuda na luta contra a poluição marinha.

No Brasil, o projeto #DeOlhoNosCorais é outro exemplo fascinante. Idealizado pelo Laboratório de Ecologia Marinha da UFRN, o projeto visa monitorar a saúde dos corais ao longo da costa brasileira. Envolvendo mergulhadores que tiram fotos dos corais e as compartilham com o projeto, essa iniciativa permite um acompanhamento detalhado e constante do estado dos corais. Além disso, o #DeOlhoNosCorais se destaca pela sua divulgação científica, compartilhando as fotos recebidas e informações importantes sobre os corais com o público. O projeto coleta dados sobre a saúde dos corais no Brasil por 6 anos, incluindo ao longo de eventos de branqueamento, mostrando como a ciência cidadã pode fazer a diferença na proteção do nosso oceano.

Em escala menor, o projeto Cadê o Berbigão também foi uma iniciativa que ajudou a fornecer informações para proteção do Berbigão (Tivela mactroides), uma espécie vulnerável do Livro Vermelho da Fauna de São Paulo. Criado por Thaís Rech, no Laboratório de Ecologia e Manejo Costeiro do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, o projeto identificou em quais praias o Berbigão Tivela mactroides pode ser encontrado. Ao longo de 2018, as pessoas que visitavam as praias do Litoral Norte do estado eram convidadas a tirar fotos do berbigão e enviar para a página do projeto no Facebook. Os resultados foram divulgados em 2019, e a partir das informações fornecidas por quem se engajou com a ciência cidadã, foi possível conhecer melhor os desafios enfrentados pela espécie. O projeto também mostrou uma maneira de coletar informações sobre espécies ameaçadas, melhorando sua gestão.

Crianças durante atividade de coleta de dados em praias do Projeto Monitoramento Mirim Costeiro, em Ubatuba, São Paulo. (Fonte: Acervo MMC Ubatuba)

Um exemplo envolvendo crianças em idade escolar, o Projeto Monitoramento Mirim Costeiro (MMC), do instituto MMC, vem colocando crianças como protagonistas da pesquisa realizada nas praias de seus municípios. Iniciado em Santa Catarina, em 2012, o projeto foi para Ubatuba (SP) em 2019 e tem atuado junto às escolas para promover processos de educação científica e formar as crianças para atuarem como Guardiãs Mirins do Oceano. Em 2023, com o apoio do Programa Petrobras Socioambiental, o projeto expandiu-se para levar a cultura oceânica para comunidades indígenas, quilombolas e caiçaras com a criação de um Mini Museu do Mar, uma van equipada com ferramentas de pesquisa como lupas e microscópios. Além disso, o projeto participa de eventos como fóruns, campeonatos de surf e limpezas de praia.

Esses projetos mostram a variedade de aplicações da ciência cidadã. Os campos de estudo são muitos, da mesma forma que as atividades. A ciência cidadã não é apenas uma ferramenta para os cientistas, mas uma oportunidade para cada pessoa contribuir ativamente para a saúde do nosso planeta. Uma coisa bem legal é que a ciência cidadã está cada vez mais difundida, e você pode procurar projetos para participar no planeta inteiro. São tantas opções que um dos melhores caminhos é começar procurando em plataformas dedicadas a essa prática como a CIVIS, que traz projetos do Brasil, ou plataformas internacionais como a Anecdata, Scistarter (em inglês) e Zooniverse. Já se o seu interesse na ciência cidadã for mais em criar um projeto ou se juntar a uma organização, a Rede Brasileira de Ciência Cidadã, um espaço de diálogo entre pesquisadores e praticantes de atividades de ciência cidadã, é um ótimo lugar para começar. Então, agora é só escolher o seu projeto favorito e começar a contribuir! 

Para saber mais

[1]   DE PIERRO, B. Parceria com o público. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/parceria-com-o-publico/>. Acesso em: 17 set. 2024.

[2] MARTINS, D. G. D. M.; CABRAL, E. H. D. S. Panorama dos principais estudos sobre ciência cidadã. ForScience, v. 9, n. 2, p. e01030, 29 out. 2021. 

[3] MCKINLEY, D. C. et al. Citizen science can improve conservation science, natural resource management, and environmental protection. Biological Conservation, v. 208, p. 15–28, abr. 2017.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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