Reportagens

Floresta à beira-mar

Na Restinga da Marambaia, a natureza conseguiu manter florestas à beira-mar e preservar espécies de plantas cada vez mais raras no litoral do Rio de Janeiro.

Carolina Elia ·
20 de janeiro de 2006 · 19 anos atrás


Quase que semanalmente, professores e principalmente universitários desembarcam na Ilha de Marambaia, cuidada pela Marinha, para estudar a vegetação desta parte do litoral fluminense composta de florestas firmes, alagadas, brejos, dunas e restingas. Ao todo são 11 tipos de formações vegetais onde se encontra desde as Ipomoea pes-capre,
aquelas florzinhas roxas que adoram se esticar em direção à arrebentação, até jequitibás. Os estudos são os mais variados e não se restringem à botânica. Pesquisa-se de morcegos aos nutrientes do solo, de ecologia a detalhes sobre uma única planta.


Mas a convivência de plantas tão diferentes não é sinal de uma alta biodiversidade à beira-mar. Por se tratar de um tipo de solo que oferece muita água, mas pouco oxigênio e nutrientes, este tipo de floresta é mais pobre em número de espécies do que outras. Em compensação, tem casos peculiares. Como um exemplar de Paullinia revoluta, uma espécie que hoje só é encontrada no Espírito Santo e na Bahia e que pesquisadores ainda não sabem explicar porque ela foi aparecer justamente na Marambaia. Há também um arbusto que tudo o que se descobriu é que ele pertence à família das Bignoniaceae e ao gênero Godmania. A sua espécie é um mistério, suas características não casam com as de plantas semelhantes guardadas nos herbários do Jardim Botânico e do Museu Nacional. Suspeita-se se tratar de uma espécie nova. “É muito comum encontrarmos na Marambaia plantas de difícil identificação. Algumas demoram até um ano para serem devidamente classificadas,” diz o ecólogo Luis Fernando Tavares de Menezes, professor da UFRRJ e autor de um
livro sobre a restinga.



“Essa é a vantagem de um trabalho multidisciplinar. Como ecólogo eu estudo o papel da planta neste lugar, mas é importante ter alguém na equipe dedicado a estudar as características das espécies para me garantir a identificação correta e completa”, diz Menezes. “É como se a gente fornecesse a ele a identidade, CPF e tipo sangüíneo da planta”, conta Hiram Baylão, 25 anos e estudante do curso de Engenharia Florestal. “Eu sempre quis trabalhar aqui na Marambaia e agarrei a primeira oportunidade. Isso aqui vale mais do que qualquer sala de aula”, compara.

Menezes concorda que a oportunidade de pesquisar na Restinga é valiosa. A língua de areia de quase 43 quilômetros de extensão que culmina numa ilha montanhosa está a 40 minutos de carro da universidade e os pesquisadores recebem alojamento, transporte e alimentação da Marinha, graças a um convênio entre as duas instituições.

“Se botar na ponta do lápis, a ajuda da Marinha equivale à verba dada a um projeto”, diz Menezes. O comandante do centro de adestramento naval na Ilha da Marambaia (Cadim), o Capitão de Mar-e Guerra Wilson Luiz de Lima Neves, não soube precisar quanto a Marinha gasta com o apoio logístico aos pesquisadores, mas respondeu: “A relação custo-benefício é tão favorável que passa a ser um investimento”. As vantagens seriam saber o que existe na restinga e receber ajuda para preservá-la.


Atualmente existem 26 alunos ligados ao Instituto de Biologia da UFRRJ envolvidos em trabalhos de pesquisa na Restinga. Quinze só do departamento de Botânica sob a coordenação de cinco professores. Além deles, pesquisadores do Jardim Botânico e do Museu Nacional também visitam a Marambaia constantemente para descobrir o que este acidente geográfico talhado pelo mar ao longo de milhões de anos protege a sete chaves do mercado imobiliário fluminense.

Leia também

Reportagens
31 de agosto de 2024

Em duas décadas, vegetação nativa perdida no Brasil tem quatro vezes a extensão de Portugal

Entre 2004 e 2023 foram convertidos 40,5 milhões de hectares de florestas para atividades produtivas, principalmente agropecuária, nos biomas brasileiros

Notícias
31 de agosto de 2024

Segundo dia do Seminário de Jornalismo Ambiental ((o))eco aborda o potencial das novas mídias

O último dia do evento contou com três mesas de conversa, entrevista com Andrew Revkin e uma solenidade em comemoração aos 20 anos de ((o))eco

Notícias
30 de agosto de 2024

Desafios e futuro da preservação ambiental marcam 1º dia do Seminário de Jornalismo Ambiental ((o))eco

Evento marcou o início da comemoração de 20 anos de ((o))eco, com mesas de conversa, entrevistas, mostra de cinema e lançamento da Bolsa Reportagem Vandré Fonseca de Jornalismo Ambiental

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.