Reportagens

Ruralistas no caminho

O PL da Mata Atlântica ainda não foi votado na Câmara porque partidos defendem interesse de proprietários de terras a especularem sobre o valor da floresta, morta.

Carolina Mourão ·
20 de abril de 2006 · 18 anos atrás

Depois de uma carreira de 14 anos nas gavetas do Congresso, o Projeto de Lei da Mata Atlântica agora depende de um acordo com PFL e PP para ir a votação na Câmara. Em 14 de fevereiro, no último dia da convocação extraordinária, aconteceu o que parecia ser o mais difícil: a aprovação do PL no Senado e alterações no artigo 46, que abria brechas para a cobrança de indenizações milionárias por donos de terras cobertas por Mata Atlântica. Como de praxe, as alterações obrigam o texto a ser votado novamente pelos deputados. Mas nesse retorno à Casa, o PL esbarrou com os interessados em manter o artigo 46 intacto.

Em 2003, quando o texto ainda estava na Câmara, no apagar das luzes, os ruralistas incluíram no artigo o termo “potencial de uso” da terra desapropriada, que permite as especulações chegarem a números estratosféricos no ato de entrega do terreno para o Estado. “Isso ia virar uma indústria bilionária. Em Ubatuba, um proprietário de terra entrou com uma ação de desapropriação pedindo 1 bilhão de reais para o Estado pelo “potencial” de construir pousadas e outros empreendimentos lucrativos no futuro. Ganhou”, alerta Mário Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica. Casos semelhantes chamaram atenção de governantes, que pediram para os senadores alterarem o artigo 46.

No Senado, o termo foi substituído por “efetivo e concreto uso”, o que limita a margem de lucro dos donos de terras – alguns deles deputados ruralistas – a atividades existentes.“Os senadores apenas impediram a tentativa de alguns proprietários de terra de ficarem ricos às custas do dinheiro do Estado”, completa João Paulo Capobianco, Secretário de Biodiversidade de Florestas do Ministério do Meio Ambiente.

Capobianco afirma que é inaceitável o retorno do termo “potencial do uso da terra”, como querem alguns ruralistas, mas diz que é preciso chegar a um acordo de líderes para a votação do projeto. “Estamos trabalhando muito para chegar a um entendimento razoável, mantendo sempre o projeto na pauta de votação”.

O acordo

Um acordo foi firmado entre as lideranças partidárias no começo do ano para que a nova lei fosse aprovada na Câmara a tempo de ser anunciada pela ministra Marina Silva na 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 8), realizada em Curitiba entre os dias 11 e 29 de março. No evento, ongs já comentavam que parlamentares ligados a ruralistas, madeireiras e imobiliárias estavam fazendo um pesado lobby para obstruir a votação por dois motivos: interesses pessoais e vício de praticar oposição. A agência de notícias Carta Maior chegou a apontar no dia 28 de março os deputados Ronaldo Caiado (PFL-GO), Rodrigo Maia (PFL-RJ) e Odacir Zonta (PP-SC) como os articuladores da obstrução.

Durante a COP 8, a ministra Marina Silva chegou a deixar Curitiba e ir a Brasília somente para conversar com parlamentares a favor da votação do projeto. Em sua ausência, no dia 23, uma de suas filhas que tem quase a idade do PL foi até o presidente da Câmara, Aldo Rabelo, pedir pelo projeto. Mas quando o PL chegou à pauta de votação, a 10 minutos do fim da seção, e Inocêncio Oliveira se dispôs a aprovar se não houvesse oposição, o deputado Zonta foi contra. Disse não estar de acordo com o artigo 46.

Neste mesmo dia, Rodrigo Maia foi acusado de romper o acordo feito com o governo. Sua assessoria alegou que o líder do partido na data era o deputado Ronaldo Caiado, também do PFL, líder da oficiosa bancada ruralista na Câmara. Mas Ronaldo Caiado disse claramente que estava lá interinamente a pedido de Rodrigo Maia, para impedir que o projeto fosse votado nos termos do Senado.

“Alguns deputados ruralistas estão usando uma lei em defesa da vida para chantagear a sociedade brasileira. São autoridades que estão se valendo de seu poder para defender de seus interesses pessoais. Trata-se de negócios, grana, trata-se do artigo 46”, afirma Mantovani.

Rodrigo Maia diz que o seu partido está dividido sobre o tema e que “a tendência do PFL é acompanhar o texto do Senado, acordando com o governo de que não haverá vetos”. Mário Mantovani afirma que Rodrigo responde de forma a confundir a sociedade em relação à sua participação no episódio e está claro que se eles fossem a favor do texto do Senado, não teriam obstruído a votação. Deputados como José Sarney Filho (PV-MA), Luis Carreira (PFL-BA) e Luciano Zica(PT-SP) trabalham nos bastidores pelo fim do impasse ou por uma forma de levar o PL a votação sem acordo. Uma fonte do PFL diz que o principal argumento de Carreira para convencer os ruralistas a aceitarem a proposta do Senado é que a volta do texto original fará com que o artigo seja vetado pelo presidente Lula, como já foi anunciado por diferentes integrantes do governo. Por isso mesmo os ruralistas fazem de tudo para impedir a votação do projeto, porque se for à plenária as chances de ser aprovado são grandes.

“A melhor saída será disputar a aprovação do PL de Mata Atlântica no voto, sem ter que fazer concessões”, diz o deputado Luciano Zica. “O que estamos tentando assegurar com o presidente Aldo Rabelo é a colação do PL na pauta de votação numa semana sem feriados e com plenário cheio”.

As apostas são para maio e a torcida é para que o projeto seja votado até junho a qualquer custo. Para isso, conta-se com a pressão da sociedade. No dia 17, foi realizada uma reunião em São Paulo pelo Instituto Ethos e a ong SOS Mata Atlântica em desagravo ao boicote imposto ao PL em Brasília. No ato, empresários de peso, esportistas famosos, ambientalistas e representantes da sociedade civil deram apoio à urgência do projeto. Para começar, os empresários paulistas do setor de celulose vão entrar em contato com os gabinetes para saber dos deputados, pessoalmente, o que foi que houve para o adiamento e pressionar a votação. O jogador de futebol Raí e a jogadora de basquete Paula também se comprometeram a brigar pela causa.

Na página da ong SOS Mata Atlântica foi criado um espaço para enviar emails a favor da aprovação imediata da lei, de uma só vez, para todos os gabinetes. “É bem prático e ajuda a pressionar”, incentiva Mantovani. “Em menos de 15 dias já tivemos mais de 3 mil clicks. É um sinal de que a sociedade quer a aprovação”, comemora. E quem quiser se reportar diretamente à ministra Marina Silva, que prometeu se dedicar com afinco à aprovação do projeto, basta escrever para [email protected].

A cada minuto derruba-se um campo de futebol de Mata Atlântica para colocar em seu lugar qualquer outra coisa. O objetivo principal do projeto de lei é definir regras para o uso deste patrimônio nacional do qual hoje só restam 7,5% da cobertura original e , ainda assim, beneficia diretamente 120 milhões de brasileiros. É esta floresta sem lei que garante a saúde das bacias hidrográficas do Sul e Sudeste do Brasil e ajuda a regular o clima, a temperatura, a umidade e as chuvas da região.

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