Da estréia polêmica ao trágico último ato, a carreira de Big Guy mal durou um mês. Mas, dez anos depois que saiu de cena, começa a ser contada como uma história do tempo em que os bichos falavam. Apareceu em livro meses atrás e virou uma nova saga do ambientalismo americano. Do livro, que se chama “Decade of the Wolf”- ou seja, “década do lobo”, – veio parar este mês na revista “Backpacker”, que está fechando 2005 com uma edição dedicada aos parques nacionais nos Estados Unidos.
Big Guy era um lobo. Lobo mesmo, Canis lupus irremotus, de pelos beges e lombo escuro. Vinha do Canadá. E foi solto na neve de Yellowstone, o primeiro parque nacional do planeta, encravado entre os estados do Idaho, Montana e Wyoming, em janeiro de 1995. Naquele mês, quando 14 lobos foram trazidos do Canadá para repovoar Yellowstone, havia quase 70 anos que a espécie, inscrita na lista de animais em vias de extinção, não aparecia por lá.
Quatro semanas depois do desembarque, Big Guy foi morto e esfolado por um caçador. Trinta lobos levariam o mesmo fim nos anos seguintes, vítimas de uma guerra local contra sua presença. Ou, como disse na ocasião o ecologista Mike Philips, chefe do Projeto de Restauração do Lobo em Yellowstone, de uma “controvérsia” sobre os lobos. Mas controvérsia é pouco, para uma briga feroz de 20 anos que deixou até hoje processos pendurados na justiça americana, tentando impedir que as autoridades pusessem em prática a teoria de que grandes predadores são instrumentos vitais para a conservação da natureza.
Onde eles faltam, o que fica em seu lugar é um cenário que pode ter a uma aparência muito saudável nas fotografias. Mas está morrendo lentamente, envenenado por desequilíbrios que aos poucos minam a cumplicidade entre sua fauna e sua flora. É em nome dessa idéia que o biólogo Michael Soulé quer entregar às feras a administração das reservas de vida selvagem nos Estados Unidos.
Mas esse era só o argumento científico em favor do lobo. Contra ele havia alegações bem mais fortes, como cartazes chamando-o de “Saddam Husseim do mundo animal”. E os fazendeiros temiam que ele devoraria rebanhos inteiros, como fez com a avó de Chapeuzinho Vermelho. Dez anos atrás, empurrados por sentenças judiciais em sessões que exigiram a presença de guardas armados, os biólogos venceram. E o resultado é que, atualmente, nada menos do que 170 lobos passeiam por Yellowstone.
E antes que se pergunte o que o parque ganhou com isso, Douglas Smith e Gary Ferguson, definem a “década do lobo” pelo tempo que a vegetação original ressurgiu nos vales de Yellowstone, onde os alces já não pastam com a voracidade do tempo em que não havia alcatéias de olho neles. Rebrotando, os salgueiros e choupos trouxeram de volta os castores. As represas feitas por esses roedores criaram lagoas temporárias que atraem aves e répteis. Há menos coiotes e mais antílopes. As raposas se multiplicaram. E ultimamente deu para aparecer por lá um novo tipo de turista, o que vai só para ver lobos. Ele deixa no comércio local a bagatela de US$ 23 milhões.
Parece que o parque tem tirado proveito até dos uivos. Eles compõem, pela sonoplastia, a sensação de estar em contato com um ambiente genuinamente primitivo, o que impressiona – bem – os visitantes. E os fazendeiros, o que perderam? Pelo visto, nada que o livro se dê ao trabalho de pôr na balança. Por razões que nem os cientistas explicam, os lobos de Yellowstone ainda não se interessaram pelos carneiros da vizinhança. Têm preferido carne de caça.
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