Reportagens

A Batalha do Tapajós

Greenpeace bloqueia desembarque de soja no porto da Cargill em Santarém e os sojicultores reagem tentando invadir navio da Ong. Embate terminou na polícia.

Manoel Francisco Brito ·
19 de maio de 2006 · 18 anos atrás

Eram 8:30 da manhã desta sexta-feira, 19 de maio, quando o Arctic Sunrise, navio do Greenpeace, despontou nas águas do rio Tapajós em frente ao terminal da Cargill no porto de Santarém, Oeste do Pará, e baixou três botes infláveis com 15 pessoas à bordo, entre eles seis alpinistas. Tinham a missão de escalar as torres do terminal para abrir uma imensa faixa com os dizeres “fora Cargill”. Foi o início de um dia de intensas escaramuças entre os ativistas da Ong, sojicultores e funcionários da multinacional que terminou com a prisão de 21 pessoas – 18 ativistas do Greenpeace, um funcionário da empresa e um sojicultor – e a certeza de que o fim de semana na cidade provavelmente continuará tenso.

Os alpinistas da Ong, que há dois meses plantou um pequeno exército de militantes em Santarém para denunciar os desmatamentos ilegais provocados pelo avanço da fronteira da soja na Amazônia, alcançaram seu primeiro objetivo. Mas, segundo o Greenpeace, a reação dos adversários foi violenta. Atingidos por jatos d’água lançados do chão, eles não conseguiram abrir a faixa. Um deles, Artur Esteves, foi forcado a descer de uma das torres e levou um soco tão logo tocou o solo. Ficou com o nariz quebrado. O embate chegou ao rio Tapajós. Voadeiras com sojicultores tentaram tomar de assalto um dos botes e quebraram um dedo do fotógrafo Ricardo Beliel, que estava à bordo.

A ação da tropa de escalada atraiu a atenção de sojicultores e empregados da Cargill. A Polícia Federal estima que juntos, eles somavam cerca de 250 pessoas. Distraídos com o que acontecia em torno das torres do terminal, esqueceram-se momentâneamente do Sunrise. “Foi a deixa para nós o colocarmos em ação”, contou Paulo Adario, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace. O capitão, Valdemar Wittman, manobrou a embarcação de modo a deixá-la entre uma balsa que se preparava para desembarcar soja e o terminal. Teve sucesso na manobra, mas o navio, com 23 pessoas à bordo, passou a ser alvejado pela oposição que estava em terra com rojões, pedras e, novamente jatos d’água disparados do pátio da empresa.

Em São Paulo e Manaus, membros do Greenpeace, informados do que acontecia em Santarém, começaram a disparar e-mails relatando o início do confronto e pedindo aos seus destinatários que se mobilizassem para garantir a segurança da turma que fazia os protestos no terminal da Cargill. O ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, foi avisado e colocou a Polícia Federal em alerta. João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, deslocou-se até o Palácio do Planalto para expressar sua preocupação.

A oposição invade o navio

No porto, os seis alpinistas receberam ordem de prisão de um destacamento da PM estadual. Junto com eles foi preso o funcionário da Cargill. A tripulação dos botes, mais nove pessoas, também foram em cana. Mas como entre os ativistas havia estrangeiros, e diante da manobra do navio que impedia o descarregamento da soja no porto, área sob jurisdição federal, a Polícia Federal foi mobilizada. Os agentes demoraram a chegar porque estavam envolvidos desde cedo numa operação para capturar traficantes da região de Santarém. “Estávamos fazendo oito prisões quando recebemos a ordem de nos deslocar para o porto”, disse o delegado Ualame Machado, que depois de deixar os bandidos na delegacia, adentrou o terminal da Cargill com uma equipe de 50 agentes.

Lá, Machado, que é lotado na Superintendência da Federal de Belém e já debateu ações policiais com Adario, subiu à bordo do Arctic Sunrise seguido por 20 policiais federais e alguns PMs. Sua presença acalmou a fúria da multidão aglomerada na área do terminal da Cargill. O delegado aproximou-se da ponte de comando da embarcação, onde estavam Adario e Wittman e, enquanto pedia que eles retirassem o navio do Greenpeace do local, tentou conter um grupo sojicultores que, em cinco embarcações, rondavam o navio tentando invadí-lo. Dez deles chegaram ao convés. Mas foram convencidos a recuar.

“Eu conversava com os sojicultores, pedindo calma e dizendo que a situação estava sob contrôle, sugerindo que eles fossem embora”, disse Machado. “Mas eles não paravam de rondar o navio. A coisa estava ficando tensa e voltei a pedir ao pessoal do Greenpeace para levar a embarcação para longe do porto”. Em vão. Os policiais não tiveram outra opção a não ser iniciar uma operação para invadir o navio. “Não tinha jeito. A pressão dos sojicultores nos barcos estava aumentando. Se não fizesse algo, iríamos ter que enfrentar os atacantes”. Os agentes federais começaram a tentar quebrar uma das escotilhas da ponte.

Adario e Wittman foram para o porão do navio, onde estavam outros 23 militantes da Ong, e os dois se acorrentaram ao casco. Os agentes conseguiram acesso à ponte de comando e chegaram até a sala de rádio, onde encontraram o operador e uma assessora de imprensa do Greenpeace. Ambos receberam ordem de prisão. Já passava de 10:30 e o saldo da refrega naquele momento, além dos feridos, era de 19 prisioneiros. Os políciais foram atrás do outros militantes que estavam no barco, tarefa razoavelmente complicada para quem não está habituado a navegar pelo labirinto de escotilhas e corredores que é o Arctic Sunrise.

Sojicultores soltam nota

Enquanto os policiais tentavam se orientar dentro do navio, dois rebocadores, enviados pela Capitania dos Portos, começaram a rebocá-lo para cerca de 1, 5 milha náutica de distância da Cargill, onde ele foi fundeado. Dando marretadas nas escotilhas para abrí-las, os agentes federais finalmente chegaram ao porão. Os ativistas que não estavam acorrentados receberam ordem de subir para o convés. Adario ouviu de uma agente um apelo. “Poxa, Paulo, a gente já fez tanta operação juntos. Se solta e vamos sair”. Mas nem ele e nem o capitão tinham mais as chaves. As correntes foram cortadas com alicates e os dois foram levados presos para o porto.

Quando entrava no carro da polícia, Adario foi ameaçado de morte por um homem que saiu da multidão de sojicultores. Era cerca de uma da tarde e a ação se transferiu para a delegacia da Polícia Federal em Santarém. Enquanto os ativistas eram fichados e indiciados por desobediência civil, cerca de 40 sojicultores cercaram o prédio. Gritaram contra a presença de Adário e da Ong em Santarém, jogaram pedras, mas acabaram convencidos pelos policiais a sair de lá.

Voltaram por volta das cinco da tarde em carreata. Pararam, fizeram discuros e se postaramnovamente diante da delegacia. “Não sei se é seguro sairmos. Acho que vamos passar a noite aqui”, informava ao cair da noite o advogado do Greenpeace, José Maria Vieira Jr. Ao saber dessa possibilidade, o delegado Machado disse que nem pensava no assunto. “Eles vão sair. Os sojicultores estão indo embora e eu também quero acabar o dia”, disse. O Sindicato dos Produtores Rurais de Santarém soltou uma nota assinada pelo seu presidente, Adinor dos Santos.

O texto afirma que o Greenpeace violou a lei paralisando o porto e acusa seus ativistas de agressão contra um funcionário da Cargill. A nota reconhece que a Ong tem o direito a fazer protestos e lamenta que algumas das pessoas ligadas aos sojicultores incorreram no que chamou de excessos. Diz que o sindicato não recomendou reprimir a manifestação da Ong e promete expulsar qualquer sojicultor envolvido em violências de seus quadros, se forem identificados. A nota prossegue afirmando que a entidade é a favor do plantio da soja e que rejeita a condição de que os sojicultores são os novos “vilões” do desmatamento na região.

Louro sem destino

Pouco antes de deixar a delegacia rumo ao barco do Greenpeace, onde ele os ativistas iriam passar a noite, Adario recebeu de um dos agentes um papagaio apreendido com os traficantes que foram presos cedo de manhã. Os policiais não tinham idéia para onde poderiam levá-lo. Deixá-lo no escritório regional do Ibama, nem pensar. Seus funcionários aderiram à greve nacional decretada pelo sindicato que representa os empregados do órgão. Os agentes imaginaram que Adario, como bom ambientalista, saberia o que fazer com ele. Como não sabia, o bicho ficou na delegacia.

Adario acha que a ação do Greenpeace na sexta–feira no porto de Santarém foi um estrondoso sucesso. “Paralisamos o desembarque da soja e chamamos, mais uma vez, atenção para os desmatamentos que estão sendo provocados pela expansão da fronteira agrícola”, disse. A reação violenta dos sojicultores só fez aumentar a reverberação dos protestos da Ong, sempre marcados por ações teatrais para atrair a atenção da mídia. Ao partirem para o confronto, a Cargill e os plantadores de grãos da região de Santarém acabaram ajudando a ampliar o palco armado pelo Greenpeace. Apesar dos perigos que andam encarando em Santarém, Adário e seus ativistas estão adorando.

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