Reportagens

As cataratas sumiram

A atração mais famosa do Parque Nacional do Iguaçu virou uma muralha de pedra decorada com fios de água. O fenômeno é raro, mas espanta os turistas que querem o cartão-postal.

Eric Macedo ·
11 de agosto de 2006 · 18 anos atrás

Por obra da seca, as Cataratas do Iguaçu viraram filetes de água e revelaram neste inverno a beleza oculta dos seus paredões de rocha vulcânica, que podem chegar a ter 165 milhões de anos e estão sempre cobertos pelas famosas quedas. Diante da mais severa estiagem a castigar o Paraná em 70 anos, o cartão-postal do Parque Nacional do Iguaçu é outro.

Só uma queda, a Garganta do Diabo, resiste mais forte à magreza do rio Iguaçu, cuja cabeceira não sabe o que é chuva boa desde o fim de junho e não sente cair um pingo do céu desde o começo de agosto. Na última quinta-feira, dia 10, a vazão era de 220 metros cúbicos (mil litros) de água por segundo. A média anual fica entre 1200 e 1500 metros cúbicos.

Pelos registros do parque, a água só não está mais baixa do que em 1978, quando o volume caiu para a casa dos 100 mil litros por segundo. “Aquele também foi um ano muito seco, inclusive o rio Paraná [em que deságua o Iguaçu] foi bastante afetado”, diz o biólogo Apolônio Rodrigues, chefe da área de conservação e manejo do parque.

Mas apesar da paisagem rara, a maioria dos visitantes fica frustrada de não poder testemunhar a força das Cataratas do Iguaçu. Em julho, a visitação do parque caiu em 20% comparada ao mesmo mês de 2005. Segundo Rodrigues, muita gente cancelou a ida às cataratas ao saber da estiagem. E teve quem pedisse o dinheiro de volta ao não encontrar o que esperava. Experiência parecida passa o turista que comprou com antecedência pacote com direito ao “Macuco Safári”, famoso passeio de barco que leva os mais corajosos até o pé das cataratas, mas que está suspenso há mais de um mês por conta das pedras que apareceram no caminho.

Com os passeios de barco cancelados ou encurtados, a procura por atividades alternativas envolvendo caminhadas, bicicleta e canoagem, aumentou. Segundo Jomielli Sivério, do departamento comercial da Macuco Aventura (empresa que oferece o serviço), o número de pessoas interessadas nas trilhas do Poço Preto, com 9 km (135 reais), e das Bananeiras, com 1,5 km (30 reais) aumentou de 40 para 150 a 160 por dia. E muitos trechos que antes eram feitos de barco agora se tornaram uma rota exclusiva para os caiaques.

Outros culpados

Segundo o biólogo Apolônio Rodrigues, a natureza não é a única culpada pela fraqueza das cataratas. Ele afirma que elas tem tido momentos de baixo volume por ficarem a mercê da operação das cinco hidrelétricas localizadas mais acima no rio Iguaçu. “Se o rio não estiver com cheia, eles seguram a água no fim de semana e só voltam a liberá-la na segunda-feira, quando eles produzem mais energia. Nós ficamos uns dois dias com volume de água baixo”, conta.

Segundo a assessoria de imprensa da Companhia Paranaense de Eletricidade (Copel), a operação das usinas tanto pode “emagrecer” quanto “engordar” a foz do rio. No caso desta seca, por exemplo, a situação talvez fosse ainda mais crítica caso não houvesse as represas. A quantidade de água que chega às usinas pode ser mais baixa do que a liberada por ela, uma vez que a lei determina um fluxo mínimo para essa saída. Assim, diz a Copel, parte da água que ainda escorre pelas cataratas pode ser proveniente do “estoque” nos reservatórios.

Já o meteorologista Marcelo Brauer, do Simepar (Serviço de Informação Meteorológica do Paraná), diz que o fenômeno La Niña tornou as chuvas irregulares ao longo do verão e teve seus efeitos prolongados na estação seguinte, causando a seca do outono. Durante o inverno, massas de ar quente têm feito verdadeiros bloqueios atmosféricos para impedir a chegada de frentes frias na região. Quando elas conseguem furar a barreira, às vezes provocam chuvas no Centro e Sul do estado, mas chegam em Curitiba fracas. A previsão do tempo não é das mais animadoras para quem quer ver as cataratas de volta à boa forma – só começa a chover de verdade no fim de setembro. “Este ano está sendo atípico. Só a avaliação que faremos ao fim do inverno poderá dizer o porquê disso”, afirma Brauer.

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