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Nem tudo é sombra: vide o prêmio da Fundação Banco do Brasil

Os jornais preferem más notícias, mas projetos inovadores estão melhorando a vida de muitos brasileiros. Alguns foram premiadas pela Fundação Banco do Brasil.

15 de dezembro de 2005 · 19 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

Aproveito minha coluna para relatar eventos e discorrer sobre temas que a mídia quase não cobre, talvez por serem positivos.

Quando lemos jornais, revistas ou ouvimos noticiários televisivos só podemos nos sentir desanimados, desestimulados e até enojados com tamanha sujeira e com barbáries que vêm ocorrendo na atualidade. Não que tenhamos que ficar alienados, mas devemos também ser informados de fatos positivos e de pessoas que se dedicam a transformações socioambientais que favorecem a coletividade. Talvez por não ser sensacionalista, esse tipo de notícia não emplaca nas manchetes dos veículos de comunicação. Com isso, sobra para nossos olhos, mente e alma uma negatividade que acaba contagiando e contribuindo para que as pessoas se sintam impotentes em se mobilizar por mudanças e em se envolver em causas que façam diferença. Acabamos, assim, sendo drenados à inércia e à passividade, ao invés de estimulados à participação.

A mídia cobre, sim, desastres e fatos que geram polêmica. Nesse sentido talvez tenha contribuído para a percepção das primeiras crises ecológicas planetárias, que acabou levando a uma reflexão sobre o processo educacional tradicional. Em meados dos anos 70, com os primeiros grandes desastres causados por desequilíbrios ambientais que decorriam do próprio modelo de desenvolvimento insustentável, ficou clara a necessidade de se repensar o sistema educacional que estimulasse o ser humano a se tornar mais conhecedor, sensível, preocupado, consciente, envolvido e ator em mudanças que garantam um futuro mais equilibrado. Esses são alguns dos pilares da educação ambiental, que surgiu como resposta às novas demandas de um mundo em transformação.

A educação ambiental tem por base a sustentabilidade, incentivando práticas que sejam de longo prazo, evitando o imediatismo e a inconseqüência no uso dos recursos naturais. Assume, também, ser imprescindível a justiça social, direcionando as ações à redução das discrepâncias entre os poucos que têm e os muitos que não têm, e questionando o padrão de consumo e seus efeitos devastadores para o planeta.

Empreendedores do bem

Ora, como é possível motivar participação se o próprio sistema educacional se baseia em um enquadramento das pessoas dentro de padrões pré-estabelecidos? Há séculos que a prioridade está no racional em detrimento do emocional e do sensível. Fomos criados para responder a demandas que aguçam competitividade e não generosidade. Pensar a coletividade pode representar, mesmo que sutilmente, perda financeira, perda de tempo e perda de energia.

Felizes aqueles que descobriram que este pode ser um ledo engano. Pessoas que tiveram a coragem de investir em causas ideais, cujos propósitos são para beneficiar muitos, demonstram vibração, força, determinação e persistência. São inúmeros os exemplos de pessoas que vêm se dedicando a projetos com repercussão ampla e, mesmo que não cheguem a riquezas econômicas, acabam conquistando reconhecimento, inclusive, por vezes, com algum retorno financeiro.

Resta saber quais os componentes educacionais que levaram esses empreendedores do bem a agirem ao invés de se prostrarem diante das realidades conflitantes comum a todos. O que será que leva as pessoas e se indignarem com injustiças ou com perdas ambientais e resolverem agir? Esse é um assunto merecedor de atenção, pois talvez sejam essas as questões dignas de pesquisa no campo educacional. Esses líderes podem ser os verdadeiros educadores que o mundo precisa e com a máxima urgência.

Recentemente, pudemos presenciar um desfile de exemplos que vêm transformando o Brasil para melhor. A Fundação Banco do Brasil (FBB) acabou de promover a terceira edição do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, criado para homenagear e apoiar experiências exitosas. O título não define bem o que de fato representa, pois à primeira vista parece demandar a descoberta de um equipamento, o desenvolvimento de uma máquina ou a criação de um artefato que solucione problemas específicos. No entanto, não é bem assim. Textos distribuídos pela própria FBB descrevem o objetivo da iniciativa da seguinte forma: “difundir iniciativas sociais” (quem sabe um dia passem a adotar o termo socioambiental e não somente social) “que tenham o poder de transformar positivamente a realidade de comunidades excluídas ou em risco de exclusão social”.

Os temas contemplam soluções para água, alimentação, educação, energia, habitação, renda, saúde, meio ambiente, recursos hídricos e aqueles ligadas aos direitos da criança e do adolescente. Dentre as formas de atuação estão metodologias, adoção de práticas específicas e o uso de equipamentos de forma inovadora ou mesmo a criação de determinados mecanismos, todos com aplicação prática, direcionada a responder questões muitas vezes emergenciais, ou aquelas que atingem comunidades esquecidas pelos tomadores de decisão. Trata-se, portanto, de uma oportunidade de identificar e reconhecer iniciativas espalhadas por todo o território nacional.

Realidades transformadas

O prêmio da FBB ocorre a cada dois anos. Na edição de 2005 foram 40 finalistas, cinco em cada uma das oito categorias, sendo três temáticas (educação, criança e adolescente e água) e as outras escolhidas dentre as regiões onde ocorrem. Este ano, o prêmio recebeu mais de 600 inscrições, das quais 105 foram certificadas como tecnologia social, entrando para a base de dados da FBB. Em cada categoria, um projeto foi escolhido como primeiro colocado, recebendo a quantia de R$ 50.000 (cinqüenta mil reais) para ser aplicada em seu fortalecimento e continuidade.

Portanto, a noite lembrava o “Oscar”, com muita emoção e vibração, principalmente porque se deflagravam realidades transformadas, quase sempre com soluções simples, de baixo custo, mas que beneficiavam muita gente e protegiam ou enriqueciam a natureza de suas respectivas regiões.

Os 40 finalistas mereceriam ser mencionados pela forma inspiradora com que conduzem seus trabalhos e pelos resultados alcançados. Todavia, por causa do interesse temático do O Eco, selecionei apenas as experiências com maior vertente ambiental.

Na área da educação, por exemplo, a Embrapa de São Paulo desenvolveu um conjunto de Cartilhas dos Jogos Ambientais da EMA, que valorizam a biodiversidade brasileira e estimulam o pensamento crítico, produzidas também em Braille. Na Pedagogia da Roda, em Curvelo, Minas Gerais, o ensino é feito ao ar livre, em baixo dos pés das árvores e a troca entre professor e aluno é aberta e constante, lembrando o ilustre educador Paulo Freire.

Na categoria recursos hídricos, as experiências incluíram a captação e Armazenamento de Água da Chuva desenvolvido pelo Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado, que garante bom uso de água o ano todo. O mesmo Instituto concorreu ao Húmus Sapiens, que promove um reaproveitamento de tudo o que é produzido, com base em práticas sistêmicas. No que se refere à recuperação de recursos hídricos poluídos pelo agronegócio catarinense, o Consórcio Iberê aplica um gerenciamento participativo intermunicipal para buscar soluções viáveis. Uma tecnologia inovadora foi criada pela Embrapa para formar o Lago de Múltiplo Uso, que retém a água e viabiliza a irrigação, reduzindo o custo energético antes necessário. Já na Baía da Guanabara, por causa do acúmulo de lixo, foi criado o Rio Ecobarreira pela Fundação Getúlio Vargas, que contém cerca de 10 toneladas de lixo ao mês, propiciando alternativas de emprego para catadores de produtos recicláveis. Por último, foi criado pela Universidade Federal de Mato Grosso o Sistema de Reuso de Água, que reaproveita os 100 litros utilizados nas máquinas de lavar, passando a redirecioná-los às descargas de banheiro.

Entre os finalistas da região Norte, destaca-se a Associação Andiroba, que criou o Crediselva, um sistema de microcrédito florestal, sem burocracia, para viabilizar apoio a pequenos empreendimentos com acompanhamento durante a implementação. No Pará, o projeto Manejo Comunitário de Camarão de Água Doce introduziu técnicas ecologicamente corretas e viveiros flutuantes que facilitam a venda e aumentam a renda dos participantes. Também no Pará, a Embrapa desenvolveu o manejo do açaí nativo, que amplia a produção em 75% em um período três anos e aumenta a lucratividade por meio do uso sustentável de outras espécies florestais. Já o Projeto Reca combinou o conhecimento tradicional da Amazônia com os saberes dos que vieram do sul do país, e criou um sistema agroflorestal que tira partido de espécies da floresta, embasando o beneficiamento e a comercialização em processos participativos.

Na região Nordeste, o Banco Palmas foi o vencedor, com a formação de uma teia de solidariedade que desenvolve, em uma favela de Fortaleza, um sistema de produção de itens que antes eram comprados, mas que passaram a ser trocados e comercializados com base em uma moeda criada para circular regionalmente. A Fundação Massambé de Cariri, Ceará, elaborou uma tecnologia que extrai óleo de babaçu, juntamente com mecanismos de organização comunitária, dobrando o rendimento das famílias envolvidas e dando a elas maior segurança no trabalho. No Sul da Bahia, a ONG Jupará é responsável pelo desenvolvimento de um biodigestor alimentado por esterco de boi, o que evita a queima de madeira antes retirada da Mata Atlântica, para a secagem das amêndoas do cacau.

Na região Sul novamente o camarão esteve presente. A Fundação Universidade do Rio Grande (FURG) desenvolveu mecanismos de criar camarões em cercados, aumentando a rentabilidade das famílias de pescadores artesanais.

Finalmente, a região Sudeste contou com o projeto Conquista de Terras em Conjunto, que acontece em Araponga, Minas Gerais, no qual a ênfase é a organização comunitária para a compra de terras em conjunto, possível com a criação de um sistema de microcréditos, pagos com as lavouras subseqüentes.

Prêmio para o Café

Não posso deixar de mencionar com orgulho a primeira colocação desta região aferida ao Projeto Café com Floresta, criado pelo IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, no Pontal do Paranapanema em São Paulo, instituição com a qual estou diretamente ligada. O projeto envolve 55 famílias de assentamentos rurais no plantio de árvores, juntamente com pés de café que passam a ser protegidos das geadas e intempéries da região. Com a re-introdução das árvores nativas, estão voltando espécies de insetos, aves e mamíferos, revitalizando a biodiversidade de um dos mais devastados ecossistemas de São Paulo, conhecido como Mata Atlântica do Interior. Como diz o coordenador do projeto, Jefferson Lima, “chega a ser irônico que o café, produto que causou a destruição de uma grande parte da Floresta Atlântica, seja agora o responsável por trazer a biodiversidade de volta a uma região tão devastada!”.

Além da lucratividade direta com a venda do café, os assentados passam a ter acesso a novos alimentos que são introduzidos, o que tem efeito na melhoria da saúde dos participantes e na redução dos gastos em supermercados. Os benefícios ambientais para os próprios lotes são inúmeros, pois aumenta a porosidade do solo e evita a erosão, protege a água e traz um certo frescor, importante em um clima predominado por altas temperaturas em grande parte do ano. Muitos assentados demonstram claramente a valorização da própria natureza e a alegria de terem animais e plantas perto de suas moradias, valores que garantem maior sustentabilidade de longo prazo ao “esverdeamento” que está ocorrendo na região em decorrência de uma série de projetos do IPÊ, inclusive o Café com Floresta.

Percebe-se, portanto, que tem muita coisa boa acontecendo que deveria reverter em notícias largamente divulgadas. São essas as fontes de inspiração pelas quais os brasileiros podem se orgulhar. Na verdade, a FBB não está sozinha. Organizações como Ashoka Avina e o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) são repletos de exemplos que mostram verdadeiras transformações. Muitas vezes partem do horror para chegar à beleza, o que alimenta esperança e a certeza de que se houvesse vontade e um sistema de educação que estimulasse essa nova maneira de se relacionar com o mundo, onde as pessoas assumissem mais responsabilidades na busca do bem coletivo, muita coisa, com certeza, seria diferente. Que essas organizações se perpetuem e encontrem mais e mais apoiadores.

Aliás, parabéns ao Banco do Brasil, à Petrobrás, à UNESCO e à PriceWaterhouseCoopers pelo apoio dado à premiação da FBB. Parabéns ao repórter Heródoto Barbeiro que tão eloqüentemente facilitou a noite do dia 24 de novembro, durante a cerimônia da entrega dos prêmios. Valem nosso reconhecimento pelo empenho em colaborar para um Brasil melhor.

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