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Kyoto, ou o caos

O Protocolo de Kyoto entra em vigor cercado de incertezas. O processo de tomada de decisão é lento e as iniciativas isoladas não têm futuro garantido.

12 de novembro de 2004 · 20 anos atrás

Com a ratificação pela Rússia, o Protocolo de Kyoto – que procura regular as emissões globais dos gases que causam o efeito estufa – finalmente entrou em vigor. Isso, no entanto, não quer dizer que o processo político esteja caminhando às mil maravilhas. Afinal de contas, os Estados Unidos, maiores emissores dos gases do efeito estufa (GEE) do mundo, não aderiram ao Protocolo, e tudo indica que não o farão. Além disso, é preciso lembrar que as regras em vigor se aplicam apenas ao período 2008 a 2012, e que as negociações para o período seguinte estão para começar.

Mas o mundo não pára, e a lentidão do processo de cima para baixo cria espaço para as iniciativas de baixo para cima. Está se criando uma situação bastante diferente daquela imaginada pelos iniciadores do processo. Em vez de um mundo organizado, onde todos os países resolvem em conjunto reduzir emissões dos GEE e buscam um consenso na distribuição de esforços, o que está surgindo é uma pluralidade de iniciativas, algumas locais, outras bilaterais, outras regionais e globais.

O seminário realizado no dia 10 de novembro na Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável mostrou que essa evolução coloca as empresas engajadas no processo em uma situação complicada. O modelo do Protocolo de Kyoto prevê uma meta de redução de emissões para cada país do Anexo I (os países desenvolvidos). Cada país tem um órgão de governo encarregado de fazer com que essas reduções ocorram, usando, de maneira geral, critérios mais ou menos técnicos, mais ou menos políticos para distribuir as suas alocações de emissões, e permitindo alguma negociação de direitos de emissão. As principais virtudes do modelo estão no seu caráter global, proporcional ao desafio, na relativa transparência das metas numéricas e na legitimidade conferida pelo consenso quase global. Mas ele também tem defeitos: a necessidade de unanimidade dá poder de veto a todos os participantes, quase garantindo que ninguém ficará satisfeito com a qualidade do resultado. O processo de tomada de decisão é lento e a aplicação das decisões extremamente complexa e burocrática.

Diante da lentidão e aparente insuficiência do processo de Kyoto, e diante da atitude negativa de muitos governos, o que resta é a incerteza – com relação às normas, jurisdições e ainda com relação ao efeito econômico de tudo isso. É um ambiente típico de fronteira, ou de “Velho Oeste” como dizem alguns, onde quem declarar a posse sobre um pedaço de território fica com ele. É um ambiente que favorece o ganho rápido, e não o investimento de longo prazo. Não surpreende, portanto, que já tenha surgido uma quantidade enorme de consultores e corretores dispostos a fincar suas bandeiras no novo território. Eles cumprem um papel importante, ajudando a definir as regras do novo mercado e mostrando que é possível operacionalizar conceitos altamente abstratos. Mas eles não serão capazes de produzir sozinhos os resultados desejados. Para isso será necessário investimento pesado, seja na redução de emissões, seja em projetos de seqüestro de carbono.

E de onde virá esse investimento? Representantes de grandes empresas brasileiras presentes no seminário deixaram bastante claro que ainda não vêem as condições mínimas de previsibilidade para fazê-los. Parece haver um consenso de que os mercados já existentes de direitos de emissão não dizem muito, pois o volume negociado neles é pequeno e o valor legal dos diretos ali negociados é incerto. Mais importante ainda para empresas com ações negociadas em bolsas ao redor do mundo, faltam as regras de “disclosure”, ou seja, regras que definam como esses investimentos na área ambiental serão tratados na contabilidade da empresa e serão divulgados para os acionistas e outros públicos interessados – os chamados “stakeholders”. Mas não fazer nada também não é uma opção, porque esses mesmos “stakeholders” exigem cada vez mais responsabilidade social e ambiental por parte das empresas, exigência que se traduz em risco financeiro.

É uma situação desconfortável. O que fazer? Para grandes empresas, o essencial é engajar-se nas estruturas que estão surgindo – como a Chicago Climate Exchange, por exemplo, um esquema voluntário de negociação de direitos de emissão – por mais imperfeitos que sejam, de maneira a ter voz no processo. Isso pode ser feito diretamente ou através de ONGs. Para o governo brasileiro, a tarefa é bem mais complexa. As negociações para o período a partir de 2012 devem se iniciar nos próximos meses. Será possível preservar o consenso mínimo que se atingiu até aqui, trazer de volta aqueles que se distanciaram do Protocolo e avançar significativamente na redução de emissões? A alternativa é um caos capaz de gerar soluções criativas mas de eficácia duvidosa.

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