Invasões de espécies exóticas são frequentemente encaradas como uma das maiores desgraças da biologia da conservação. Os exemplos mais lembrados, como a cobra de árvore marrom, são desastres de primeira grandeza. Originária da Austrália e Nova Zelândia, essa pequena serpente pouco venenosa e bastante arredia não é uma ameaça séria aos seres humanos. Mas a ação do homem permitiu que ela se alastrasse por ilhas do Pacífico, com resultados desastrosos. Um site do governo americano conta como a cobra invadiu a ilha de Guam entre o final dos anos 1940 e o início dos anos 50, e o que lá se passou: a cobra acabou com as populações de aves marinhas da ilha, 10 de 13 espécies nativas de aves da floresta, 2 de 3 mamíferos nativos, e 6 das 10 ou 12 espécies de lagartos nativos. A devastação é fácil de explicar. Guam não tem nenhuma espécie nativa de serpente, e as espécies endêmicas de aves, lagartos e mamíferos são totalmente vulneráveis.
Guam é um caso perdido, mas a luta das autoridades hoje é impedir que a cobra se alastre para outras ilhas. É uma luta insana, pois Guam é uma importante base militar americana, suporta um grande volume de tráfego marítimo e aéreo. Cada avião ou navio que parte é um vetor de invasão em potencial, com o agravante de que boa parte desse movimento se dirige a outras ilhas igualmente vulneráveis. Como o arquipélago do Havaí, por exemplo. Quando estivemos lá, em meados de 2005, ficamos impressionados com os cuidados para evitar a entrada de espécies invasoras. A cautela do departamento da agricultura é visível para quem chega de avião. O vídeo de boas-vindas da governadora fala das restrições à importação de plantas e animais, e a presença dos inspetores sanitários no aeroporto é ostensiva.
Não surpreende, portanto, que o jornalista científico americano Alan Burdick dedique boa parte do seu livro Out of Eden: An Odyssey of Ecological Invasion a essas duas ilhas. Out of Eden é uma combinação de livro de viagem com obra de divulgação científica, com algumas divagações filosóficas aqui e ali. A mistura é mais coerente do que pode parecer à primeira vista, pois o fenômeno da invasão ecológica é sempre conseqüência da movimentação humana. A cobra marrom não decidiu ir para Guam; ela foi levada, intencionalmente ou não, por seres humanos.
Espécies invadoras
Uma boa parte do livro é dedicada às espécies invasoras de ambientes marinhos, carregadas para lá e para cá pelas navegações humanas. Burdick acompanhou alguns dos mais importantes cientistas que investigam o assunto. Ele mostra, por exemplo, como o uso de água do mar como lastro por navios cargueiros implica no transporte de grandes quantidades de organismos entre os portos do mundo.
Os cientistas que estudam a ecologia das comunidades marinhas enfrentam um problema difícil de resolver: a ciência é nova, e não existem registros dessas comunidades anteriores à era das navegações. Assim, muito do seu trabalho é baseado em conjecturas. Presume-se que um invertebrado encontrado nos portos de San Francisco, na Califórnia, e na Baía de Sidney, na Austrália, tenha sido transplantado por alguma embarcação. Mas ninguém sabe ao certo.
O livro é também uma reflexão sobre os limites entre o natural e o artificial. Para Burdick, visto de perto o limite é muito menos óbvio do que parece à distância. O estudo da ecologia das espécies invasoras mostra uma realidade bem distante de um conceito mecanístico de ecossistemas e nichos. O sucesso das espécies introduzidas está muito mais relacionado à pressão de propagação do que a qualquer outro fator. Em outras palavras, a primeira cobra marrom que chegar à ilha de Maui no compartimento do trem de pouso de um avião originado de Guam provavelmente não sobreviverá e não deixará filhotes. Mas se o número de cobras introduzidas for suficientemente grande, elas acabarão prosperando. Com o crescimento do volume de tráfego aéreo, de comércio internacional e de turismo, a pressão sobre ecossistemas frágeis como o do Havaí é enorme.
Os heróis da narrativa de Burdick são biólogos como Jim Carlton, uma das maiores autoridades do mundo em ecossistemas marinhos. Carlton é ao mesmo tempo pesquisador de campo e gestor de programas de pesquisa em várias instituições diferentes. Como um dos fundadores da ciência das invasões biológicas, ele fala com grande autoridade sobre a questão. Mas nem ele nem os outros cientistas que aparecem no livro têm respostas prontas para os dilemas que o assunto levanta. A ação humana tende a tornar os ecossistemas do mundo cada vez mais parecidos, com as mesmas espécies proliferando em todos os lugares do globo tocados pela nossa mão. É possível moderar esse processo, mas não revertê-lo. A pergunta fundamental é que grau de alteração consideramos tolerável. E para essa pergunta ainda não há boas respostas.
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