Já vai longe o tempo em que os índios trocavam ouro e prata por velhos espelhos portugueses e reivindicavam apitos para “o pau não comer”. A mais recente invasão das terras do Parque Nacional do Iguaçu pelos Avá-Guarani é a prova viva disso. Os índios querem terra – e, eventualmente, antena parabólica, telefone celular e avião – o que, no fundo, não passa de um efeito colateral do seu “aculturamento” dentro da desordem fundiária nacional. O único problema é que se existe um tipo de pessoa que não pode viver em parques nacionais esse tipo é o dos indígenas. O seu estilo de vida, na melhor das hipóteses simplesmente extrativista, é, por definição, contrário ao conceito de unidade de conservação de uso restrito, como são os parques nacionais. Sua remoção, portanto, tem que ser rápida. Imediata, se possível.
Todas as invasões desse tipo que já presenciamos trouxeram consigo a degradação das condições ambientais cuja preservação era o objetivo principal da unidade de conservação invadida. Foi o que aconteceu, por exemplo, com as invasões dos índios Guarani no Parque Nacional Aparados da Serra, no Rio Grande do Sul; dos índios Javaé no Parque Nacional do Araguaia, situado na Ilha do Bananal; dos índios Raposa Serra do Sol, no Parque Nacional Monte Roraima; dos índios Guarani, no Parque Nacional de Superagüí, no Paraná; e dos índios Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe, no Parque Nacional do Monte Pascoal, na Bahia, como bem aponta Ubiracy Araújo em seu trabalho “A Presença Indígena nas Unidades de Conservação”.
Segundo essa pesquisa, “para Mauro Galleti a situação mais apreensiva é a recente invasão de índios Guaranis Mbuya vindos da Argentina e Paraguai no Parque Nacional de Superagui, no Paraná e os Parques Estaduais da Ilha do Cardoso, Juréia-Itatins e Intervales. Todas essas áreas foram apossadas pelos índios “estrangeiros” como sendo sua terra prometida. Hoje os índios cobram de turistas para visitar as cachoeiras, caçam de maneira não sustentável várias espécies ameaçadas de extinção e endêmicas da Mata Atlântica, queimam a mata e até vendem bromélias, orquídeas e palmitos nas estradas próximas ao parque
(…)
O Parque Nacional de Monte Pascoal, símbolo dos 500 anos de descobrimento do Brasil, hoje está completamente descaracterizado pelo uso predatório dos índios Pataxós, que aclamam serem os donos dessa terra mas que colonizaram a região somente no século XVI (toda a região era habitada por Tupinambás não Pataxós)”. Um choque e tanto para o conceito do bom selvagem criado por Rousseau.
A situação do Parque Nacional do Iguaçu, portanto, é preocupante. Assim que chegaram, no último dia 5 de setembro, os índios abriram trilhas e cortaram árvores, repita-se, dentro de um Parque Nacional, sem que ninguém fizesse nada para impedi-los. Cabe perguntar, portanto, se havia alguma coisa a ser feita ou se a condição de silvícola dos ofensores impede que se tomem as medidas legais cabíveis contra qualquer outra pessoa que invadisse e degradasse uma unidade de conservação.
A nossa atual Constituição e a Lei n° 6.001 de 19.12.73 protegem o estilo de vida tradicional e a cultura dos povos indígenas, bem como a terra por eles tradicionalmente ocupadas, das quais eles não podem ser removidos exceto por iniciativa do Congresso Nacional, em caso de catástrofe iminente ou epidemia e nas quais eles detêm exclusividade e liberdade total para a exploração dos recursos naturais.
Por outro lado, a Constituição e a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação obrigam o Poder Público a definir determinadas áreas como de uso restrito ou intocáveis, com a única ou principal finalidade de preservar as condições ecológicas e naturais ali encontradas e onde é vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Dentro desse grupo estão os Parques Nacionais, unidades de conservação de uso restrito e cuja principal função é, justamente, a preservação ambiental.
O que deve prevalecer, portanto: o direito dos indígenas de utilizar as terras como bem entenderem ou o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado? Na minha opinião, os índios saem perdendo. Não há qualquer conflito de normas aqui. Apesar de todas as injustiças históricas cometidas contra eles, da drástica redução de suas terras originais e da destruição gradual de sua cultura, eles não têm o direito de invadir terras públicas. Muito menos em se tratando de unidades de conservação e devem estar sujeitos às penalidades previstas em lei, como prevê a própria Lei n° 6.001/73.
A questão, em casos como este, não é, sequer, de maior complexidade. O problema é que o brasileiro tem um problema seriíssimo de remover invasões, talvez porque, no fundo, saiba que praticamente quase todo mundo aqui é ou foi injustiçado de alguma maneira e sente pena. É assim não apenas com os índios, mas com os sem terra e os favelados. Sempre há alguma justificativa histórica ou social para justificar as transgressões de determinados grupos em detrimento do patrimônio particular ou comum. Mas dois errados não fazem um certo, e a complacência só contribui para o aumento da desordem. No caso dos parques nacionais, eles são, por lei, de todos nós e, portanto, tão meus quanto dos índios, e eu, particularmente, não quero ninguém caçando lá.
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