Que o Brasil possui uma legislação ambiental completíssima e de fazer inveja até mesmo a países considerados de primeiro mundo não é novidade para quase ninguém. Quando nos limitamos a olhar para nossos vizinhos mais próximos, no entanto, essa vantagem chega a ser chocante.
Essa constatação me ocorreu há poucos dias, por causa de uma pesquisa que tive que fazer. Um dos advogados do escritório em que trabalho me pediu que buscasse na legislação ambiental do Mercosul e, em especial, da Argentina, dispositivos sobre poluição semelhantes aos da nossa Lei de Crimes Ambientais. Para minha frustração e surpresa, não há nada remotamente semelhante.
A legislação ambiental argentina, por exemplo, é composta, basicamente, de dispositivos genéricos, espalhados por normas que tratam de produtos e resíduos químicos, agrotóxicos e saúde animal – entre outros temas – apesar da Constituição argentina trazer um dispositivo bastante semelhante à parte inicial do art. 225 da nossa Constituição, que garante a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado etc. Não há uma lei que trate especificamente de delitos em matéria ambiental, especificando as condutas que, por serem lesivas ao meio ambiente, são consideradas crimes, punidos com penas severas. Apenas o Código Penal Argentino traz uma disposição a respeito, punindo com prisão, de 3 a 10 anos, quem polui a água ou adultera produtos destinados ao consumo humano de forma a torná-los perigosos. De um modo geral, o tratamento da matéria pára por aí.
A tábua de salvação, parecia-me, poderia ser o Pacto Federal Ambiental, acordo de nome pomposo que me encheu os olhos, mas que não cumpre o que promete. O Pacto não passa de uma série de declarações de ideais e princípios do gênero “as províncias signatárias promoverão o desenvolvimento sustentável e a proteção ao meio ambiente”. Não estabelece, no entanto, os mecanismos através dos quais isso deverá ser feito ou qualquer penalidade para quem não observar suas disposições, tornando-se, para todos os efeitos, letra morta.
No âmbito do Mercosul, por sua vez, a coisa consegue ser pior. Enquanto bloco criado com finalidade estritamente econômica, as normas que tratam da matéria ambiental são risíveis. Assim como o Pacto Ambiental dos argentinos, tudo o que se encontra entre as normas do Mercosul são declarações vagas e promessas vazias – que parecem feitas para serem aplicadas na Terra do Nunca ou no País das Maravilhas – sobre como os países signatários deverão “fazer o possível para integrar suas legislações ambientais, a fim de promover o desenvolvimento sustentável e a preservação do meio ambiente na região”. Aqui, mais uma vez, não há prazos, mecanismos de viabilização, metas reais ou punições estabelecidas, apenas um convite ao laissez faire e ao descumprimento. Nesse ponto, enquanto bloco, o Mercosul está anos-luz atrás, por exemplo, da União Européia, que, apesar de todas as dificuldades, tem promovido um crescente número de ações, judiciais e extrajudiciais, para obrigar seus membros a observar e cumprir as diretrizes e normas ambientais, dentro dos prazos estabelecidos.
À frente ou atrás
O Brasil, por sua vez, possui normas ambientais para quase todas as situações imagináveis, organizadas em leis específicas, que estabelecem, quase sempre, metas claras e punições duras para quem as descumpre. Um verdadeiro oásis de clareza em um continente de incerteza, certo? Até certo ponto, sim. E é até natural que seja dessa forma, afinal de contas, temos sob nossa tutela quase toda a biodiversidade da América do Sul, o que requer cuidados redobrados em comparação com nossos vizinhos. Nossa natureza é muito mais complexa que a dos demais países não apenas do Mercosul, mas do continente como um todo.
Por que, então, temos, em termos proporcionais, muito menos parques nacionais e áreas protegidas do que, por exemplo, Argentina, Chile e até mesmo a pequena Costa Rica? Por que os parques argentinos e chilenos são internacionalmente conhecidos e – em regra – muito bem cuidados, enquanto os nossos, quando saem do papel o fazem apenas para cair no abandono? Por que, por exemplo, o Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, o maior parque arqueológico a céu aberto do mundo, teve que demitir, esta semana, 214 de seus 232 funcionários, por falta de verbas – a manutenção do parque custa míseros R$ 400 mil por mês –, quando deveria ser uma máquina de ganhar dinheiro? As leis ambientais brasileiras, que são muitas e boas, acabaram se tornando tão, ou mais, letra morta do que as normas piores e menos desenvolvidas de outros países.
O que é pior, então: não ter leis ou tê-las e não cumpri-las?
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