Há alguns meses, fiz uma coluna apontando que as controvérsias e riscos que envolvem projetos de transposição das águas de rios não são privilégio brasileiro. Naquela época, os ambientalistas norte-americanos comemoravam uma vitória judicial. Haviam conseguido uma decisão julgando inadequado o plano de desvio das águas do rio Klamath para a irrigação de terras vizinhas porque ele não deixava água suficiente no próprio rio para a sobrevivência de uma espécie ameaçada de salmão. A decisão ou o seu cumprimento, ao que tudo indica, vieram tarde demais. Agora, além dos peixes, os pescadores poderão sentir na pele o preço da má utilização do rio.
Tragédia anunciada
Há tempos, ambientalistas e pescadores vêm alertando sobre os riscos da superutilização das águas do rio Klamath. Além da porção de suas águas desviada para a irrigação, o rio ainda enfrenta diversas barragens (para a geração de energia elétrica) ao longo de seu percurso. Essa combinação de fatores tem feito com que as poucas águas que atingem a porção baixa do rio não sejam suficientes para sustentar a sua produção de salmão, que normalmente sobe o rio para se reproduzir.
Com isso, o Klamath tem visto nos últimos anos a sua produção pesqueira decair vertiginosamente até que, no ano passado, esse número atingiu níveis tão baixos que agora o Pacific Fishery Management Council (Conselho de Administração de Pesca do Pacífico) poderá sugerir ao National Marine Fisheries Service (Serviço Nacional de Pesca Marinha) o fechamento da temporada de pesca desse ano – ou, ao menos, reduzi-la drasticamente –, na esperança de que o número de peixes possa voltar a patamares sustentáveis.
As implicações econômicas disso são muitas. Na costa Oeste dos Estados Unidos há cidades inteiras cujas economias dependem da pesca de salmão no Klamath. É uma atividade que, em anos normais, gera mais de 150 milhões de dólares só nos estados do Oregon e da Califórnia. Não é à toa, portanto, que os pescadores estão esperneando e esperando que não seja realmente necessário fechar a temporada deste ano. Eles esperam que se possa apenas diminuir a sua duração – que, normalmente, é de seis meses – ou restringi-la a apenas algumas porções do rio. Mas isso não será fácil e há fundados temores de que a frota pesqueira da região esteja à beira de um naufrágio econômico coletivo.
A mortandade de peixes tem sido devastadora. Em 2002 e 2003, cerca de 80% dos peixes que retornavam para o mar morreram em decorrência de um parasita que tem se proliferado graças a uma combinação do baixo volume de água no rio, aquecimento de suas águas, poluição e desaceleração do seu fluxo pelas barragens.
Além do desvio das águas para a irrigação, uma série de seis barragens construídas no rio desacelerou de tal maneira o fluxo das suas águas que o cascalho do fundo, antes limpo por um processo natural, passou a ficar coberto de algas, das quais se alimentam os vermes que, por sua vez, são hospedeiros do parasita responsável pela mortandade dos salmões.
Pequenos detalhes Olhando esse caso com atenção, podemos aprender algumas coisas. A primeira delas é que pequenos detalhes ignorados hoje podem ter grandes conseqüências no futuro. Em segundo lugar vem a importância de os estudos de impacto ambiental serem amplos, bem elaborados e, acima de tudo, respeitados enquanto diretrizes para a implementação de um determinado projeto. Será que, no caso do Klamath, alguém considerou que as barragens construídas, ao desacelerar a velocidade das águas, criariam condições para a proliferação de algas, que alimentam vermes, que servem de hospedeiros para parasitas, que são mortais para pelo menos uma espécie de salmão e que estão prestes a falir parte da frota pesqueira do oeste dos Estados Unidos? Duvido. Mas é assim que as coisas acontecem em termos de meio ambiente. Nenhuma alteração, por menor que seja, se dá sem conseqüências.
E isso não é nada fácil de prever. Pode levar anos para que se elaborem os estudos necessários para avaliar corretamente as implicações de determinados projetos. Mas estes não podem levar tanto tempo para serem aprovados. O mercado e a economia não nos permitem esse luxo. Um EIA/RIMA não pode levar anos e anos para ser elaborado. Mas, por outro lado, não avaliar corretamente os riscos ambientais de uma obra é inaceitável. O que fazer, então? Honestamente, não sei. Mas é um caso a se pensar, e muito. Talvez a solução seja a criação de instrumentos através dos quais se possam revogar as Licenças de Operação caso novas e sérias conseqüências ambientais sejam descobertas depois do licenciamento de um projeto. É um risco que os empresários podem ser obrigados a assumir (entre tantos outros).
Pode ser o único jeito de, daqui pra frente, não só os peixes pagarem o pato.
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