Se até o mês de julho a ligeira subida nos números do desmatamento em Mato Grosso sinalizava uma possibilidade de as motosserras estarem reaquecendo seus motores, agosto revelou que efetivamente elas voltaram a trabalhar a todo o vapor. De acordo com dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), em agosto 250 quilômetros quadrados de floresta foram postos no chão no estado, o que representa 138% a mais do que em agosto de 2006. O estudo elaborado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) e pelo Imazon concluiu ainda que de um mês para outro o desmatamento subiu 228%, uma vez que em julho o estado havia destruído 76 quilômetros quadrados de matas
Agosto foi ainda uma época em que a população de Mato Grosso pôde confirmar no próprio organismo que essa pesquisa não exagerou. A partir de meados do mês, espessas nuvens de fumaça ficaram estagnadas sobre a maioria das cidades mato-grossenses, impedindo por várias semanas que as pessoas enxergassem o céu e o sol, o que provocava um clima de sufocamento fora do comum, até para aqueles nascidos e criados no estado. Justamente nesse período, o ICV e o Imazon apuraram que o número de queimadas aumentou 72%, passando de 25.938 focos de calor entre junho e setembro de 2006 para 44.621 focos de calor no mesmo período de 2007. Detalhe: tamanho crescimento ocorreu durente o período em que uma lei estadual proibiu todas as queimadas.
Desta vez, os institutos aprofundaram mais suas análises. Lembraram que a ocorrência tão intensa de queimadas nos últimos meses pode indicar que nos próximos sejam verificadas mais áreas abertas desmatadas. “Existe uma correlação muito forte entre as queimadas e o desmatamento, e isso não deve ser sentido mês a mês, mas em períodos maiores. Veremos no fim do ano”, diz Sérgio Guimarães, coordenador do ICV. Então, é bom continuar prestando atenção às regiões centro-norte e nordeste de Mato Grosso, que representam 25% e 24% do total desmatado, respectivamente. De janeiro a setembro de 2007, os quatro municípios mais incendiários do estado estavam nestas regiões. O extremo norte (11%), a região noroeste do estado (9%) e as áreas do médio-leste (13%) também tiveram desempenho expressivo. As terras indígenas foram afetadas com 15% de todas as queimadas no estado em setembro. As áreas urbanas, com 8%, mas o grosso mesmo aconteceu nas propriedades rurais, 65%.
Análise do desmatamento
Foram justamente elas, as propriedades, que também responderam por 78% do desmatamento em agosto, sendo que 60,02% dessas fazendas não estão cadastradas na Secretaria de Meio Ambiente. Os assentamentos rurais foram responsáveis por 3% de toda área derrubada no estado. Contribuição bem mais robusta tiveram as terras indígenas (TI), onde desmatou-se 22% do total ou 46,04 quilômetros quadrados. Só a TI Maraiwatsede perdeu 29 quilômetros quadrados de floresta em um mês. A TI Vale do Guaporé, 9,91 quilômetros quadrados e a TI Kayabi 3,59 km2.
Setenta e dois quilômetros quadrados foram desmatados em um mês em São Félix do Araguaia, desempenho praticamente igual ao registrado no estado inteiro em julho. Em segundo lugar aparece Vila Bela da Santíssima Trindade, município que abriga a TI Vale do Guaporé, e Apiacás, que tem praticamente metade de sua área pertencente ao Parque Nacional do Juruena. Só para efeito de comparação, em julho, Colniza, uma das cidades mais distantes e violentas do norte de Mato Grosso, teve 10 quilômetros quadrados derrubados. Por lá, ninguém parece ter se mexido para tomar providências. Com 11 quilômetros quadrados postos no chão em agosto, o desmate permaneceu constante. Assim como a taxa de ilegalidade das derrubadas. Nada menos que 94% de tudo que foi desmatado ocorreu à margem da lei.
Força de vontade
Como no levantamento referente a julho, os estudos confirmaram que bastou o preço da soja e da carne voltarem à normalidade para a pressão sobre áreas de florestas aumentar. E isso não é de hoje. De acordo com o SAD, agosto já é o quarto mês seguido de aumento das derrubadas em relação ao mesmo período de 2006. “Achamos também que esse aumento tem a ver com expectativas de crescimento da produção de biocombustíveis no estado”, lembra Guimarães.
Diante desse quadro, a prova de fogo vai ser ver os produtores rurais e o governo de Mato Grosso colocarem em prática a promessa de não abrir novas áreas para cultivo e aproveitar as regiões degradadas num cenário econômico favorável a eles. “Todos têm dito e repetido que Mato Grosso tem espaço de sobra para duplicar ou mais sua produção sem ter que derrubar nem mais uma árvore. Precisamos encontrar mecanismos para que as atividades econômicas não acarretem em mais desmatamentos”, diz o coordenador do ICV.
Propostas existem, e muitas. Mas ver na prática que o setor produtivo já iniciou ações concretas para se preocupar com o meio ambiente quando a economia vai bem é o desafio. Certa vez, a própria Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja) reconheceu que, entre as propriedades rurais que não têm condições de recuperar suas áreas de reserva legal e precisam compensá-las, apenas três (no estado inteiro) conseguiram fazê-lo. Falta muito para deixá-las ambientalmente quites. Mas o compromisso que firmaram com o governo já está correndo. Disseram que vão conseguir até 2010. Tomara.
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