Até 15 mil pessoas de centenas de países estão arrumando as malas e rumando à ilha de Bali, na Indonésia, onde em exatos dez dias começa a 13ª reunião da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 13), a mais nova rodada global para tratar da saúde climática do Planeta. Ao contrário de edições passadas, quando ainda pairava certa dose de incerteza sobre o papel da humanidade no destempero do clima, agora são escassas as dúvidas no meio científico. Também são quase certos os efeitos colaterais do aquecimento terrestre sobre todas as nações, pobres e ricas.
Tudo isso justificaria ações aceleradas para reduzir emissões de poluentes, frear o desmate de florestas tropicais, definir novos modelos de desenvolvimento e ações para enfrentar os efeitos colaterais da lambança que a humanidade provocou no equilíbrio do clima, correto? Nada disso. Para a maioria dos governantes, incluindo o do Brasil, medidas concretas podem continuar a passos de formiga, dependendo inclusive do sistema de decisões por consensos das Nações Unidas. O governo Lula criou apenas esta semana uma comissão para definir um plano nacional de mudanças climáticas.
Do caldo de interesses em Bali, as apostas mais otimistas são de que se obtenha ao menos um roteiro de trabalho para que, por volta de 2010, se defina o futuro do Protocolo de Quioto após 2012. Para depois dessa data, poderão ser definidas novas metas para redução de emissões de gases que ampliam o efeito estufa, como o Dióxido de Carbono (CO2), tanto para países ricos quanto para aqueles em desenvolvimento. “Será um grande sucesso (a COP 13) se houver consenso para um roteiro de futuras negociações quanto ao futuro do Protocolo de Quioto”, avalia Thelma Krug, secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Nos próximos cinco anos, nações que se desenvolveram na base da poluição desenfreada já deverão ter reduzido sua poluição em 5% em relação aos níveis de 1990. Apesar da determinação, Canadá, Espanha, Portugal e outros países ricos têm lançado cada vez mais gases na atmosfera. Sem falar nos Estados Unidos, que sequer assinaram o acordo. A novidade para uma próxima fase do Protocolo de Quioto seria a imposição de metas de redução para países como o Brasil e China, em desenvolvimento e hoje livres de compromissos definidos com o clima global.
Posição ‘imexível’
A posição brasileira, no entanto, segue cristalizada. O país reforçará em Bali que não deseja assumir metas internas ou externas sobre redução de emissões e que espera recompensas financeiras por desmatamento comprovadamente evitado. Essas medidas são apoiadas por “pesos pesados” como Costa Rica e Papua Nova Guiné. O Brasil também anunciará na COP13 que o desmatamento na Amazônia caiu 50% entre 2004 e 2006 e que os plantios de cana-de-açúcar ficarão longe da floresta tropical. Segundo o MMA, os próximos números serão ainda mais animadores, mesmo que a queda no desmate seja provocada por fatores além da atuação governista.
Mas se tudo anda tão bem, por que o País não assume ao menos metas internas de redução de emissões? “Temos metas para superávit, para inflação. O empresariado atua assim, com metas focadas em resultados. Metas trazem comprometimento e promovem avaliação pública de resultados”, diz o presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Oded Grajew. “Assim a sociedade poderia cobrar de governos e empresas o que pregam publicamente”, completa.
Segundo a secretária Krug, assumir metas exige uma profunda avaliação dos impactos de tal medida dentro e fora do Brasil. Para ela, o país já está fazendo bonito sem assumir compromissos, apenas com políticas públicas. Quando o Brasil tiver seu plano de combate às mudanças climáticas, coisa para fins de 2008, deverá estar atrelado a políticas e fontes de recursos específicas. “Na Amazônia vivem 23 milhões de pessoas e a região é fonte de recursos para todo o país. Assumir metas exige responsabilidade e mais pesquisas sobre as dinâmicas do desmatamento”, diz.
Mesmo que todas as regiões do país estejam na mira das conseqüências climáticas, a Amazônia Legal segue como a maior pedra no sapato nacional. Além de deixar a sociedade de cabelo em pé pelo desmate incessante, a região tem sido alvo de inúmeros planos desenvolvimentistas e já abriga quase 80 milhões de cabeças de gado. O Brasil tem aproximadamente 200 milhões de bois. Há mais gado que gente no Brasil, e esse rebanho prejudica o clima tanto quanto 36 milhões de veículos de passeio. As chamadas mudanças no uso da terra, que incluem desmates e queimadas, somam 75% das emissões brasileiras e colocam o país entre os grandes poluidores globais.
Além disso, a matriz energética baseada em hidrelétricas, vista como limpa pelo governo, vem sendo suja pelo aporte de termelétricas e usinas a carvão. Nos próximos anos, começa a operar no Ceará uma geradora a carvão mineral, com participação da Vale do Rio Doce. O estado é um dos mais ricos em ventos do país, poderia gerar muita energia eólica. Situações como essas trazem duras críticas do setor ambientalista.
Dinheiro para desmatar
Para o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Sérgio Leitão, o Brasil chega na COP13 com posição semelhante a que defendia nos anos 1970, de que questões ambientais não podem se interpor ao desenvolvimento. Segundo ele, não assumir metas traz flexibilidade para os projetos nacionais de desenvolvimento e mostra a falta de disposição brasileira para fazer algo de realmente concreto pelo equilíbrio climático global. “O discurso nas solenidades é bem diferente da prática nos gabinetes”, diz.
Para este ano, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES tem cerca de R$ 74 bilhões para estimular atividades produtivas, soja, cana, gado e muitas outras. Enquanto isso, o combalido Ministério do Meio Ambiente amarga com um orçamento de aproximadamente R$ 600 milhões ou 0,2 % do Orçamento da União. “O Brasil sempre tem dinheiro em caixa para incentivar economias que levam ao desmatamento, enquanto que para preservar sempre tem que buscar dinheiro lá fora”, diz Leitão.
Enquanto o Brasil e demais países seguem tratando as mudanças climáticas como uma pauta puramente ambiental e não atrelada ao modelo mundial de desenvolvimento e com a urgência que dedicam a problemas comuns, talvez seja possível jogar luz sobre algumas atitudes de nossos dirigentes.
Apesar dos alertas do IPCC, painel científico das Nações Unidas sobre mudanças do clima, a classe política parece seguir tomando decisões baseadas em um caldo muitas vezes indigesto de interesses. “A melhor informação científica nem sempre leva a melhor decisão política. São as assimetrias de poderes que levam às decisões”, avisa Rubens Born, do Instituto Vitae Civilis.
Segundo o presidente do Instituto Ethos Oded Grajew, a maioria dos governos tem como horizonte apenas a próxima eleição e está a serviço de setores que promovem desmatamento, queimadas e outras formas de degradação que levam ao esquentamento global. O empresário também alerta que até 90% dos recursos de campanhas políticas não são oficialmente declarados por doadores e candidatos. “É o poder atual que determina políticas públicas nos diferentes níveis de governo. A situação só mudará quando a área ambiental tiver mais força política para influenciar as tomadas de decisões”, arremata.
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