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Mercado modelo

Créditos de carbono e índices de sustentabilidade levam empresas brasileiras a investir em projetos ambientais. Além de dar lucro, faz bem ao marketing.

Antônio Sampaio ·
27 de janeiro de 2006 · 19 anos atrás

Novidades como os mercados para negociação de créditos de carbono e os índices que medem eficiência no quesito desenvolvimento sustentável têm levado as maiores empresas do Brasil a incluir ações ambientais em seu planejamento estratégico.

O mercado de carbono, filhote do Protocolo de Kyoto, deve movimentar US$ 30 bilhões por ano até 2012, e o Brasil já abocanhou uma fatia significativa desse filão: 13% de todos os projetos negociados entre janeiro de 2004 e abril de 2005 são do país, segundo o Banco Mundial.

Por meio dos chamados Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDLs), os países desenvolvidos — que têm que reduzir em 5% as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2012 — podem comprar créditos de carbono de países do chamado Anexo II (pobres e em desenvolvimento), que não têm metas de redução. Esses créditos são debitados na conta das emissões a serem reduzidas pelos países ricos.
Até o fim de 2005, o Brasil liderava a lista de países com projetos de MDL em andamento. Agora, o país tem 86 propostas em fase de análise ou já aprovadas e encaminhadas ao Conselho Executivo de MDL, em Bonn, na Alemanha. No total, esses projetos prometem uma redução de 134,2 milhões de toneladas de gás carbônico. Eles podem receber até US$ 1,207 bilhão, com o preço da tonelada de carbono em torno de US$ 9. E a cotação está subindo: nos últimos três meses, houve uma valorização de 28%. A tendência é de que as cifras continuem crescendo.
“Esses contratos de crédito de reduções tendem a se valorizar, já que existe um mercado especulativo que também vai procurar o lucro”, acredita o economista Virgílio Gibbon, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. Gibbon foi um dos idealizadores do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), e estima que ele possa movimentar US$ 1 bilhão por ano. O MBRE foi criado pela Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) e pelo Ministério do Desenvolvimento.

André Leal, analista da Ecoinvest Carbon Brasil, uma firma que negocia contratos de carbono, também prevê o crescimento da liquidez desse mercado. A tendência, segundo ele, é a formação de um mercado secundário, com a entrada de investidores interessados em adquirir créditos para trocar entre si, como se faz com ações na bolsa de valores.

A emissão dos primeiros certificados de redução de emissões pelo Conselho Executivo de MDL começou em outubro do ano passado. Com essas certificações, os preços dos créditos tendem a se valorizar. Vários projetos já foram registrados pelo Conselho Executivo, incluindo sete brasileiros. Por enquanto, seis conseguiram o certificado, sendo um brasileiro. A certificação sai depois que estudos comprovam que o projeto está de fato provocando a redução das emissões de carbono.

Bom negócio

De olho nesse potencial de valorização, algumas empresas brasileiras esperam o momento certo para negociar a venda de créditos para grupos e governos do exterior. O Projeto Bandeirantes, da Biogás Energia Ambiental S.A ., já recebeu propostas de empresas do setor de energia do Japão, Holanda e Inglaterra. Elas se interessaram em investir na geração de energia elétrica a partir do gás metano emitido pelo Aterro Bandeirantes, em São Paulo, um dos maiores do Brasil. Segundo Manoel Antônio Avelino, do Conselho de Administração da Biogás, a empresa preferiu aguardar o registro no Conselho Executivo, o que deve acontecer em fevereiro, para começar a negociar com as empresas.

O Projeto Bandeirantes está em operação desde 2004, e já soma 1 milhão de toneladas de carbono reduzidas. Avelino calcula negociar seus créditos por US$ 13 a tonelada, mais do que a média atual. Com isso, a empresa pode faturar US$ 13 milhões assim que entrar no mercado de carbono.

A gigante Petrobras também pretende movimentar esse mercado. A empresa está fazendo um inventário de suas emissões de gases em toda a América do Sul, para determinar em que áreas há maior potencial para reduzir os poluentes. Segundo Luis César Stano, coordenador de Segurança, Meio Ambiente e Saúde, o mercado de carbono movimenta valores relativamente pequenos para uma empresa do porte da Petrobras, mas pode ser decisivo para a aprovação de projetos de desenvolvimento sustentável. “Para projetos que ainda não passaram pelas avaliações de retorno financeiro, esse lucro do carbono é essencial. Pode ser a margem necessária para garantir sua viabilidade econômica”, afirma.

O MBRE pretende atrair projetos de toda a América Latina. Por enquanto, apenas um projeto e duas intenções de compra foram cadastrados no banco de dados. Segundo a BM&F, vários pedidos de registro de projetos estão sendo analisados. “O mercado vai passar a funcionar a pleno vapor ao longo do segundo trimestre deste ano. A Bolsa tem a pretensão de ser um grande banco de dados para toda a América Latina, e com a divulgação em toda a região o volume de negócios deve aumentar muito”, prevê Gibbon.

Europa e Estados Unidos

O sonho do mercado brasileiro é tornar-se uma espécie de versão latina da Chicago Climate Exchange (CCX), bolsa de créditos de carbono para empresas e governos cumprirem suas metas de emissão. Em dezembro de 2003, treze empresas lideraram a formação do CCX, aderindo voluntariamente à meta de 4% na redução de gases em relação à média de emissão entre 1998 e 2001. Dois anos depois, já são 110 associados, entre eles algumas administrações municipais. No ano passado, o Novo México tornou-se o primeiro estado americano a integrar a CCX. É uma adesão de peso, considerando que o Novo México é um grande produtor de energia. Entre as empresas que vendem créditos na CCX estão as brasileiras Aracruz e Klabin.

O mercado de Chicago já negociou 4 milhões de toneladas de carbono. Sua irmã européia, a European Climate Exchange (ECX), começou a operar no dia 22 de abril de 2005 e já ultrapassou de longe a pioneira americana. Em nove meses de operação, negociou 120 milhões de toneladas de carbono.

“Há muita pressão de investidores e da sociedade para que haja mais atenção à área ambiental. E as corporações estão vendo que a participação em um mercado organizado vai ajudá-las a ser mais transparentes. Participar de atividades que envolvam mudanças climáticas pode ajudar suas ações a entrarem para um dos muitos índices e fundos de sustentabilidade que existem agora”, conta Rafael Marques, vice-presidente da Chicago Climate Exchange.

Sustentabilidade

Índices como o Dow Jones Sustainability Indexes e o FTSE4Good, da Bolsa de Londres, começam a despertar a cobiça das grandes empresas. Um selo de sustentabilidade é um ativo importante na luta pelos investimentos mais visados: os de longo prazo e altas cifras.

No dia 1° de dezembro, a Bolsa de São Paulo lançou seu próprio Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), o primeiro da América Latina. Começa com uma carteira de 28 empresas.

“Para o investidor, é mais interessante investir em empresas sustentáveis no longo prazo do que em uma que pode dar lucros altos agora, mas que daqui a dois anos pode não estar mais de pé”, afirma Rogério Marques, supervisor de assistência ao mercado da Bovespa e um dos responsáveis pela criação do ISE.

As principais empresas dão sinais de que estão atentas à responsabilidade socioambiental. A Ambev, por exemplo, busca compensar o impacto ambiental causado pelas garrafas pets que são descartadas pelos consumidores e eventualmente vão parar nos rios e no mar. Nos últimos quatro anos, a empresa gastou R$ 210 milhões na área ambiental. Entre os principais projetos está a redução no consumo de água para a fabricação de bebidas, por meio de estações capazes de tratar cerca de 200 mil metros cúbicos de água por dia, o equivalente ao consumo de 4,5 milhões de pessoas. Segundo Luiz Eduardo Osório, gerente de Responsabilidade Corporativa da Ambev, essa medida proporciona uma economia de R$ 16,6 milhões por ano nos gastos com água. “O que no passado era problema, como o que fazer com esses resíduos, agora virou receita, virou solução”, conclui.

* Antônio Sampaio é aluno de Jornalismo da PUC-Rio.

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