Há uns seis meses, você carregava no bolso uma planilha com os 81 itens necessários para colocar de pé o Serviço Florestal Brasileiro. Quantos faltam?
Tasso – Faltam 82. Você vai abrindo os itens e o trabalho aumenta. Quatro deles dizem respeito a regras para extração. Aí você olha e descobre que eles geram 40 outras coisas que precisam ser feitas ou definidas.
Segura a nossa mão, a mão do setor madeireiro, e vai nos guiando sobre a constituição do Serviço Florestal…
Tasso – Não imaginávamos que algumas coisas iam demandar tanto trabalho. Como por exemplo, a questão da gestão compartilhada com os estados, anteriormente conhecida como descentralização. Sua execução está mais complicada do que o previsto. Além de trabalhar com os estados para ajudá-los a cumprir sua parte, temos que montar o próprio Serviço Florestal Brasileiro – achar os diretores, lugar para ficar, contratar mão de obra, definir responsabilidades, regimento interno. Junto com isso, precisamos regulamentar a lei, o que deve estar pronto até o fim do ano, e tocar a transição de um marco legal para outro, com os mecanismos dispostos na nova lei.
As Ongs dizem que o artigo do compartilhamento surgiu de repente no texto da lei.
Tasso – Quando se estava discutindo a lei, logo nas primeiras reuniões ele já apareceu. Está nas atas dos encontros da Conaflor (Comissão Coordenadora do Programa Nacional de Florestas). A pergunta era “quem gere floresta pública se ela for estadual?”. Durante o processo de formulação da lei, de dezembro de 2003 a junho de 2004, dicutiu-se várias vezes quem seria responsável pelo quê. Decidiu-se seguir a Constituição, que já diz que a gestão deve ser dos estados. Tanto é assim, que vários estados, por exemplo Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, já fazem licenciamento há muito tempo.
Na Amazônia, quem faz?
Tasso – Em geral, o Ibama. Com exceção dos que tinham um pacto federativo sobre o assunto. Que também não era necessário. Se o estado quisesse fazer, ele fazia. Só que o estado queria pedaços dessas funções. Mato Grosso licenciava desmatamento acima de 200 hectares. Ou seja, tudo que era difícil sobrava para o Ibama. O que era interesse de fazer mais rapidinho, ficava com a Secretaria de Meio Ambiente estadual. O Amazonas queria autoridade apenas sobre planos de manejo em determinadas circunstâncias. Cada um escolhia o que queria fazer aproveitando-se que o Código Florestal diz, em contradição com a Constituição, que a gestão é atributo do Ibama.
Mas a questão do compartilhamento, ou descentralização, estava ou não na Lei sobre Gestão de Florestas Públicas?
Tasso – Ela foi sem isso para o Congresso. Lá tivemos vários debates específicos, só com os juristas, só com as Ongs. E um deles foi com os estados, onde isto foi percebido como questão fundamental e que havia necessidade de se regulamentar o que na época se chamava de descentralização. Ou seja, que deveria dizer claramente que os estados são responsáveis. Logo depois dessa audiência, o relator incluiu isso no projeto de lei e ele não foi tema de debate nunca mais. Foi aprovado na Câmara, no Senado, todo mundo sabia.
“A COISA MAIS COMPLICADA É SE VOCÊ NÃO TIVER CLAROS OS PAPÉIS FEDERAL E ESTADUAL.”
E ninguém ficou contra?
Tasso – Pelo contrário. A discussão era como implementar. A gente tinha feito um estudo por encomenda da Conaflor durante o ano de 2004, que foi mostrado em 2005 e esquadrinhava a gestão florestal em todos os estados do Brasil. Até foi uma polêmica, porque o camarada que fez o estudo propunha um sistema de classificação dos estados, dava nota. O Amazonas ficou com uma nota ruim, deu protesto. Em novembro, apresentamos documento que listava as oportunidades e riscos desse processo de descentralização.
O que estava na lista?
Tasso – As oportunidades primeiro. Por exemplo, você evita a duplicação de estruturas, pondo uma federal onde já existe uma estadual. Isso permite uso melhor de recursos. Mato Grosso tem as estruturas dos órgãos de extensão rural, que têm cento e poucos escritórios espalhados pelo estado. Ele usa na fiscalização a polícia civil. Essas estruturas estaduais já estão próximas dos clientes que precisam de seus serviços.
E os riscos?
Tasso – A coisa mais complicada é se você não tiver claros os papéis federal e estadual. Pode haver sombreamento de ações, conflitos. Esse é o principal risco. Mas associado a ele existem outros, que são aqueles que estão no subconsciente, ou no consciente não tão explícito assim do pessoal que tem os maiores medos, digamos, desse processo, que é a possibilidade de captura local. Quanto mais próximo você está da realidade local, mais facilmente você pode ser capturado por interesses que não sejam aqueles da proteção do meio ambiente.
A que você atribui a súbita mudança do Maggi – de príncipe do desmatamento a governador preocupado com meio ambiente?
Tasso – A minha impressão, das diversas vezes em que eu o encontrei, é que a Curupira para ele teve um impacto pessoal. Ficar com pinta de estuprador da floresta foi demais, né? Ele é reconhecido como empresário competente no seu meio e de repente vem um troço desses pela frente. Deve ter sido forte. Até na família. E eu acho que o que acontecia antes da Curupira em Mato Grosso não era uma coisa deliberada, planejada para sacanear o meio ambiente. Foi uma situação que ele encontrou quando assumiu o governo e provavelmente não achou que fosse um problema. Quando caiu na real, foi uma pancada emocional que o fez decidir mudar de rumo radicalmente. Mas do ponto de vista racional, ele também viu que se não houvesse uma mudança, no médio e longo prazo, aquilo poderia ter um impacto mercadológico negativo para os produtores de soja. E para alguém que investe em ciclos de dez, quinze anos, o raciocínio passa a ser: “se eu não cuidar desse tema, ele vai gerar um impacto no futuro que eu não tenho depois como reverter”. É o tipo da decisão inteligente. O que é interessante é como esse tipo de gente funciona. Ele está demonstrando competência, aplicando talvez a competência que eles têm para fazer crescer soja e ser um bom negócio na questão do meio ambiente. Para mim a Operação Angico [realizada pela Polícia Civil de Mato Grosso contra quadrilha que fraudava o Cadastro de Consumidores de Produtos Florestais da Secretaria de Estado de Meio Ambiente] serviu para a gente saber se a virada tinha consistência. Tem.
Em que pé está a montagem do Serviço Florestal?
Tasso – O Serviço tem o conselho diretor, a diretoria. Só que diferente do Ibama e de outras organizações, eles não são diretores de área. Você não tem diretor disso, diretor daquilo. São cinco diretores responsáveis por tudo e que podem assumir funções específicas. O próprio TCU considera esse tipo de estrutura importante porque evita concorrência política por cargos, como aconteceu na diretoria dos correios. A outra coisa importante é que não gera feudo, aquela diretoria que cada um cuida de um lado. Abaixo do conselho tem as superintendências, equivalentes a gerências executivas, e que cuidarão de cadastro nacional de florestas públicas, área de planejamento, licitação e outorga e fiscalização, monitoramento e auditoria.
Esse conselho diretor já está escolhido?
Tasso – Três estão definidos. Eu, o Joels Miranda, do Inpa, que está lá no Ministério de Ciência e Tecnologia cuidando da parte florestal. Tem também o Natalino, da Embrapa. E faltam dois. Um será uma mulher. O conselho vai se reunir pela primeira vez dia 11 de setembro. Em nenhum momento nenhuma pessoa foi sugerida por alguém que falou “ah, eu tenho aqui um companheiro muito bom para participar”. Nem pressão para nenhum nome, nem objeção. A gente pôde convidar e fazer o que a gente achou que era melhor. E a mesma coisa vai acontecer com as pessoas que vão estar nas superintendências.
Não vai ter uma área específica para Unidades de Conservação?
Tasso – Tem. É que hoje a gestão das unidades de conservação federais é feita pelo Ibama. Ele gere as unidades de conservação. Se ele definir no plano de manejo da unidade que ela vai ter uma área que vai ser objeto de concessão, o processo de concessão, licitação, é feito pelo serviço florestal. Ele entra no plano anual de outorga, e tal. Mas a gestão da unidade de manejo é feita pelo Ibama. Para o Serviço Florestal, as partes das Unidades de Conservação geridas por regime de concessão ou de manejo comunitário, são assim entendidas, independente se ela é de uma floresta nacional ou não. Só muda que o recurso que vem delas vai para lugares diferentes.
Qual vai ser o tamanho dessa nova burocracia?
Tasso – A menor possível. Eu acho que a gente vai ter nessa primeira fase umas 150 pessoas. Uma boa parte dos serviços que a gente tem que fazer dá para contratar fora. Por exemplo, auditoria. Outro exemplo é o inventário nacional, que é um negócio gigantesco. O que precisamos é três, quatro pessoas que vão estar monitorando e organizando como vai funcionar. Mas quem vai fazer o levantamento são as universidades contratadas.
Como vai ser esse período de transição para a exploração madeireira?
Tasso – Existem diferentes situações para diferentes públicos. Há cerca de dois meses, começamos a receber os pedidos para efetivar os contratos de transição. A gente teve, se muito, somando todas as consultas, vinte pedidos.
“A REGRA AGORA É QUE PARA TER PLANO APROVADO, VOCÊ PRECISA RENUNCIAR À TERRA.”
Só vinte?
Tasso – É, por dois fatores. Um é óbvio: uns foram na frente, botaram a cara à tapa, e deve ter um bocado esperando para ver se alguém assina algum contrato.
Estão com medo?
Tasso – São várias coisas. Antes eles estavam acostumados a Termos de Ajuste de Conduta (Tacs) relativamente simples. Mas os últimos já previam responsabilidades mais complicadas. Por exemplo, se a lei de gestão de florestas fosse aprovada, teriam que pagar pelo uso do recurso, que abrir mão de qualquer tipo de requisição de domínio no futuro. Fora isso, o contrato de administração pública é um negócio feroz. O sujeito tem que estar regular com tudo. Então eu acho que só os que estão muito certos de que poderiam encarar, que entraram agora. Além disso, há muita gente que diz ter plano de manejo, mas não quer abrir mão da área, ou não é o dono da área explorada. A regra agora é que para ter plano aprovado, você precisa renunciar à terra.
O primeiro contrato para exploração deve ser assinado quando e com quem?
Tasso – Seguramente durante o mês de setembro. Já existem sete planos de manejo que estão redondos, dá para fazer. Todos no Pará. Fora isso, existem seis que têm TAC assinado e estão operando. Nesses não precisa fazer auditoria de campo, podemos simplesmente substituir o TAC pelo contrato. Então têm treze que, em acertando o modelo do contrato, dá para fazer. E têm mais três que já foram negados. A gente fez a vistoria e viu que caiu em cima de unidade de conservação. O ofício de indeferimento é divulgado na internet com um mapa mostrando a razão porque foi indeferido.
Em que ponto está a regulamentação da Lei de Florestas Públicas?
Tasso – A gente fez um roteiro detalhado sobre tudo o que envolve a regulamentação. Ele foi para a Conaflor e apresentado para a Comissão de Gestão de Florestas Públicas. Será aprovado também, breve. Segundo o decreto da regulamentação, a gente tem nos dias 19 e 20 reunião da Comissão de Gestão de Florestas Públicas para trabalhar as propostas. E dessa reunião já deve sair o primeiro processo de consulta. Nós vamos criar um grupo de trabalho dentro da Comissão, um ou mais. Grupos específicos, formados tanto por gente da comissão quanto gente de fora que ela decide convidar.
Você estima quanto tempo para terminar o processo?
Tasso – A gente queria publicar esse ano. Porque se não dá tempo para começar no ano que vem. Então, estamos correndo. Até o final do ano, esperamos estar com o decreto ajeitado para publicação. A gente ainda vai ter setembro e outubro agora com a comissão. Aí depois é fazer os manuais, tocar, criar, fazer… Então a expectativa é que a gente tenha as primeiras concessões no decorrer de 2007.
As primeiras fora do regime de transição…
O que o Ibama lucra com o aumento da responsabilidade dos estados?
Tasso – Agora, quem estará sobre pressão o tempo inteiro será o estado, que é um princípio importante. Antes, as pessoas argumentavam que se o estado não cumpria as suas funções, o Ibama tinha que, com função supletiva, fazer pelo estado. Era um sistema falho porque permitia o estado nunca assumir suas obrigações e o Ibama continuava com a responsabilidade do licenciamento. Você brigava por quem licenciava e não por quem era responsável. Agora, você diz: quem é o responsável, quem o Ministério Público vai fazer a ação em cima quando tiver um problema com licenciamento?
Esse novo sistema já deu frutos?
Tasso – Sim, o caso das siderúrgicas em Carajás, no Pará. Procuramos o estado, que é responsável pelo licenciamento das usinas, e dissemos: segundo informações obtidas nos portos, o volume exportado consumiu cerca de 15 milhões de metros cúbicos de carvão vegetal, mas as empresas declararam ao governo que consumiram apenas cinco milhões, a conta não fecha. Resultado: a ação federal ao invés de virar uma multa que o cara não está nem aí, virou uma ação do Ministério Público para cima dos estados que licenciaram aquele empreendimento. O que eu acho mais curioso é o que significa você dizer que passou a responsabilidade para alguém. A primeira impressão que se tem é que os estados vão aprovar tudo. Mas não é bem assim, porque tem um cara que assina. E hoje em dia o cara que tem mais medo é o cara que assina alguma coisa.
“ESSE É O PAPEL DO ÓRGÃO, FAZER UMA FISCALIZAÇÃO INTELIGENTE, TER RESPONSABILIDADES MAIS ESTRATÉGICAS.”
O papel do Ibama não ficará reduzido ao de fiscal?
Tasso – Nada, agora o instituto vai exercer o seu verdadeiro papel, o de orientador. E poderá olhar para a fiscalização de uma forma mais holística. Para mim, o papel do Ibama é o que foi feito em Carajás. Ele foi lá, não para ficar olhando caminhão, se tem carvão ou não. Ele olhou o problema, qual era o tamanho da coisa. Quatro servidores foram treinados sobre carvão e passaram um mês entre Carajás e Açailândia levantando as informações e cruzando dados. No fim, montaram um relatório para cada uma das empresas. Foi um trabalho de inteligência que gerou a maior multa ambiental do Brasil. Esse é o papel do órgão, fazer uma fiscalização inteligente, ter responsabilidades mais estratégicas. Com uma vantagem: o órgão não perdeu nada. Nenhuma pessoa saiu. Pelo contrário, está entrando mais gente agora, com a possibilidade de você estruturar melhor. A gente está depurando o Ibama.
Como?
Tasso – Entrou mais gente em 2004 e acho que até dezembro entram mais 300 pessoas. Se você olhar a seqüência das operações, se eu não me engano nas últimas três, não teve ninguém do concurso novo. Ou seja, todo mundo que está sendo preso é limpeza mesmo, depuração. O Ibama vai se limpar e passar a desenvolver responsabilidades muito mais estratégicas. E o pessoal novo vai ser importantíssimo no processo. Tem gente muito capacitada, com doutorado, mestrado, que quer fazer isso, pensar as coisas, fazer as coisas de uma forma mais interessante, inteligente. E isso está atrelado a mudar também a forma de fazer. Eu acho que o DOF é um pouco isso. O DOF, no final das contas, permite o planejamento estratégico.
O DOF entrou em vigor dia 1º de setembro, qual a sua expectativa?
Tasso – Vai ser meio caótico o primeiro mês, a gente sabe. O Ibama criou o DOF, que vai ser disponibilizado para todos os estados, mas não é o Ibama que gere o DOF que está no estado. O DOF é um programa de computador com todas as chaves de segurança. O Ibama gere o DOF nacional dele, de tudo o que ele vai emitir no país, nas terras públicas federais, nas áreas de alto impacto, etc. Só que ele também fornece para os governadores que quiserem uma espécie de DOF estadual. Os estados podem adotar o sistema que desejarem, o Mato Grosso pagou 3 milhões e criou um sistema próprio. Agora tanto o DOF quanto o sistema de controle de cada estado estão interligados a um sistema nacional, um portal que lê todos os tipos de programa. Esse portal vai estar no site do Ministério do Meio Ambiente e mostrará tudo o que todo mundo está fazendo. Você poderá consultar pela internet ou ligar para o 0800 do Ibama e ele te dá qualquer informação sobre o DOF emitido. Basta ter o número do DOF. Um sistema também está sendo desenvolvido para lugares mais longínquos. Você carrega um palm com todos os DOFs que estão circulando naquela região. Eventualmente pode ter um que foi emitido e que não está, mas aí você anota o número e as características que você quer checar, e depois, se for o caso, atua posteriormente – o que é possível. A vantagem dos estados adotarem o DOF é que ele já está integrado ao sistema federal, não tem incompatibilidade nenhuma, é imediato.
As consultas via Internet poderão ser feitas pelo distinto público?
Tasso – Qualquer cidadão terá acesso aos dados pela Internet e pelo 0800. O acesso via Palm estará restrito à fiscalização.
E no caso dos estados com sistemas próprios, como Mato Grosso?
Tasso – O Mato Grosso, que é o sistema mais robusto, já está tecnicamente resolvido. Bahia já é mais complicado, porque lá o sistema foi criado para reposição florestal, nós vamos ter que fazer algumas adaptações na informação que sai. Mas eles estão de acordo em fazer, então não tem muito erro. Eu diria que talvez a situação esteja normalizada, com todos os estados funcionando, em março do ano que vem.
Como este processo está sendo feito?
Tasso – Em abril, realizamos uma reunião da Conaflor com seis estados que têm gestões completamente distintas, de Minas Gerais ao Ceará, exatamente para discutir essas questões de descentralização. No fim, concluímos que existiam quatro condições para se ter gestão compartilhada funcionando. Primeiro, uma estrutura organizacional e um arranjo institucional adequado e bem definido nos estados. Depois, integração de informações e de sistemas e mecanismos de participação e controle social. Por último, normas específicas de acordo com normas gerais bem definidas. E o Programa Nacional de Florestas e o serviço florestal saíram de lá com a missão de preparar um kit para os estados poderem assumir as responsabilidades de forma adequada.
“A GENTE TEM QUE PASSAR POR ESSE PROCESSO DO DOF AGORA.”
Para algumas Ongs, está transição não está sendo feita de forma adequada.
Tasso – Muitas dessas Ongs participaram das reuniões da Conaflor, mas não deram importância ao assunto antes. Chega a ser paradigmático o que está acontecendo. A gente passou dois anos levando pancada porque o DOF era adiado. Na hora que a gente fala que vai sair, “Não! Pára tudo, não pode sair! Porque agora a gente não sabe como os estados vão funcionar, e tal.” Não tem jeito. A gente tem que passar por esse processo do DOF agora. Não tem como continuar com ATPF valendo cinco mil reais. Morreu um policial tentando assaltar o Ibama. Uma caixa de ATPF vale 20 milhões de reais. É melhor que assaltar banco, é melhor que ouro, diamante. Eles acharam que a solução para resolver o problema dos riscos da descentralização era centralizar de novo. Nós não acreditamos nisso. Lembrando que o processo que nós estamos fazendo não é só transporte. São todas as autorizações de desmatamento, todos os planos de manejo, tudo georeferenciado. Isso vai gerar toda uma confusão, positiva.
Os estados terão a atribuição de dar concessão florestal?
Tasso – Nas terras públicas estaduais, sempre. Fiscalização pode ser feita pelo estado também, e vice-versa. Aliás, tem múltiplo interesse para isso. Eu tenho certeza que o estado vai ficar monitorando as florestas públicas federais, porque ele recebe royalties e elas são competidoras diretas das florestas estaduais. Esse movimento do Pará de querer ter as florestas públicas próprias, tudo próprio, não é à toa. Se eles não se posicionarem agora, terão um problema de longo prazo. E eles sabem que o plano anual de outorga estadual é prioritário frente ao federal. Se ele prepara um plano que determina uma produção florestal x, nós vamos preparar os nossos em função do que o estado já preparou. Ou seja, ele acaba tendo prioridade do ponto de vista de se posicionar como “fornecedor do recurso natural”.
Os planos de manejo ajudam a conservar a floresta?
Tasso – O ideal seria o que nós vamos fazer com todo mundo do FSB ligado ao manejo florestal. Para que ninguém faça essa pergunta, ou até fazer, mas já saber a resposta.
E o que vocês vão fazer?
Mas se fizer sentido econômico, faz sentido ambiental?
Tasso – Faz. Mas é preciso adotar cuidados para tanto. Por exemplo, o que mais pode causar danos no abate de uma árvore é a sua copa. Mas o motosserrista de manejo tem curso para intervir na direção natural de queda de uma árvore e tombá-la onde ela cause menos problemas. Quando você faz isso, você está evitando vários dos impactos, porque você tira as árvores mais importantes do caminho da que está caindo. Mas como diz o pessoal que caça na África, o problema não é matar o paquiderme, é tirar ele de lá. O mais complicado não é nem derrubar a árvore. Para você ter uma idéia, numa área de um hectare, onde você tirou cinco, seis árvores, se você não fizer nada, cai uma árvore por ano. O que o manejo corta a mais tem um impacto pequeno. O grande lance é você minimizar o impacto no arraste, na retirada. E tem várias tecnologias para a redução de danos. O resumo é o seguinte. Uma área bem manejada, depois que você entrou, cortou e arrastou as árvores para fora, terá um impacto em cerca de 5% de seu dossel.
O manejo se esgota?
Tasso – Não, a floresta cresce, né? Daqui a trinta anos, a floresta vai ter a mesma quantidade de biomassa, se não tiver mais do que ela tinha antes. Essa é a lógica. A lógica é que o rendimento da floresta é sustentável.
Com a mesma qualidade?
Tasso – A composição de espécies provavelmente vai variar, mas como qualquer floresta. Se eu não fizer nada na floresta, a composição também vai variar. Só que o que vai acontecer nessa área é que aquela árvore que tinha 40 cm, daqui a trinta anos vai ter 50cm, 60cm. A árvore que tinha 20cm, vai ter 40cm. Então quando a gente fala que o ciclo da floresta é de trinta anos, não é da semente para a árvore. O ciclo completo é 120 anos.
Mas o manejo intervém nesse ciclo. Para o bem ou para o mal?
Tasso – A gente tem um monte de dúvidas sobre o manejo florestal que versam exatamente sobre qual é a forma da floresta no final. Tem várias teorias. A mais aceita é que a floresta tende, ao longo do tempo, a ficar um pouco mais jovem. A área que você explora da floresta tende a ser mais jovem. Porque como você vai cortando as árvores maiores, mesmo que você deixe as sementeiras (20% dessas árvores maiores tem que ser deixadas), ao longo do tempo você vai ter árvores de diâmetro grande, só que não necessariamente mais antigas. Porque a idade da árvore não está correlacionada diretamente com o diâmetro. O diâmetro cresce, mas uma hora ele se estabiliza. Na hora que ele ficar estável, você pode ter uma árvore de cem anos que é igual à de 300. Por isso, como medida preventiva, você nunca faz manejo florestal em toda a área. Você faz essa extração de 5 a 6 árvores por hectare, em geral você chega a 60%, 70% da área, nunca mais que isso. Além disso quem faz manejo florestal é obrigado a manter a tal reserva absoluta, 5% da área sob exploração, que tem que ficar intocada para a gente chegar daqui a trinta anos e comparar com a floresta que foi explorada. Ninguém pretende que uma área de manejo florestal vai manter a floresta como ela é. Mas ele garante que ela mantenha suas funções originais – ou seja, ela protege o solo, a biodiversidade, interage com o clima.
“VOCÊ DIZ PARA A INDÚSTRIA: O QUE TEM DISPONÍVEL DE MATÉRIA-PRIMA É ISSO. ELA SE PLANEJA A PARTIR DESSE DADO.”
A adoção do manejo como padrão para a indústria madeireira, com os limites e regras que vêm sendo impostos, não impede sua expansão?
Tasso – Mas não é para expandir mesmo. Como é que você viabiliza um negócio como esse? Ou você aumenta a quantidade de madeira que ele pode consumir. Ou você aumenta a eficiência – com a mesma quantidade de toras, você produz mais, cresce sem aumentar o consumo de matéria-prima. E a terceira possibilidade é você agregar valor. Nos dois últimos casos, a mesma quantidade de matéria-prima gerou mais renda, mais em emprego. Você não expande a derrubada. Você diz para a indústria: o que tem disponível de matéria-prima é isso. Ela se planeja a partir desse dado. O Mato Grosso agora está fazendo essa discussão com seus madeireiros. O Pará já fez. Em ambos os casos, contaram com a ajuda do Imazon.
Qual é o potencial do manejo na Amazônia?
Tasso – Eu acho que na Amazônia, olhando pra ela como um todo, a área que poderia ser objeto de manejo é algo em torno de 50, 60 milhões de hectares. Com 50 milhões de hectares você pode produzir sustentavelmente algo como 30 milhões de metros cúbicos ano. Qual é a continha? Não dá para errar nunca. Um hectare de floresta cresce um metro cúbico por ano, somadas as espécies de valor comercial. Então se eu tiver trinta milhões de hectares ela está crescendo trinta milhões de metros cúbicos. Só que ao invés de eu explorar um metro cúbico por hectare por ano, que daria muito trabalho, além de ter impacto grande na retirada, eu adoto esse sistema de tirar 5, 6 metros cúbicos, equivalente ao mesmo número em árvores. O impacto acontece uma vez só a cada trinta anos.
Esse vai ser nosso número oficial para manejo florestal, cinco seis árvores por hectare?
Tasso – É que não é limitado assim. O cálculo é quanto a floresta cresce, quanto é o impacto que você quer ter…
Varia.
Tasso – Varia, mas não sai muito disso. Depende do volume da árvore, se ela for maior, menor. Mas é 4, 5, 6, 7. Não passa disso. Mas o interessante é, então como você chega aos 60? Por que 50? Trinta milhões de hectares dariam 30 milhões de metros cúbicos, cada um crescendo um metro cúbico por ano. Mas eu dividiria isso em trinta ,não é? Então eu estaria explorando 1 milhão de hectares por ano, no global, para que pudesse diminuir o impacto dessa estrutura. Só que, como eu falei para vocês, quando eu pego uma área de manejo, eu tenho APPs, áreas que são intangíveis, áreas que o relevo não permite a exploração, ou são menos produtivas. Então isso em geral dá 30% a 40% da área. Então com 50 milhões de hectares eu consigo explorar 30, por aí. Por isso que eu estou dizendo que com 50 milhões de hectares eu gero 30 milhões de metros cúbicos. São números muito grandes. Então se você entrar em detalhes, varia muito. Mas é preciso pensar grandes números para a Amazônia – ou seja, com dez por cento da Amazônia, se você contar os 500 milhões de hectares, toda a Amazônia Legal, você conseguiria produzir os 30 milhões de metros cúbicos, que é mais do que se consome hoje, em torno de 25 milhões de metros cúbicos por ano.
Dá para aplicar as mesmas contas à produção de carvão vegetal?
Tasso – Não. É outra matriz. A produção da quantidade de carvão que se necessita não é viável só com manejo. Por isso tem que fazer plantio florestal também.
Mas a produção brasileira de madeira vai ter que se adaptar a esses parâmetros.
Tasso – Olhando a produção madeireira, eu acho que ela é uma indústria que por conta disso vai passar por um processo de profissionalização. Esse cenário de que nós estamos falando vai depurar esse setor, que vai deixar de ser uma atividade pensada como trânsito para ir para outra coisa. Tem vários fatores que explicam isso. Se eu tenho uma serraria, só uma serra-fita, basicamente eu consigo com dois caminhões transportá-la para outro lugar, onde há mais árvores para serem cortadas. É assim que essa indústria se movimenta, com quase nenhum valor agregado. Se a matéria-prima começa a ficar mais cara, somada a outros arranjos que viabilizam a permanência de um madeireiro num local, ele começa a enxergar um horizonte de longo prazo e faz investimentos de acordo. Eu posso ficar aqui por mais tempo, então vou investir numa secadora. Vou comprar uma lâmina quatro faces, que duplica o valor da madeira, mas é uma máquina que não dá para sair desmontando, levar daqui para lá. Por isso alguns lá em Novo Progresso que fizeram um investimento um pouco maior de agregação de valor ficaram tão preocupados. Eles não tem como se movimentar dali. Tinha muita floresta em volta, eles acharam que aquilo ia durar muito tempo.
Leia também
Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina
A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar. →
Supremo garante a proteção de manguezais no país todo
Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono →
A Floresta vista da favela
Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca →