Andreia Fanzeres
Quando este ano começou, todo mundo sabia que o Cerrado arderia em chamas como ou pior do que em 2007. Três anos atrás, era tanta fumaça saindo dos incêndios na região do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães que somada à nuvem proveniente do norte do estado, transformaram Cuiabá num paiol venenoso. Por dois meses, o aeroporto da cidade operou com as luzes noturnas ligadas ininterruptamente. Em 2010, parou de chover mais cedo, no início do mês de abril. A vegetação, que não sofreu com muitas queimadas nos últimos dois anos, cresceu dentro e fora do parque. O acúmulo de combustível virou uma bomba-relógio na mão de gente que não consegue relacionar o céu cinza e o ar poluído que respira com o fogo que ateia para queimar folhas e lixo. Dentro e fora da área urbana. Bastou esquentar e a umidade cair para que as ações contínuas da população de atear fogo transformassem o hábito criminoso em catástrofes.
Em agosto, passei uma longa temporada fora de Mato Grosso, o que ajudou a proteger minha filha de apenas 4 meses do ar poluído e da fuligem que diariamente entra pelas portas e janelas da nossa casa. Mas em setembro, precisamos voltar e desde então estamos convivendo com situações vergonhosas e revoltantes.
Desde que mundo é mundo, Brasil é Brasil e Mato Grosso é Mato Grosso, queima-se propositalmente na época mais seca do ano. Seja para renovar o pasto, na inconseqüente ilusão de que a vegetação crescerá mais forte, ou para se livrar de qualquer tipo de coisa que esteja sobrando no quintal dos moradores. Nessa época, acidentes também acontecem. Mas a partir do momento em que se conhece o problema e não são tomadas medidas preventivas, o acidente passa a virar omissão e negligência. Faíscas de motocicletas que provocam erosões em caminhos abertos ilegalmente dentro do parque de Chapada já tinham sido suspeitos de causarem um dos incêndios de 2007. Hoje, em plena seca e com o estado ardendo em brasas, quem diria, os ralis continuam impunemente dentro da unidade de conservação, que foi novamente atingida pelo fogo de forma tão grave que sequer houve tempo de contabilizar os prejuízos.
Há muitos anos, nem o governo federal ou o estadual conseguem dar respostas objetivas a quem pergunta quantas vezes alguém foi multado porque ateou fogo em terrenos baldios ou em imóveis rurais. Muito menos os que provocaram catástrofes em áreas protegidas a partir de seus inocentes incêndios. E onde a impunidade impera, o crime se perpetua.
Neste fim de semana, até o canteiro central de uma importante avenida da turística Chapada dos Guimarães foi consumido pelas labaredas sem que ninguém tomasse nenhuma providência. Nos últimos dias, presenciei diversos terrenos com remanescentes de Cerrado em pleno bairro “nobre” de Chapada também em chamas. E moradores apreensivos observando o fogo durante a noite, torcendo para que ele não crescesse para dentro de suas residências. Disseram que chamaram a polícia. Mas a polícia em Chapada não se dá ao luxo sequer de comparecer aos flagrantes. Parece que fogo não é coisa de bandido. Certa vez, uma moradora me confidenciou que telefonou para a polícia acusando a vizinha de ter ateado fogo. A fumaça invadia sua casa. A polícia teve a pachorra de perguntar se o fogo estava sendo ateado em folhas no quintal da vizinha, como era o caso. Depois da resposta positiva, os policiais disseram que nada poderiam fazer, pois não tinham autorização para entrar na casa da cidadã. Certas atitudes nos fazem questionar se as autoridades sabem mesmo quais são suas próprias atribuições.
Ano passado, ao notar que em pleno mês de setembro haviam posto fogo no terreno vizinho à minha casa, corri com minha família com baldes para tentar apagar. Estava grávida, mas quem se importa? A polícia não fez nada para ajudar. A prefeitura não acha importante ter de prontidão brigadistas treinados para atender à população, conhecendo os incendiários que abriga. E na cidade não há corpo de bombeiros. Simplesmente não há saída para quem vive em Chapada dos Guimarães.
Já este ano, temendo que a situação se repetisse, tive que suplicar para que os trabalhadores que faziam a “limpeza” do tal terreno baldio não tocassem fogo novamente. E dei a eles uma simples sugestão. Carreguem o mato cortado. O que não der para carregar, deixe lá. Para que queimar? Eles coçaram a cabeça e aceitaram a brilhante idéia.
Infelizmente, na semana seguinte, outro incendiário não teve a mesma iluminação. E mais uma quadra inteira do bairro, onde havia Cerrado, virava cinzas. Junto com ela, os fios dos postes. E, minutos depois, o bairro estava sem luz. O fogo se propagou perigosamente para o terreno da companhia de águas da cidade. Avisamos à funcionária que estava de plantão. E à revelia dos estalos que o fogo dava a poucos metros dali e da fuligem que entrava pela sua própria janela, ela confidenciou que a prefeitura sequer tem um caminhão pipa para atender a cidade. Cidade que, além de sem luz, também corria o risco de ficar sem água.
O que se faz com as autoridades que são omissas, negligentes e ausentes diante de varias questões, mas especificamente, do fogo que ameaça todos os anos, cotidianamente, os moradores da região de Chapada dos Guimarães? Olhar para as cidades vizinhas e conformar-se com o fato de que nenhuma outra prefeitura toma atitude mais decente não vai ser de muita valia. Em Mato Grosso, perceber o entorno só ajuda a termos uma noção mais realista da dimensão da irresponsabilidade de quem não maneja suas áreas adequadamente, não previne, não fiscaliza, não pune, não auxilia. Às vezes, nem reclama. Este ano, mais uma vez, as urnas ficarão sujas de cinzas.
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