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Adiada votação que pode extinguir Floresta Estadual do Amapá

Após recomendação do Ministério Público Estadual, projeto sai da pauta. Para governo, movimento que visa extinguir UC é eleitoreiro.

Daniele Bragança ·
17 de fevereiro de 2014 · 11 anos atrás

Vencedor do Cabo de guerra na Assembleia Legislativa selará destina da Floresta Estadual do Amapá, que pode perder status de área protegida. Fonte: Portal da Amazônia. Foto: J. Aloisio Soares.
Vencedor do Cabo de guerra na Assembleia Legislativa selará destina da Floresta Estadual do Amapá, que pode perder status de área protegida. Fonte: Portal da Amazônia. Foto: J. Aloisio Soares.

O governo do estado do Amapá acaba de ganhar mais tempo para parar a ofensiva da oposição contra a Floresta Estadual do Amapá. Na semana passada, a oposição tentou votar um projeto de lei que revoga esta área protegida, criada em 2006. A mudança de rumo se deu após intervenção do Ministério Público Estadual, que recomendou aos deputados não revogarem o decreto que criou esta Floresta Estadual (Flota) até à conclusão do processo de transferência das terras públicas que ela ocupa, que eram da União e foram repassadas para o estado. A tática deu certo. Sem a Floresta, as terras voltam a ficar sem destinação.

A Floresta Estadual do Amapá foi criada por um acordo proposto pelo presidente Lula em 2004: ele passaria essas terras para o estado desde que fossem transformadas em área protegida. Assim nasceu esta Flota, com área 23,6 mil quilômetros quadrados (ou 2,36 milhões de hectares), cerca de 16,6% de toda a área do Amapá.

No ano de criação da Flota, 2006, a Assembleia Legislativa do Amapá aprovou por unanimidade a nova Unidade de Conservação. Após o fim do governo de Waldez Góes (PDT), em 2010, os deputados mudaram de ideia, justamente quando o governador eleito, Camilo Capiberibe (PSB), começou a implementar a unidade de conservação que, até então, só existia no papel.

O argumento dos deputados é defender o direito dos pequenos produtores rurais que ocupam terras dentro da Floresta. “Há 8 anos, quando esses mesmos deputados criaram a Flota, não se preocuparam com os pequenos agricultores, agora que a gente está com a faca e o queijo na mão para implementá-la, que a gente tem um plano de manejo, tem um plano de regularização fundiária de quem está lá dentro, conseguiu atrair mais de 10 milhões de reais do governo do estado para colocar a produção sustentável na gestão ambiental, agora eles são contra e se dizem defensores dos pequenos produtores”, disse a ((o))eco Ana Euler, diretora-presidente do Instituto Estadual de Florestas do Amapá, responsável pela gestão das Unidades de Conservação estaduais. “E o mais interessante é que, de novo, aqueles que se dizem defensores dos pequenos agricultores respondem por processo de grilagem”.

O grupo de deputados que querem extinguir a Flota é liderado por Eider Pena (PSD) – ex PDT –, deputado que votou pela criação da unidade em 2006, quando o então partido estava no poder, no governo de Waldez Góes (PDT).

Euler explica que o movimento para sustar a criação da Floresta tem fins eleitorais: “para que nessa reta final do governo a gente fique de mãos atadas”, disse.

Linha de defesa

A resposta do governo de Camilo Capiberibe (PSB) será publicar essa semana uma nota pública para poder esclarecer a população sobre os benefícios da Floresta estadual. Outra medida na guerra de informações será fazer uma reunião com os pequenos agricultores sem os sindicatos, acusados de fomentar a guerra contra a Flota do Amapá.

Segundo Ana Euler, toda a gestão da Floresta foi desenhada para ser a alavanca do setor econômico e florestal do estado. Em dezembro, foi lançado o pré-edital que disponibilizou mais de 146 mil hectares de florestas para serem licitadas. A concessão deverá trazer retorno direto em royalties de 3 milhões de reais. Só de arrecadação, irão para os cofres do estado ação 5 milhões de reais no primeiro lote.

Madeireiros

As madeiras vindas dos assentamentos agrícolas estão se exaurindo. A Floresta Estadual, uma das mais preservadas do país, tem o estoque necessário para fazer a alegria do setor madeireiro e de quebra, do sempre lucrativo cultivo de soja, que poderá ocupá-la após o esgotamento da retirada da madeira de lei.

A construção de um porto em Santana, localizada a 30 quilômetros da capital, Macapá, facilitaria a produção de soja, pois permitiria uma economia de 30% no investimento em transportes.

“É um movimento econômico e eleitoreiro”, diz Aldem Bourscheit, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil. Para ele, embora o projeto tenha sido tirado da pauta, a ameaça permanece. “A gente sabe que no Brasil esse tipo de ameaça não se extingue, ela segue seu rumo de idas e vindas e pode ressurgir”.

Segundo Bourscheit, “A Floresta estadual do Amapá foi criada e pensada pelo governo estadual para abrigar um novo tipo de economia ligado a exploração madeireira e de produtos não madeireiro. Os deputados envolvidos nesse movimento têm uma visão antiga de que economia é só desmatamento para cultivo de soja ou criação de gado”.

A Floresta Estadual do Amapá é uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, com autorização de exploração de recursos naturais, por exemplo, minérios, dentro de seu território.

O governo teme que a aprovação do projeto crie uma corrida pela terra, pela madeira e pelo ouro que pode arruinar a região da Flota. O Amapá já sofre com problemas fundiários sérios.

Agora, o Projeto de Lei será analisado pela comissão de direito fundiário, que irá encaminhar um parecer conclusivo para a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa. A mesa diretora da Assembleia terá a palavra final sobre se o projeto vai ou não para a votação.

 

 

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  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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