Não é fácil chegar ao Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, que se espalha por 3,8 milhões de hectares no Amapá – uma área do tamanho do Rio de Janeiro. Ele está em local isolado, na fronteira com a Guiana Francesa e é formado por mata tropical densa, de clima quente e úmido. Só há dois caminhos: ou navega-se 2 dias pelo turbulento rio Amaparí, até a entrada sul da reserva, ou pula-se lá de um helicóptero. A primeira expedição científica ao terreno do Parque, com 24 pesquisadores, preferiu encarar o rio.
Com 2 toneladas de equipamentos e suprimentos, eles se infiltraram no maior parque de floresta tropical do mundo para fazer o primeiro levantamento sobre sua flora e fauna . O trabalho durou 20 dias e pode ter rendido a descoberta de duas espécies novas de anfíbios e uma de peixe. “ Não posso afirmar que é uma espécie desconhecida porque preciso ter certeza, consultar especialistas e livros. Mas trabalho com peixes há 4 anos no Amapá e nunca vi essa espécie”, afirmou a pesquisadora Cecile Gama, que participou da expedição.
A coleta de dados aconteceu na parte sul do Tumucumaque, dentro de uma área de 3 quilômetros de diâmetro. O acampamento foi montado perto do encontro dos rios Amaparí e Anacuí, onde existem diferentes tipos de vegetação e, por isso, uma maior ocorrência de espécies. No parque existem serras, vales, florestas de alto e baixo porte e as do tipo aluvial. Essa diversidade se reflete na variedade de animais. A uma pequena distância das barracas, foram encontrados 24 tipos de anfíbios; 22 de lagartos; 14 de serpentes; 3 de tartarugas e um de jacaré.
Os cientistas estavam à procura de qualquer bicho que aparecesse à sua frente: mamíferos, aves, peixes, répteis, anfíbios, crustáceos e plantas. De quebra investigaram a topografia, o relevo, a cobertura vegetal e a diversidade de hábitats. A equipe era formada por especialistas da ONG Conservação Internacional, do Núcleo de Biodiversidade do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA) e de analistas ambientais do Ibama. Na retaguarda, havia assistentes de campo, barqueiros e um especialista em primeiros socorros.
Mas quem se meteu em apuros foram os bichos do Tumucumaque. Para poder catalogar as espécies e analisá-las, alguns animais tem que ser capturados e mortos. São os ossos da ciência. “ Uma pequena fração de todas as espécies foi coletada porque existe uma coisa chamada exemplar testemunha, necessário para a formação da coleção de espécies encontradas no parque” explicou Enrico Bernard, chefe da expedição. Ao todo foram catalogadas cerca de 380 espécies. Incluindo 129 aves, 100 peixes, 75 mamíferos, 40 répteis e 15 crustáceos. A expedição foi considerada fundamental por Cristoph Jaster, analista ambiental do Ibama e Chefe do Parque. “Até hoje a área foi muito pouco estudada (até então só existiam imagens aéreas). As informações vão auxiliar decisões futuras sobre o plano de manejo do Tumucumaque.”
O Parque Nacional foi criado há dois anos, mas ainda não foi decidido que tipo de atividades serão permitidas dentro de seus limites e nem como serão feitos a fiscalização e o monitoramento. Esta semana foi criado um conselho consultivo e no ano que vem serão realizadas mais 4 expedições para fazer um levantamento mais completo da fauna e da flora local. “ Estamos tentando cobrir a maior quantidade de habitats. Cada um deveria receber uma visita, mas alguns são impossíveis de se chegar e só temos verba para realizar 5 expedições” afirmou Enrico.
Segundo Cristoph, para fazer um bom plano de manejo não basta conhecer a região. É preciso estudar suas características sócio-ambientais e como as comunidades vizinhas usam os recursos florestais. Dentro do parque existe apenas uma comunidade de 166 pessoas chamada Vila Brasil, que pode ser transformada em uma base militar. Mas na margem direita do rio Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa, existem áreas invadidas por garimpeiros. Dentro da reserva já foram encontradas 25 pistas clandestinas.
Cristoph, um alemão naturalizado brasileiro há 30 anos, encara como um bom desafio a missão de proteger o Tumucumaque, mas com boa dose de realismo: “ criar uma Unidade de Conservação no papel é fácil, basta um decreto. Mas ela não existe sem controle de área, fiscalização e monitoramento”. A visita dos cientistas começou a resolver o último pedaço desta equação.
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