Uma pesquisa inédita no extremo oeste do Paraná está produzindo novos registros de espécies animais na região. O estudo quer identificar aquelas espécies que utilizam a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) da Fazenda Santa Maria (parte do Corredor de Biodiversidade Santa Maria) mantido com o apoio da Itaipu Binacional.
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Os primeiros resultados já apareceram. Os mais animadores até agora são os registros inéditos de duas espécies na área. Um deles é um roedor do gênero Oxymycterus, que vive nas florestas do alto rio Paraná, da Argentina e Paraguai, e pela primeira vez foi identificado do lado de cá da fronteira. O segundo, um anfíbio, Proceratophrys brauni. Ele já foi identificado no Brasil, mas não havia sido ainda no oeste paranaense.
O grupo de pesquisadores inclui o biólogo Joaquim Jorge Silveira Buchaim, coordenador do curso de biologia da Faculdade Anglo-Americano, de Foz do Iguaçu. A RPPN da Fazenda Santa Maria é um dos locais preservados do oeste paranaense e que estão fora de áreas de conservação mais extensas e conhecidas, como o Parque Nacional do Iguaçu ou mesmo os refúgios e a faixa de proteção mantidos pela Itaipu. “O principal objetivo é manter um grupo de pesquisadores gerando conhecimento permanentemente sobre a biodiversidade da região”, explica o biólogo.
Com 244 hectares agregados a 156 de reserva legal, a RPPN da Fazenda Santa Maria é o centro do Corredor de Biodiversidade que leva o mesmo nome da fazenda e liga a faixa de proteção do reservatório de Itaipu ao Parque Nacional do Iguaçu. A criação do corredor deve-se ao trabalho em parceria de diversas instituições da região, entre elas Itaipu, prefeituras e também os proprietários rurais.
O grupo de pesquisadores tem a participação de estudantes de graduação do Anglo, além de mestrandos e doutorandos de outras instituições, como do Programa de Pós-graduação em Biologia Evolutiva UNICENTRO/UEPG e Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná, totalizando cerca de 30 alunos. Os trabalhos são desenvolvidos com a autorização de pesquisa do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), do Instituto Chico Mendes (ICMBio) e Ibama.
Em campo
Os pesquisadores posicionaram diversas armadilhas na RPPN e em outros três pontos do corredor. Marcaram os animais capturados com brincos numerados e também coletaram fezes e pêlos para análises em laboratório.
Em um dia comum de pesquisa no local, logo nos primeiros metros da trilha, os animais capturados durante a noite pelas armadilhas colocadas na véspera indicaram como a biodiversidade pode ser rica em um espaço relativamente pequeno. Na primeira armadilha, localizada próxima à área agrícola, um gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris). À medida que o grupo se dirigia mais para o interior da mata, somente gambás-de-orelhas-pretas (Didelphis aurita) eram encontrados nas armadilhas.
Tentar entender porque uma espécie só fica nas bordas da mata, convivendo inclusive nos espaços antropizados, enquanto a outra só sobrevive em área florestada é um dos objetivos do mestrando Luiz Gustavo Valle, da Unicentro. Ele conta que a reserva oferece uma excelente oportunidade de estudo.
Ser um especialista em gambás, no entanto, é alvo de certo preconceito no meio científico (há muito mais glamour em ser um especialista em baleias, por exemplo), mas por ser um excelente dispersor de sementes, esse marsupial é uma espécie-chave para a compreensão da biodiversidade local.
Algumas das armadilhas contam com um relógio digital acoplado que dispara o cronômetro quando elas são acionadas – uma solução caseira para não precisar arcar com os pesados custos de importação de uma armadilha que já vem com relógio embutido e que é patenteada no exterior. “Saber o horário da captura ajuda a conhecer os hábitos do animal, se sua hora de maior atividade é à noite ou de dia. Também a posição da armadilha permite saber se ele transita pelo alto das árvores ou pelo chão, se ele se move por galhos grossos ou finos”, explica o doutorando Alcides Ricieri Rinaldi, da UFPR.
Algumas dezenas de metros e vários gambás depois, uma das armadilhas pegou o verdadeiro “tesouro” do grupo: um Oxymycterus. Esse pequeno roedor de focinho alongado comprova a importância de manter florestas naturais de pé para a manutenção da biodiversidade. “Ele se alimenta de pequenos artrópodes que vivem em baixo das folhas de árvores que caem no chão. Ou seja, depende de áreas florestadas para sobreviver”, explica Buchaim.
O Oxymycterus já foi registrado na Floresta Missioneira, na Argentina e Paraguai. Possivelmente, vive também do lado de cá da fronteira. Mas isso só será confirmado após uma análise de DNA. Por enquanto, a identificação foi realizada por morfologia comparativa. No caso da Proceratophrys brauni, o exemplar foi identificado pelo professor doutor Rodrigo Lingnau, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Francisco Beltrão.
A dificuldade para a realização dos exames evidencia um dos problemas da pesquisa: a falta de financiamento. “Porém, esses registros indicam a importância de remanescentes, como a RPPN Santa Maria, para conservar uma biodiversidade que ainda desconhecemos”, destaca Rinaldi.
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