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O Clima em New York

A reunião convocada por Bush para discutir clima não deu em nada. Mas teve valor simbólico ao reforçar a necessidade de metas mensuráveis e efetivas a todos os países.

30 de setembro de 2007 · 17 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Quem esperava pouco da reunião convocada pelo presidente Bush para discutir mudança climática global, em New York, que terminou na última sexta-feira, ficou decepcionado. A reunião deu em menos que pouco. Nada, praticamente. Um assessor do ministro das relações exteriores inglês David Miliband, disse que tudo não passou de “mais conversa sobre conversar”.

Foi uma reunião esquisita. Ela começou depois que os chefes de estado presentes à Assembléia Geral da ONU haviam deixado New York. Os participantes eram diplomatas de nível intermediário. Quem abriu a reunião foi a Secretária do Departamento de Estado, Condolezza Rice, que não é exatamente uma sumidade em diplomacia do clima. Sempre foi e sempre será da comunidade de segurança nacional. Mas não deixa de ter algum significado ela ter reconhecido o problema e pregado uma “revolução energética”, para superarmos o uso de combustíveis fósseis. Até pouco tempo, esse tipo de pensamento era proibido no Departamento de Estado por ela chefiado.

O presidente Bush encerrou o encontro com um discurso rapidinho, que economizou 15 minutos da agenda que dedicara a essa sua iniciativa, já muito mais interessado na outra, de se contrapor ao regime sanguinário de Myanmar. Ninguém conseguiu entender muito bem porque ele convocou um encontro desses. Nem mesmo a hipótese de que foi para “melar” a reunião da ONU, se sustenta, porque o convescote de Bush teve ainda menos importância e repercussão do que a Assembléia Geral que, pela primeira vez, tratou de mudança climática. Mas as duas perderam de longe pela presença de Mahmoud Ahmadinejad no EUA e na universidade de Columbia e para a repressão dos monges budistas na antiga Birmânia.

O que dá para dizer do encontro, então? Sua importância maior foi simbólica. Representou, de qualquer forma, a capitulação de Bush à política do clima, que negou, censurou e combateu durante suas duas administrações. Mas, com a derrota para os democratas nas eleições de meio-mandato, o tema entrou definitivamente na agenda de Washington e da campanha presidencial. A revista Foreign Affairs publicou entrevista com os principais candidatos sobre suas respectivas políticas externas e, em todas elas, a mudança climática aparece, finalmente, na agenda central. O Congresso discute seis propostas de legislação que estabelecem políticas de redução de emissões de carbono e outras medidas de mitigação do efeito estufa. Bush passou a ter que admitir não apenas a existência do problema, mas a necessidade de ação.

Daí ser importante ele ter dito, em seu discurso brevíssimo, que as nações que contribuem mais para o aquecimento global devem estabelecer metas de redução de emissões de gases estufa. Disse que o EUA vai participar das negociações climáticas conduzidas pelas Nações Unidas, único momento em que foi interrompido por aplausos. Defendeu que cada país deve decidir por conta própria qual a combinação de instrumentos e tecnologias que deverão utilizar “para obter resultados que sejam mensuráveis e ambientalmente efetivos”.

Bush não definirá a nova política para o clima do EUA, nem será protagonista na definição do regime de governança climática, que somente será decidido depois que seu mandato tenha terminado. Mas é simbolicamente importante que tenha capitulado, ainda que tão timidamente. A frase dita por ele, transcrita acima, talvez represente sua maior concessão: ter que admitir que as metas devem ser mensuráveis e efetivas, duas condições que seu governo rejeitou todo o tempo e que são imprescindíveis à definição de um regime de governança climática que funcione e produza resultados efetivos.

É claro que, no fundo, o desejo de Bush seria não ter esse regime, que tudo fosse feito voluntariamente, do jeito e no ritmo que cada país desejasse. Mas algumas das idéias que ele tem patrocinado têm cabimento, porém adaptadas para se tornarem instrumentos de um regime geral de governança global do clima. A primeira delas é a de um fórum fundador composto apenas pelos maiores emissores. Duvido que o novo regime saia de negociações assembleístas como as da ONU, onde uma coalizão de países como os petrolíferos, associados a grandes players no campo climático como China, Índia e Brasil, têm poder de veto. China, Brasil e Índia, mais a Indonésia e a África do Sul, devem estar entre os fundadores do novo regime, junto com o EUA, a Europa dos 27, Suíça, Noruega, Holanda, Rússia, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Japão. Constituído o contrato básico para o novo regime, esses países poderiam, então liderar a constituição do sistema institucional de governança do clima, em substituição ao Protocolo de Kyoto.

A outra idéia que faz sentido é a liberdade de escolha sobre o “mix” de instrumentos e políticas a ser adotado por cada país, porém, condicionado por metas que devem ser definidas coletivamente e objeto de verificação internacional. As matrizes energéticas são muito heterogêneas. Alguns países, por exemplo, terão que recorrer à energia nuclear, para reduzir com rapidez seus índices de carbono na geração de eletricidade, mantendo-a na escala necessária às suas necessidades energéticas. Outros podem afastar inteiramente a alternativa nuclear. Há países cuja logística já tem os componentes estruturais de uma logística sustentável, como o uso racional de modais. Terão apenas que fazer ajustes, principalmente no modal rodoviário, e adotar novas tecnologias e fontes de combustível. Outros países, como o Brasil, têm logísticas totalmente insustentáveis e terão que mudar mais suas políticas de transportes, por exemplo. Mas a liberdade programática, não pode se transformar, como Bush e Lula desejam, em um exercício voluntarista, sem metas domésticas associadas às metas globais de redução.

Outra idéia proposta pelo EUA que pode fazer sentido é a de acordos setoriais, novamente, desde que sejam sub-regimes setoriais aninhados no regime geral. Um formato já conhecido no regime de comércio internacional. Ele seria compatível, por exemplo, à proposta que Bush fez no seu discurso relâmpago de um fundo para desenvolvimento de energia limpa. Acordos setoriais na área da energia e da agricultura poderiam se tornar instrumentos importantes de aceleração de mudanças, principalmente nos países com menos recursos financeiros e tecnológicos.

O mais importante na mudança de atitude do presidente do EUA é a demonstração da força das idéias, que terá papel determinante, nos próximos anos, para definição de um novo regime de governança do clima. O consenso científico foi se ampliando ao longo da última década e influenciando o debate público sobre o clima, lançando as bases ideológicas (no sentido de sistema de idéias e não de correntes de pensamento político) para o avanço do consenso político.

Não haverá decisões efetivas nos próximos anos. Os dois encontros de New York apontam para o insucesso da reunião da COP de Bali, em dezembro próximo. Não se chegará a políticas efetivas, ação, antes que o consenso político tenha avançado mais, principalmente nos países mais recalcitrantes como EUA, China, Índia, Brasil, Canadá e Austrália. Nas democracias, a força das idéias se impõe mais rapidamente. Eleições no EUA, no Canadá e na Austrália, por exemplo, levarão à mudança. No Brasil, a sucessão está longe e o governo Lula terá que escolher mudar e ser protagonista na fundação do novo regime, ou manter a resistência e ser um coadjuvante derrotado.

Os próximos anos ainda serão marcados pelo debate de idéias e ações unilaterais, como as que a Europa está tomando. Mas é provável que, até 2012, um novo regime surja das brumas que ainda encobrem a política do clima.

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