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Nordeste Brasileiro: A Região esquecida no centro do debate climático

Enquanto o mundo discute COP30 na Amazônia, quem fala das lutas de uma região que conseguiu se reinventar depois de um processo violento da colonização e desafios climáticos profundos?

17 de janeiro de 2025
  • Mikaelle Farias

    Diretora regional da Palmares lab, graduanda em engenharia de energias renováveis pela Universidade Federal da Paraíba, e ativista e atua em movimentos nacionais e internacionais pela justiça climática.

Precisamos parar com a síndrome de que sabemos de tudo e voltar do início.

O Nordeste brasileiro é uma dessas regiões que, durante séculos, sua população enfrentou e enfrenta as consequências de um processo violento de colonização e as adversidades impostas pelas mudanças do clima. O que gerou um estereótipo nacional do nosso território. Mas sua resiliência e capacidade de reinvenção permanecem subvalorizadas no cenário político e de debates internacionais.

Fomos a primeira região a ser invadida pelos colonizadores, e as riquezas de nossas terras foram anunciadas para o mundo, onde tivemos nossa região explorada e as populações marginalizadas. Os impactos dessa dinâmica ressoam até hoje. A monocultura da cana-de-açúcar devastou áreas gigantescas, enquanto a extração de pau-brasil e outros recursos naturais e o mau uso de terras esgotaram a biodiversidade local.

O que levou, nos últimos 150 anos, à migração de milhões de nordestinos para o norte e sudeste em busca de condições de vida mais dignas e de sobrevivência, depois das grandes extrações de nossos recursos e as consequências da Grande Seca de 1877-1879, que ocorreram principalmente no período marcado por eventos climáticos extremos, onde houve o primeiro grande êxodo que causou a morte de milhares de pessoas na região.

Enquanto o mundo discute o desmatamento e as estratégias de preservação das florestas tropicais, pouco é dito sobre as lições que o semiárido nordestino pode oferecer em termos de adaptação climática ao Brasil. O bioma Caatinga – único no mundo – e as tecnologias sociais desenvolvidas por nossas comunidades são exemplos de como se reinventar depois de tantos impactos. Mas, ainda assim, continuamos sendo um “eco vazio” no debate climático nacional e internacional.

Há séculos, o Nordeste coloca em prática a adaptação climática. Em 1990, foi o ponto de mudanças no nosso território, quando os movimentos sociais e comunidades de agricultores deixaram para trás a ideia de “combater a seca”, que guiava as políticas públicas desde o Brasil Império, e passaram a apostar no conceito de “conviver com o semiárido”. Isso significa entender que a seca não faz parte apenas de um processo cíclico, mas que também se tornaria mais frequente e intensa com as mudanças do clima. Não é uma força que podemos combater, pelo seu avanço precoce, mas seria algo para o qual poderíamos buscar formas de nos adaptar, enfrentando as adversidades que não foram criadas por nós, mas que desafiam nossa sobrevivência.

A realidade é que o Brasil precisa reconhecer nossos corpos como respostas vivas à crise climática. Somos um verdadeiro laboratório de inovação e resistência. Incluir o Nordeste é também uma questão de justiça social e histórica. As comunidades que não migraram e até hoje resistem aqui pagaram um preço alto pelas desigualdades estruturais e pela falta de investimento político, e, por muito tempo, tiveram que se reinventar para sobreviver. Agora, também precisam estar no centro das discussões e decisões sobre o presente e o futuro do clima.

Precisamos romper o silêncio e trazer essa pauta para o centro das negociações climáticas. A COP30, que será realizada no Brasil, é uma oportunidade única para amplificar as vozes dessa região e mostrar ao mundo que o Nordeste brasileiro não é apenas uma região que sofre, mas também um exemplo de resistência e soluções climáticas. O Nordeste não pede socorro, ele oferece respostas.

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Comentários 1

  1. Pertinente artigo.

    Enquanto se insiste na obsessiva (e temerária, suicida, e não verdadeira) classificação do bioma amazõnia como a última esperança da terra, os demais biomas brasileiros são relevados à continuidade de sua destruição.

    O caso da detonação da caatinga é particularmente notável, sobretudo com a mais absoluta ausência de políticas públicas consistentes (e de fato, não significando absolutamente nada dados estatísticos de desmatamento e queimadas quando não há qualquer informação sobre efetivos reflorestamentos, recoberturas florestais) posititivas, sendo, no entanto, ovacionadas inconsequentes obras como a transposição do rio São Francisco que, para todos os efeitos, definha rumo ao seu fim.

    Isolados na RPPN Mato da Onça, em meio às devastaas caatingas do alto sertão alagoano, estamos há mais de dez anos, sem qualquer interesse de municípios, estados e da união, de órgãos (que deveriam estar) voltados para a gestão ambiental, recuperando matas e implantando um estratégico banco de DNA de espécies da flora antes que desapareçam.

    Haverá, algum dia, um Fundo Caatinga? Acreditamos ser difícil, difícil.