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Protegidas?

Reservas extrativistas e Florestas não são áreas de conservação permanente. Mas são as únicas armas do governo para preservar a Amazônia. É muito pouco.

9 de dezembro de 2004 · 20 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Nos meses de novembro e dezembro deste ano recebemos a notícia da criação de várias novas unidades de conservação na Amazônia . O estado do Pará foi contemplado com duas reservas extrativistas: Riozinho do Anfrísio e Verde para Sempre, com 736 mil e 1.288 mil hectares respectivamente. Já neste mês foi criada a floresta nacional de Jacundá em Rondônia, com 220 mil hectares, em área considerada de importância ecológica extremamente alta para a conservação pelo Probio do Ministério do Meio Ambiente.

Assim o Brasil passa a possuir mais de 13 milhões de hectares de florestas nacionais, a grande maioria na Amazônia e quase 8 milhões de hectares de reservas extrativistas, também, eminentemente na região Norte. Em conseqüência, o país possui agora 30,5 milhões de hectares no nível federal de unidades de conservação de exploração direta dos recursos, ou de uso sustentável, como reza a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, versus 24 milhões de hectares sob uso indireto dos recursos, ou de proteção integral. Em percentagem com relação à extensão territorial do nosso país, isso equivale a mais ou menos 2,8% de unidades de conservação de uso indireto versus quase 4% de uso direto dos recursos naturais.

O que preocupa nestes atos, que podem gerar alguma ilusão entre os que desejam preservar algo da nossa Amazônia, é o fato de não ter sido estabelecida pelo Governo atual nenhuma unidade de conservação de preservação permanente na região. Isso acontece embora o Governo Federal tenha assumido um compromisso firme, através do milionário Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), de estabelecer unidades de conservação cobrindo 10% dessa região. Inicialmente, quando foi negociado, o tal Programa deveria ser exclusivamente para estabelecer áreas protegidas de preservação permanente ou uso indireto dos recursos, levando-se em conta que essas são as únicas que oferecem verdadeiras garantias para a sobrevivência da diversidade biológica. A seguir os doadores aceitaram que parte das novas unidades fossem de uso direto. Mas, até agora, só foram criadas unidades de uso direto, abarcando nada menos do que 2,2 milhões de hectares.

Deixando a política e a legislação de lado, que fizeram uma mistura indigesta, combinando em uma mesma lei as verdadeiras unidades de conservação, como parques, reservas biológicas e estações, com áreas que têm outras finalidades, como as florestas nacionais e as reservas extrativistas, se observa que este Governo não oculta que, no fundo, não se interessa tanto pela preservação da biodiversidade, como por disponibilizar benefícios excepcionais às suas populações favoritas. De fato, em especial as reservas extrativistas, são estabelecidas para beneficiar certas populações, ditas tradicionais, em detrimento do bem-estar de outros. O Estado fornece enormes áreas a pequenos grupos humanos, para que eles façam, com caráter exclusivo, sua exploração pretensamente sustentável. Os extrativistas fazem chácaras, criam gado, exploram borracha, que vendem a preços subvencionados, assim como castanha e outras plantas, pescam e caçam, pois podem caçar à vontade e alguns até estabelecem piscicultura ou fazem exploração florestal. Também se constroem nesses locais estradas, postos médicos, escolas e recebem assistência técnica gratuita. Parece bom ser extrativista !

O caso das florestas nacionais, que aqui são consideradas unidades de conservação, é semelhante. Sua função precípua tampouco é preservar a natureza, mas sim servir como reguladoras de mercado, através da oferta oportuna de madeira. Deveriam outrossim ser modelos de exploração florestal. E agora até podem ter parte de sua área ocupada por populações tradicionais. Preservar o ambiente é apenas um eventual ganho a mais, se tudo funcionar bem. Porém, na prática, nossas florestas nacionais não são manejadas assim, em especial a enorme maioria que está na Amazônia. Evidentemente as pequenas, que são plantadas com exóticas no sul e sudeste são exploradas. E assim deve ser. Protegem mais a biodiversidade que uma monocultura, é claro, e muitas vezes garantem a cobertura vegetal em extensões expressivas e a produção hídrica, o que é muito importante, mas daí a falar que conservam a biodiversidade é demais.

É interessante notar que o próprio Governo parece reconhecer internamente que reservas extrativistas e florestas nacionais não são unidades de conservação. Por isso são administradas por diferentes diretorias do Ibama, com políticas diferentes e às vezes até divergentes.

Vamos deixar bem claro que é muito melhor que o governo crie unidades de conservação de uso direto dos recursos naturais, como as reservas extrativistas, as florestas nacionais e as reservas de desenvolvimento sustentável, ao invés de se ter soja, ou qualquer outra monocultura. Isso está fora de discussão. Nestas áreas, pelo menos, a morte da natureza é gradual e não brusca. Mas, essas categorias de áreas protegidas não têm nem de longe o valor que teriam as verdadeiras áreas protegidas, como parques ou reservas biológicas, se fossem adequadamente manejadas e aproveitadas para o desenvolvimento do turismo.

Embora este Governo tenha criado um parque nacional, o do Itajaí em Santa Catarina, com mais de 40.000 mil hectares, ele teve seu efeito suspenso judicialmente. Outros três sofreram ampliações, em regiões extra amazônicas. Porém, novamente pensando na Amazônia e no projeto ARPA, onde estão os novos parques nacionais? Eles são ainda mais necessários agora que o Estado de Mato Grosso está eliminando os que lá existiam no nível estadual.

Outro fato preocupante é que se nem os Parques Nacionais, que realmente protegem a biodiversidade, não estão implantados porquê criar-se extensas unidades de conservação de uso direto dos recursos que vão disputar os mesmos recursos humanos e financeiros e que são mais caras para administrar? O Brasil é um dos países do mundo que possui menos funcionários por hectares protegidos e menos recursos financeiros, que vêm minguando ano a ano.

Onde está a lógica disso tudo? Desde o Governo anterior, o país estabeleceu uma meta de 10% de extensão territorial da Amazônia em unidades de conservação, meta esta para unidades de conservação de uso indireto, pois a verdade inconteste é que já se tinha 10% de unidades de conservação na Amazônia, somando as de uso direto com as de uso indireto e com as estaduais. Então a cifra só faz sentido se for para atingir-se os 10% de unidades de conservação de proteção integral, seguindo recomendações dos cientistas. Então, porquê não estão sendo criadas, se há recursos do ARPA para sua implantação? Será que realmente as autoridades ora responsáveis pelo sistema só se interessam pelas populações tradicionais, em detrimento de também conservar a biodiversidade que é para todos?

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