Muitas vezes encontro-me surpreendida pelo fato que muitas pessoas, inclusive as de elevado nível cultural, não prestam a menor atenção nas belezas da natureza. São, em geral, pessoas que gostam das facilidades tecnológicas hoje abundantes e colocadas à disposição dos mais privilegiados. Espanta-me o que essas pessoas desperdiçam para enriquecer suas próprias vidas quando moram num país tão maravilhoso e ricamente dotado de belezas naturais, ou melhor, de belezas cênicas, como o Brasil. E essas belezas, diferentemente das mulheres no Carnaval, ou nas praias, são cada dia mais raras e concentradas apenas nos parques nacionais.
Os parques nacionais de uma nação são, exatamente, o que ela possui de mais extraordinário, de mais belo. No nosso país poucas pessoas visitam os parques nacionais e, pior ainda, muitos dos que os visitam nem sabem que estão em um parque, como os que percorrem as cataratas do Iguaçu, ou se banham nas piscinas naturais de Brasília. Nos melhores anos, a visitação nos parques brasileiros é de cerca de 2 milhões de indivíduos, enquanto em outros países, como nos Estados Unidos, por exemplo, a visitação chega a mais de 200 milhões de pessoas por ano. Lá, cada vez que aparece uma ameaça contra os parques, os cidadãos se levantam para defendê-los. São amigos dos parques. Os brasileiros não amam, nem defendem seus Parques Nacionais. Aqui, esses locais esplêndidos são vistos com empecilhos ao desenvolvimento. Pudera, nem os conhecem.
A falta de interesse nacional pelos parques nacionais é conseqüência do fato de que a grande maioria deles não está implantada, não oferecendo, portanto boa infra-estrutura para o turismo sustentável. Sabe-se de sobejo que a atividade que mais cresce no mundo é o turismo e dentro dele o eco turismo. Em quase todos os países do mundo, incluídos os mais ricos, na América do Norte ou na Austrália e Nova Zelândia e, também, nos países mais pobres da África, os parques nacionais são o miolo do ecoturismo. Mas, não aqui, embora os parques nacionais sejam também o foco do turismo em países vizinhos, como a Argentina, Chile e Peru ou até na Costa Rica que não oferece nem a milésima parte do que o Brasil tem. Aqui, a beleza natural para a maioria se reduz ao que oferecem as praias. Sem dúvida são belas, mas representam somente uma fração das belezas naturais do Brasil.
Verdade seja dita que o termo “parques nacionais”, em português, não retrata exatamente o que são ou deveriam ser. As definições mais usadas até legalmente dizem que o objetivo principal da criação dessas áreas protegidas é a preservação de uma amostra de um ou mais ecossistemas, com tudo que ele envolve: a flora, a fauna, a biodiversidade enfim e os recursos hídricos, para uso da ciência, educação e visitação pública. A definição formal esqueceu-se de ressaltar que são, também, áreas de relevante beleza cênica e que os parques nacionais englobam o que há de mais extraordinário no país, como, por exemplo, as já citadas Cataratas do Iguaçu, o Cânion do Itaimbézinho e da Fortaleza, o Pico da Neblina, o Pantanal de Mato Grosso, as Chapadas Diamantina, dos Guimarães e dos Veadeiros, os picos do Itatiaia, a Serra dos Órgãos e assim por diante. Será que o termo “parque” não é confundido na cabeça de muitos com “parque de diversão” ou área de lazer urbana? Até exposições agropecuárias são feitas em “parques de exposições”.
Outro aspecto da confusão é o fato de o Brasil ter legalmente tantas categorias de áreas protegidas ou unidades de conservação que até as autoridades responsáveis as confundem. Lembro-me que quando trabalhava com o grande cientista brasileiro, meu amigo, José Goldemberg, eu era obrigada a dar uma cola para ele. Durante muitos anos Goldemberg confundia as unidades de conservação de uso direto com as de uso indireto. Como não podia revelar essa confusão publicamente, carregava a cola, que consultava com discrição. Menciono o fato só para deixar claro que se ele confundia, imaginem os demais.
Ainda, não é novidade para ninguém da área que, embora tenhamos um número e uma soma expressiva de parques nacionais, os pobres coitados encontram-se abandonados e a maior parte das vezes sem nenhuma fiscalização ou manejo. O Brasil deve ser o campeão em soltar decretos de criação dos Parques Nacionais, informar rapidamente ao mundo todo para receber os parabéns admirados da comunidade internacional e, logo, deixá-los atirados à própria sorte. Nós estamos nos últimos lugares do mundo em recursos financeiros e em homens por unidade de área protegida. É uma lástima, mas é o reflexo da pouca pressão política que os movimentos ambientais e a população conseguem para o assunto da preservação da biodiversidade e, ia-me esquecendo, da beleza cênica.
Ah! Se os brasileiros amassem seus Parques Nacionais, tudo seria muito mais fácil! Um pouco de pressão sobre o governo os transformaria em fatores substantivos do crescimento econômico e do desenvolvimento social, como são em outros países. Mas, a falta de interesse e de compreensão do público determina que eles não sejam prioridade governamental, não obstante o fato de que os recursos necessários para sanear o sistema já estabelecido legalmente, sejam bem inferiores ao preço de uma ou duas hidroelétricas de porte médio. Administrá-los corretamente, a cada ano, custaria menos do que se gasta em repor apenas um ou dois helicópteros, ou jatos das forças armadas, desses que às vezes caem.
Ah! Se o PAC tivesse previsto que um sistema de áreas protegidas eficaz poderia garantir o desenvolvimento de tantas regiões esquecidas do país. Mas isso é sonhar muito alto. O IBAMA significa hoje apenas “o órgão que trava o desenvolvimento e nega as licenças ambientais”. É assim percebido pela mídia e pelos brasileiros. E, por isso, é um órgão que vem sendo maltratado e enfraquecido, apesar de ser responsável pelo maior patrimônio do país: os parques nacionais e outras áreas protegidas.
Quantos anos ou décadas nós teremos de esperar para ver nossos parques nacionais funcionando? Ver a natureza com toda sua pujança é cada vez mais difícil, mas não nos parques nacionais, quando funcionam e quando são o receptáculo de tanta beleza. Será que até os Parques vão ser destruídos e desvirtuados, como, aliás, já começam a ser? Eles, de fato, não resistirão ao abandono por muito tempo mais, menos ainda com as mudanças climáticas anunciadas. Será que vamos ter de começar a achar beleza em pinus e eucalipto ao invés de em ipê, pau Brasil, jacarandá, araucária ou mogno? Ver cachoeiras, rios, cataratas, animais silvestres, florestas, recifes e corais pela tela de um computador? Que dizer de um magnífico por do sol em Fernando de Noronha, por exemplo, ou no Pantanal?
Como vão as coisas, quiçá seja melhor aprendermos a gostar mais de máquinas e de aglomerações humanas e, também, começar a apreciar o mortífero colorido do por do sol filtrado e distorcido através da contaminação urbana dominante. Como vão as coisas o futuro previsível do Brasil não é belo! Nossos netos provavelmente nem saberão como era a natureza nessas plagas, ou terão uma pálida idéia fornecida pelos meios virtuais.
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